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Vedação do uso de aditivos de aroma e sabor em cigarros deve ter resolução final no STF

Indústria do tabaco insiste em aditivos; STF deve decidir se saúde pública prevalece sobre estratégias que atraem jovens ao vício.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Atualizado às 13:04

O uso de aditivos de aroma e sabor em produtos de tabaco tem por objetivo mascarar o gosto ruim das primeiras tragadas e, com isso, facilitar a adesão e a dependência de novos fumantes. Ninguém mais tem dúvida sobre isso no mercado do fumo.

Tampouco há qualquer dúvida sobre os malefícios do tabagismo e sua relação com doenças graves e mortalidade, pelo que já é considerado uma epidemia pela OMS. É uma doença cujos principais fatores de risco comportamentais afetam nossos sistemas respiratório e cardiovascular, causando mazelas circulatórias crônicas, diabetes e cânceres, ao ponto de estar vinculado a mais de 70% das mortes no Brasil e no mundo. Só neste país, 145 mil mortes ocorrem por ano e seu tratamento custa aos cofres públicos mais de 150 bilhões reais.

Ainda assim, mesmo diante de uma montanha de evidências científicas, a proibição do uso de aditivos em produtos de tabaco segue sendo questionada na justiça, por conta da estratégia litigiosa da indústria tabagista. Enquanto isso, a resolução 14/12, da Anvisa, que disciplinou este assunto, enfrenta 13 anos de questionamentos judiciais já muito conhecidos do sistema de justiça brasileiro.

Enquanto a norma da Anvisa ficou suspensa por decisões judiciais e liminares, centenas de aditivos foram registrados para produtos de tabaco no Brasil. O mercado foi inundado por cigarros com sabores e aromas e, através deles, milhares de crianças e jovens provaram de um doce veneno, tornando-se dele dependentes. Isso fez com que o crescimento das estatísticas do tabagismo ressurgisse. O lucro da indústria do tabaco seguiu como sempre, nas alturas.

Esse cenário traz um exemplo de como a estratégia da indústria tem sido bem-sucedida: primeiramente, cria produtos tecnicamente proibidos para atrair fumantes cada vez mais jovens, renovando seu negócio; depois, promove ataques sistemáticos e abusivos à regulação que, em nome da ciência e da saúde, deu limites a tais produtos (sem bani-los do mercado).

Esse estratagema tem sido aplicado em vários países e é oficialmente reconhecido como uma das tantas práticas abusivas da indústria de tabaco. Desenvolver produtos apelativos para adolescentes e minar a capacidade dos Estados de implementar políticas de controle racional do tabagismo estão entre as preocupações que impulsionaram a criação da CQCT - Convenção Quadro para Controle do Tabaco, tratado internacional de saúde do qual o Brasil faz parte.

As estratégias da indústria são tão agressivas que foram endereçadas expressamente no preâmbulo da CQCT, que reconheceu a "necessidade de manter a vigilância ante qualquer tentativa da indústria do tabaco de minar ou desvirtuar as atividades de controle do tabaco" diante do fato "de que se começa a fumar em idades cada vez menores".

No Dia Mundial sem Tabaco deste ano (comemorado dia todo 31 de maio), a OMS preparou uma campanha com o slogan: "desmascarando a indústria do tabaco: expondo as táticas das empresas para deixar os produtos de tabaco e nicotina mais atrativos" e, na mesma oportunidade, premiou a Anvisa e o Ministério da Saúde por suas contribuições excepcionais para o controle do tabaco no país, ressaltando "sua atuação no controle do tabaco por meio de regulamentações pioneiras e de uma firme resistência à interferência da indústria [...] uma liderança mundial na redução do apelo dos produtos de tabaco e na proibição de aditivos e aromatizantes".

De fato, a depender da Anvisa, o Brasil é um exemplo para o mundo na adoção de políticas públicas de saúde para controle do tabaco. A vedação do uso de aditivos de aroma e sabor em produtos de tabaco é fator central para as políticas de saúde, pois impossibilita que a indústria use atalhos para tornar jovens em fumantes.

Levada a questão às barras dos tribunais, a vedação de aditivos em produtos de tabaco já foi tratada até mesmo pelo STF, em 2018. O tribunal definiu haver plena competência da Anvisa para a edição de normas técnicas de controle de produtos derivados do tabaco com vistas à promoção da saúde (aditivos de sabor e aroma). Porém, um empate o impediu de dar efeito vinculante à RDC 14/12.

Agora, a questão volta ao STF mais uma vez por insistência da indústria e, enquanto durar o julgamento, brasileiros permanecem expostos a essas práticas abusivas. É hora da  Corte, em favor da saúde, da ciência da cidadania, corroborar a constitucionalidade da RDC 14/12 da Anvisa e seu importante papel na defesa da saúde no país.

Até quando a infância e a juventude do país estarão expostas a produtos tão nocivos como sabores e aromas de quitutes que vulnerabilizaram em seu poder de escolha? É hora dessa porta larga ao tabagismo ser fechada pela mudança de comportamento e por ações governamentais conjuntas que definam, de vez por todas, redução de atratividade, a comercialização, o consumo e a exposição a produtos de tabaco, como faz a RDC 14/12.

Adriana Pereira de Carvalho

Adriana Pereira de Carvalho

Advogada e diretora Jurídica da ACT Promoção da Saúde.

Eloísa Machado

Eloísa Machado

Professora de Direito Constitucional da FGV Direito SP.

Walter José Faiad de Moura

Walter José Faiad de Moura

Advogado sócio do escritório WMAA Advogados.

Diogo Rosenthal Coutinho

Diogo Rosenthal Coutinho

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