STF, pejotização e liberdade econômica: Até quando o Brasil vai punir quem gera valor?
Com a suspensão nacional dos processos que discutem a contratação via PJ e MEI, o STF lançou um alerta claro: é hora de separar fraude de inovação, proteger quem precisa - e respeitar a autonomia de quem escolhe atuar com liberdade.
quarta-feira, 11 de junho de 2025
Atualizado às 13:17
A nova realidade das relações de trabalho
O art. 3º da CLT define como empregado quem presta serviços com pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação - elementos pensados para um modelo industrial do século passado. Hoje, essa lógica vem sendo aplicada, sem distinção, a relações modernas e autônomas da nova economia.
Com a digitalização e a valorização do conhecimento técnico, milhares de profissionais passaram a atuar como PJ por escolha estratégica - e não por imposição. Setores como tecnologia, consultoria e educação corporativa reúnem prestadores altamente qualificados, com múltiplos clientes, liberdade de execução e ganhos superiores ao regime CLT. Muitos rejeitam o vínculo celetista justamente para preservar autonomia e rentabilidade.
Além disso, a contratação via PJ é fiscalmente mais eficiente: enquanto celetistas de alta renda chegam a pagar 27,5% de IRPF, quem opera no Simples Nacional pode ter carga a partir de 6%; no MEI, o custo é simbólico.
Mesmo assim, o sistema jurídico insiste em tratar essas relações como fraude presumida - ignorando a realidade de autonomia, qualificação e escolha consciente que define esses vínculos.
Judicialização em alta: o avanço acelerado dos processos por reconhecimento de vínculo
Segundo levantamento da CNN Brasil , a Justiça do Trabalho registrou, apenas em 2024, mais de 285 mil processos com pedidos de reconhecimento de vínculo de emprego, um salto de 57% em relação a 2023. Isso fez com que a pejotização se tornasse o 16º tema mais recorrente entre 1.881 assuntos processuais monitorados no Judiciário trabalhista. Em 2018, o mesmo tema aparecia apenas na 40ª posição, com cerca de 150 mil ações - um crescimento de quase 90% em menos de uma década.
A tendência não mostra sinais de desaceleração. Em janeiro e fevereiro de 2025, foram ajuizadas 53.783 novas ações com o mesmo objeto.
O Ministério Público do Trabalho também tem agido com base em denúncias genéricas, muitas vezes sem provas mínimas, propondo TACs desproporcionais que exigem a formalização retroativa de diversos profissionais, sob ameaça de ação civil pública e multas milionárias.
Mesmo com contratos sólidos e critérios técnicos claros, empresas são tratadas como suspeitas por padrão, sem espaço para defesa prévia. A fiscalização deixa de ser técnica e assume um viés intimidatório, minando a segurança jurídica, paralisando decisões e sufocando a inovação no ambiente empresarial.
Tema 1.389 do STF: uma luz no fim do túnel
Diante do aumento de litígios em relações contratuais lícitas e da atuação descolada da realidade econômica por parte de órgãos fiscalizadores, o STF reconheceu a necessidade de intervenção. O Tema 1.389 foi instaurado para enfrentar um desequilíbrio institucional e responder a três questões centrais: a licitude da PJ em atividade-fim, a competência da Justiça do Trabalho e o ônus da prova sobre o vínculo.
A decisão do ministro Gilmar Mendes, ao suspender nacionalmente os processos, foi um alerta claro contra o uso abusivo da CLT como ferramenta punitiva, destacando a insegurança jurídica gerada pela atuação da Justiça do Trabalho.
Essa crítica não é abstrata. Uma pesquisa da FGV Direito SP, que analisou 841 decisões monocráticas de mérito proferidas pelo STF entre janeiro e agosto de 2023, revelou que 64% das reclamações constitucionais julgadas confirmaram a legalidade de relações de terceirização ou pejotização. Do total analisado, 43% permitiram a terceirização de atividade-fim, 21% validaram a contratação via PJ, e 1% autorizaram a terceirização da atividade-meio.
Mais do que números, os dados refletem um entendimento já consolidado no STF: modelos de contratação civil são constitucionais quando há transparência e ausência de fraude. O julgamento do Tema 1.389 representa uma chance de pacificar o tema e restabelecer a segurança jurídica para quem atua de forma legítima na nova economia.
CLT: essencial, mas para quem realmente precisa
É preciso romper com o maniqueísmo jurídico que opõe, de forma simplista, liberdade contratual e direitos trabalhistas. Valorizar a contratação civil não enfraquece a CLT - pelo contrário, preserva sua legitimidade. Aplicá-la de forma indiscriminada a qualquer relação com aparência de continuidade ou pessoalidade banaliza sua função e distorce sua finalidade.
A CLT é essencial para proteger trabalhadores vulneráveis, em contextos de subordinação e fragilidade negocial. Nesses casos, o vínculo celetista é indispensável e o uso de contratos civis configura fraude. Mas o mesmo rigor que protege o hipossuficiente deve respeitar quem atua com autonomia, múltiplos clientes e poder de negociação. Tratar esses profissionais como frágeis por padrão é descolado da realidade - e converte a CLT num mecanismo de distorção regulatória.
Ao extrapolar seus limites, a aplicação automática da CLT compromete a segurança jurídica, inibe a inovação e penaliza relações legítimas. Sua função protetiva se anula quando usada como ferramenta de coerção contra quem escolhe empreender com responsabilidade.
Autonomia privada e liberdade contratual
A liberdade de empreender, contratar e exercer atividades econômicas lícitas é um princípio constitucional estruturante - não uma concessão estatal. A Constituição, nos arts. 1º, IV, e 170, consagra a livre iniciativa como base da ordem econômica. Esse fundamento foi reforçado pela lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19), que garantiu regras objetivas em favor da autonomia privada e da desburocratização, e pelo CC (art. 421), que restringe a liberdade contratual apenas quando necessário à preservação da função social do contrato.
Nesse cenário, é irrazoável que um prestador que aceitou, com plena liberdade, os termos de um contrato civil - e usufruiu de seus benefícios - consiga, ao final da relação, o reconhecimento de vínculo empregatício. E mais grave: que esse pedido seja acolhido.
Quando há autonomia real, alta remuneração, ausência de subordinação e equilíbrio entre as partes, o contrato civil deve ser respeitado. A proteção trabalhista tem fronteiras claras - e ultrapassá-las, sob o pretexto de "proteção universal", converte o direito em ferramenta de intervenção indevida e fonte de insegurança sistêmica.
O futuro do trabalho exige coragem institucional
A modernização das relações de trabalho não é ideologia nem pauta empresarial - é uma exigência civilizatória. A realidade mudou: surgiram novos perfis profissionais, formas produtivas e dinâmicas contratuais. Ignorar essa transformação é escolher a estagnação.
Não se trata de flexibilizar direitos a qualquer custo, mas de reconhecer modelos legítimos, separar fraude de inovação e aplicar o Direito com base na realidade econômica atual - não em moldes engessados do século passado.
Segurança jurídica não é luxo - é pré-requisito para o desenvolvimento. Sem ela, não há investimento, nem confiança institucional. Não se pode inovar sob ameaça constante de responsabilização retroativa. Isso é sufocar a inovação no berço.
A Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho não existem para presumir culpa, mas para investigar com critério. Não para impor uma moldura única, mas para interpretar com coerência constitucional. Não para frear a evolução econômica, mas para garantir que ela ocorra com responsabilidade e respeito às liberdades fundamentais.
O futuro do trabalho exige mais que retórica: exige maturidade institucional, coragem jurídica e compromisso real com um ambiente que proteja o trabalhador - sem punir quem empreende com legitimidade.
O Brasil precisa decidir: quer proteger ou paralisar?
Não há nova economia sem novas formas de relação. Não há proteção real sem discernimento. E não há futuro viável sem liberdade.
Empresas que contratam com ética, estrutura e transparência não podem ser tratadas como infratoras por padrão. O Brasil precisa escolher: proteger quem realmente precisa ou seguir punindo quem inova?
O STF já sinalizou o caminho. Cabe agora a cada decisão, sentença e fiscalização alinhar-se a essa direção. O sistema precisa ouvir - e reagir.
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1 CNN Brasil. "Pejotização: Processos que pedem vínculo de emprego crescem 57% em 2024". Publicado em 10 de maio de 2025. Link: cnn.com.br
2 https://direitosp.fgv.br/noticias/pesquisa-fgv-direito-sp-indicou-que-64-reclamacoes-trabalhistas-julgadas-pelo-stf-entre-janeiro
Ronan Santos
Ronan Santos é advogado, pós-graduado em Direito Empresarial, especialista em Direito Societário e Contratual. Contato: (61) 99919-6493.