Estamos preparados para julgar as novas formas de trabalho sem repetir velhos enquadramentos?
Proposta do PL 1.472/22 representa um avanço relevante na adaptação da Justiça do Trabalho às novas dinâmicas do mundo laboral.
quarta-feira, 11 de junho de 2025
Atualizado em 10 de junho de 2025 13:12
A proposta do PL 1.472/22 representa um avanço relevante na adaptação da Justiça do Trabalho às novas dinâmicas do mundo laboral.
O texto estende a jurisdição trabalhista para além das relações celetistas, alcançando também formas legítimas de prestação de serviços, como aquelas exercidas por profissionais independentes.
A iniciativa é louvável. Mas, para que seja efetiva, precisa vir acompanhada de uma transformação cultural no próprio Judiciário trabalhista. Ampliar a competência é apenas parte da equação. A outra parte, igualmente essencial, é ampliar a forma de ver o trabalho.
Ainda hoje, é comum que os arts. 2º e 3º da CLT sejam utilizados como lente única para identificar vínculos, com aplicação rígida e, muitas vezes, descontextualizada de critérios como subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade.
Isso leva a um enquadramento automático como emprego, mesmo em situações com indícios claros de autonomia na prestação do serviço. E mais: em muitos casos, o trabalhador escolhe atuar como autônomo, com riscos e benefícios próprios desse regime.
Esse padrão decisório, ao tratar toda relação não-celetista como fraude a ser corrigida, compromete a segurança jurídica e desestimula modelos legítimos de contratação. Ignora-se, assim, o fato de que muitos profissionais escolhem deliberadamente atuar fora da CLT e essa opção deve ser respeitada.
A proteção à dignidade do trabalho deve permanecer como princípio orientador. Mas ela não se concretiza por meio da negação da autonomia válida.
Existe uma diferença crucial entre proteger quem é vulnerável e deslegitimar toda forma de trabalho que não se encaixe no modelo tradicional. Esse tipo de abordagem desorganiza o mercado, inibe inovações contratuais e enfraquece a própria eficácia do sistema protetivo.
Também não se pode admitir o uso oportunista do sistema. Profissionais que atuam de forma autônoma não devem poder pleitear retroativamente os efeitos de um vínculo empregatício que nunca existiu, apenas porque o resultado econômico foi desfavorável. Essa insegurança contamina relações lícitas e penaliza quem atua com transparência.
O PL 1.472/22 é um passo importante. Mas para que a Justiça do Trabalho cumpra seu papel constitucional de forma efetiva, é preciso reconhecer que o mundo do trabalho mudou e que, hoje, proteger é também respeitar as novas formas de trabalhar.
Modernizar a competência é essencial. Modernizar a interpretação, indispensável.
Silvia Monteiro
Sócia do Urbano Vitalino Advogados e especialista em Direito do Trabalho.