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Litigância abusiva é o sintoma: O que está errado no uso do Judiciário hoje

A litigância abusiva não é a causa, mas o sintoma de um sistema que estimula o uso distorcido da Justiça e desvaloriza meios alternativos.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Atualizado em 20 de maio de 2025 11:01

A litigância abusiva tem sido apontada como uma das principais causas da sobrecarga do Judiciário brasileiro. No entanto, este artigo sustenta que ela não é a causa do problema, mas o sintoma de um sistema que estimula o uso distorcido da jurisdição. Com base em práticas recorrentes como o fracionamento de ações, a concentração de demandas em poucos advogados e a adoção de estratégias fraudulentas, analisa-se como o atual modelo favorece a judicialização como padrão e inibe alternativas mais adequadas de resolução de conflitos. A proposta é repensar o papel do Judiciário, valorizar os meios alternativos e responsabilizar os agentes que se aproveitam da estrutura judicial para fins alheios à justiça.

1. A cultura da judicialização como resposta única O Brasil construiu, ao longo das últimas décadas, uma cultura de dependência do Judiciário. A solução de conflitos, mesmo os mais simples, passou a ser intermediada por ações judiciais, com baixa adesão a mecanismos como mediação, conciliação e negociação direta. Essa cultura se alimenta da percepção de que a via judicial é gratuita, eficaz e obrigatória - quando, na prática, ela se mostra lenta, onerosa e desvirtuada por práticas abusivas. Enquanto não se promove uma política pública efetiva de estímulo aos meios alternativos, a litigância abusiva seguirá ocupando o espaço deixado pela ausência de canais extrajudiciais funcionais.

2. Quando o excesso de ações revela falhas - e oportunidades O grande volume de processos nem sempre é sintoma de má-fé. Em muitos casos, ele revela falhas regulatórias, lacunas contratuais ou padrões repetitivos de insatisfação. O problema surge quando esse volume é explorado como oportunidade de ganho processual, e não como sinal de aprendizado institucional. Uma judicialização legítima, ainda que volumosa, pode impulsionar melhorias em produtos, serviços e canais de atendimento. Já a judicialização oportunista, que explora artificialmente as falhas, apenas perpetua o problema.

3. O fracionamento de ações e a multiplicação do dano moral Uma das estratégias mais nocivas à integridade do processo judicial é o fracionamento artificial de demandas. Uma única controvérsia é desmembrada em diversas ações isoladas, com o objetivo de multiplicar a quantidade de atos processuais e, por consequência, os pedidos de dano moral. O Judiciário se torna, assim, um meio de ampliação de lucros e não de pacificação de conflitos. Além de sobrecarregar a máquina judiciária, essa prática distorce o sentido da reparação e estimula um mercado paralelo de judicialização em massa.

4. Concentração de ações: o colapso do modelo artesanal da advocacia Outra disfunção é a concentração excessiva de processos em poucos escritórios ou advogados. A advocacia deixa de ser uma atividade artesanal e passa a operar em escala, com petições padronizadas, procurações genéricas e ausência de vínculo real com os autores. Isso compromete a qualidade da representação, prejudica a ampla defesa e enfraquece a imagem da própria profissão. Além disso, cria-se um ambiente de competição desleal, em que poucos se beneficiam da estrutura judiciária às custas da maioria da advocacia, que atua com ética e dedicação individualizada.

5. A institucionalização da fraude: poucos comprometem o todo A litigância abusiva é, em sua forma mais grave, estruturada como fraude institucionalizada. Não se trata de episódios isolados, mas de sistemas organizados para produção em massa de processos fraudulentos: ações ajuizadas sem ciência do autor, com documentos falsos, procurações adulteradas, endereços inexistentes ou autores falecidos. Embora praticada por uma minoria, essa conduta compromete a imagem de todo o sistema de justiça, desde a advocacia até o Poder Judiciário, gerando desconfiança social e desperdício de recursos públicos.

Conclusão: O desafio é sistêmico

O enfrentamento da litigância abusiva exige mais do que mecanismos repressivos. É necessário reconhecer que ela é apenas o sintoma de um Judiciário usado de forma equivocada - como palco de estratégias econômicas e não como instrumento de justiça. Romper com essa lógica demanda políticas públicas de incentivo à desjudicialização, responsabilização exemplar de agentes que atuam de forma fraudulenta e fortalecimento institucional de práticas resolutivas alternativas.

Apenas assim o sistema deixará de ser vulnerável à fraude e à exploração e poderá cumprir seu verdadeiro papel na democracia.

Viviane Ferreira

Viviane Ferreira

Sócia - Diretora jurídica de Excelência e experiência do cliente do Parada Advogados. Mestranda no IDP-Brasília.

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