Reforma do processo administrativo: O que mudará nos prazos e prescrições?
O PL 2.481/22 busca unificar o processo administrativo no Brasil, padronizando prazos e regras e promovendo mais segurança e eficiência jurídica.
quinta-feira, 12 de junho de 2025
Atualizado às 11:15
Mesmo não sendo novidade, a proposta de lei 2.481/22, que visa modernizar e unificar o processo administrativo, ampliando a sua aplicação para todas as esferas sancionatórias da Administração Pública, incluindo, além dos processos federais, os estaduais, municipais e do Distrito Federal, trará potenciais benefícios, são só para cidadãos que lidam com a administração pública, mas para advogados, empresas e servidores públicos, que precisam, diariamente, lidar com a burocracia pública brasileira.
Talvez a alteração mais significativa introduzida pelo referido projeto, seja justamente a ampliação da lei geral de processo administrativo aos demais órgãos públicos diretos e indiretos, estaduais, municipais e do Distrito Federal, Ministérios Públicos e Tribunais de Contas, à luz do art. 1º da lei 9.784/1999, "Esta Lei institui normas gerais de processo administrativo e de procedimentos em matéria processual administrativa, sendo aplicável à Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios". Além disso, o § 1º do mesmo artigo estabelece que "As normas gerais previstas nesta lei se aplicam no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, em todos os níveis federativos".
Essa mudança é de extrema relevência, pois, historicamente, o Direito Administrativo no Brasil caracteriza-se por ser um segmento fragmentado e muito descentralizado, regido por diversas leis locais, decretos e portarias regulamentadoras que mudam de estado para estado e de município para município, fatos estes que eleva a complexidade de atuação do próprio advogado regulatório ou qualquer outro interessado em tratar alguma demanda com a administração pública.
Como dito, essa fragmentação legislativa representa um desafio para a atuação profissional em âmbito nacional, uma vez que cada região possui sua própria regulamentação acerca de prazos e procedimentos sancionatórios ou reguladores, não existindo algum "Código de Processo Administrativo" aplicável em âmbito nacional.
Nesse contexto, a uniformização e ampliação propostas no projeto de 2.481/22 tem por objetivo consolidar as regras processuais disciplinadas pela lei 9.784/1999 aos demais órgãos da administração pública, que não sejam exclusivamente da Administração Pública Federal, configurando um avanço significativo para o interesse público e para o desenvolvimento do Direito Administrativo e Regulatório no ordenamento jurídico brasileiro no âmbito das demais administrações públicas que não sejam federais.
Outro ponto de destaque no projeto de lei é a determinação contida no art. 69-B, que estabelece que todos os prazos processuais serão contados em dias úteis, prevalecendo inclusive sobre legislações locais que prevejam a contagem em dias corridos.
O texto proposto para o artigo é claro: "Art. 69-B. Os prazos processuais serão contados em dias úteis, ainda quando houver menção expressa em dias".
A uniformização abrange, ainda, a prescrição dos atos, com fundamento no art. 68-J do projeto, disciplinando que a prescrição será de cinco anos a contar da data da prática do ato ou, em caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado tal ato.
Além disso, o § 1º do art. 68-J introduz a figura da prescrição intercorrente no processo administrativo sancionador paralisado sem justa causa por mais de 2 (dois) anos, pendente de providência, despacho ou julgamento: "Art. 68-J Prescreve em cinco anos a ação punitiva da atividade administrativa e controladora, objetivando apurar infração administrativa, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado: §1º Incide a prescrição intercorrente no processo administrativo sancionador paralisado sem justa causa por mais de 2 (dois) anos, pendente de providência, despacho ou julgamento, a cargo do órgão de instrução ou de julgamento competente."
Atualmente, a questão da prescrição do ato punitivo e da prescrição intercorrente no âmbito das administrações que não são da esfera Federal é frequentemente resolvida pela aplicação analógica do art. 1º do decreto federal 20.910/1932, em conjunto com o art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, e o art. 4º do decreto lei 4.657/1942 (LINDB). Decisões do STJ e do STF, como nos recursos especiais RESP 1138206/RS (Relator min. Luiz Fux) e RE 636886 (Relator min. Alexandre de Moraes), já aplicam, por analogia, o entendimento de que é inviável a permanência infinita de atos persecutórios do Estado e a conclusão de processos em prazo desarrazoado, à luz dos princípios da eficiência, moralidade e razoabilidade. O próprio STJ e o STF já aplicam a lei federal 9.784/1999 subsidiariamente aos municípios, Estados e Distrito Federal quando houver omissão ou divergência em relação à norma federal, conforme a súmula 633 do STJ.
A proposta de uniformização dos parâmetros processuais é fundamental para a garantia dos direitos dos administrados nas suas relações com a Administração Pública brasileira e seus órgãos de controle. A morosidade e a dificuldade de acesso aos autos e de exercício tempestivo do contraditório, agravadas pela diversidade de prazos e procedimentos em cada localidade, representam obstáculos significativos para os cidadãos. Ao uniformizar a contagem de prazos, o legislador contribui para a celeridade dos trabalhos administrativos. A possibilidade de mediação entre a Administração e o particular, outra novidade mencionada no estudo, demonstra uma preocupação em buscar soluções consensuais que atendam efetivamente ao interesse público. Muitas vezes, a aplicação de multas desproporcionais e desarrazoadas não alcança o interesse público e pode comprometer a saúde financeira dos fornecedores de serviços e produtos.
O PL 2.481/22, já aprovado em dois turnos pela CTIADMTR - Comissão Temporária para Exame de Projetos de Reforma dos Processos Administrativo e Tributário Nacional e em trâmite para análise na Câmara dos Deputados, representa um marco potencial na modernização e unificação do processo administrativo no Brasil.
A uniformização da contagem de prazos e da prescrição, bem como a ampliação da aplicabilidade da lei 9.784/1999 a todas as esferas da federação, atendem a uma demanda histórica por maior segurança jurídica e eficiência.
Embora haja a probabilidade de recursos e análise pelo Plenário, a aprovação do projeto, inclusive na forma do substitutivo do senador Efraim Filho (União/PB) que o denomina "Estatuto Nacional de Uniformização do Processo Administrativo", consolidará avanços já sinalizados pela jurisprudência dos tribunais superiores em aplicar a lei federal 9.784/1999 subsidiariamente aos municípios, Estados e Distrito Federal, quando as suas respectivas normas locais forem omissas ou divergentes à norma federal (súmula STJ 633).
Assim, a expectativa em torno da análise dos anteprojetos pela Comissão Temporária Interna sinaliza a iminência de uma reforma legal profunda. Essa mudança promete simplificar e uniformizar os procedimentos administrativos em todo o Brasil, beneficiando diretamente a administração pública (direta e indireta, federal, estadual, municipal e do Distrito Federal) e as empresas administradas/reguladas, pois estaremos diante de um possível "Código de Processo Administrativo", uma legislação essencial que há anos deveria fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro.
Vinícius Soares Ribeiro
Advogado da Lee, Brock, Camargo Advogados, graduado em Direito pela FMU), com especialização em Direito Administrativo pela PUC-SP; e se especializando em Direito Constitucional pelo Legale Educacional.