Das quadras de tênis às Cortes: Quando Djokovic assiste ao novo conflito entre arbitragem e concorrência
Ação antitruste de tenistas desafia cláusulas arbitrais e pode redefinir a relação entre esporte, concorrência e jurisdição.
segunda-feira, 23 de junho de 2025
Atualizado às 09:45
Nos últimos meses, o mercado global do tênis foi abalado pela notícia do ajuizamento de uma ação antitruste na Corte Distrital de Nova York por 12 tenistas e ex-tenistas. Junto à Professional Tennis Players Association ("PTPA"), fundada por Novak Djokovic e Vasek Pospisil em 2019, a ação foi proposta contra as quatro maiores organizadoras do tênis profissional no cenário mundial: a ATP Tour ("ATP"), a WTA Tour ("WTA"), a Federação Internacional de Tênis ("ITF") e a Agência Internacional de Integridade no Tênis ("ITIA")1.
Na semana de 20/5/25, a WTA e a ITF apresentaram petições argumentando que a Corte Distrital de Nova York não teria jurisdição para julgar o caso e que este deveria ser remetido à arbitragem. As organizações sustentaram que, de acordo com seus respectivos regulamentos, assinados pelos jogadores, qualquer disputa relacionada às suas atuações deveria ser resolvida por arbitragem ou em foro escolhido a critério exclusivo da própria organização. Questões concorrenciais, assim como qualquer outro tema, deveriam ser submetidas à arbitragem, e não ao Judiciário. Um clássico conflito sobre a jurisdição arbitral ou judicial, mas dessa vez com contornos concorrenciais.
A WTA enfatizou que, ao se inscreverem ou participarem de qualquer competição promovida pela organização, os atletas consentem em se submeter a todas as disposições do WTA Rulebook2. O artigo XIX(B)(1) deste regulamento estabelece que qualquer disputa, exceto aquelas relacionadas à mudança de status como membro da Classe de Torneios, que não seja definitivamente resolvida pelas disposições aplicáveis, será submetida exclusivamente à American Arbitration Association ("AAA"), de acordo com os Procedimentos Expeditos das Regras de Arbitragem Comercial3.
A organização argumenta que as atletas que ajuizaram a ação alegando violação de direitos concorrenciais na Corte de Nova York (Cirstea, Gracheva, Melichar, Rodionova, Sutjiadi e Zheng) participaram de diversos torneios da WTA durante o período relevante e, portanto, estariam vinculadas ao WTA Rulebook e às regras de arbitragem da AAA. Além disso, sustenta que essas atletas teriam ratificado esse consentimento individualmente ao assinarem o WTA Annual Player Form, condição obrigatória para a participação nos torneios.
A ITF, por sua vez, alega que, desde 2010, exige que seus atletas mantenham uma assinatura anual ativa do Número de Identificação Internacional de Jogador (IPIN) para participar do World Tennis Tour e competir por prêmios em dinheiro. Para obter essa assinatura anual no site da ITF, o jogador deve clicar em um botão concordando com o IPIN Agreement. Esse acordo começa com uma seção intitulada "Player Agreements", na qual o atleta declara estar "ciente e cumprir" os Regulamentos do WTT4. Esses regulamentos contêm uma seção específica sobre Regulamentos Relacionados, que afirma que, "na medida em que não estiverem aqui contemplados, a Constituição da ITF Limited [...] se aplicará a todos os Torneios do ITF World Tennis Tour".
Assim, ao consentir com a aplicação tanto dos Regulamentos do WTT quanto da Constituição da ITF, os jogadores também estariam concordando em submeter qualquer disputa decorrente de sua relação com a ITF à arbitragem conforme o Código de Arbitragem Esportiva do Tribunal Arbitral do Esporte em Lausanne, Suíça ("CAS")5. Eis a transcrição exata de uma cláusula arbitral do CAS: "Exceto quando as Regras e Regulamentos preverem a jurisdição de outro tribunal, as partes concordam em submeter qualquer disputa decorrente deste Acordo ou relacionada a ele ao Tribunal Arbitral do Esporte para arbitragem final e vinculante, de acordo com o Código de Arbitragem Esportiva do CAS [...]".
A ITF afirma que os jogadores que ajuizaram a ação antitruste (Vasek Pospisil, Saisai Zheng, Aldila Sutjiadi, Sorana-Mihaela Cirstea, Tennys Sandgren, Noah Rubin e Varvara Gracheva) teriam concordado múltiplas vezes, desde 2010, em se submeter às regras de arbitragem do CAS, reforçando a posição da organização de que a controvérsia deve ser resolvida fora do sistema judicial convencional.
É importante destacar que, na petição inicial, a PTPA e os ex-jogadores sustentaram que as cláusulas arbitrais em questão seriam um mecanismo utilizado pelo suposto arranjo anticompetitivo para se blindar, já que retirariam dos atletas o direito de litigar perante os tribunais dos Estados Unidos ou de qualquer outro foro de sua escolha. Os autores alegam que as organizações conseguem impor essas cláusulas porque, ao estabelecerem que os jogadores só podem competir por prêmios caso renunciem à tutela jurisdicional e, ao mesmo tempo, impedirem a criação de novas organizações e torneios, criam um ambiente monopolista que não oferece alternativas aos atletas senão aderirem às cláusulas arbitrais - tornando-as, na prática, obrigatórias.
Este não é o primeiro caso em que se questiona a validade de cláusulas arbitrais inseridas nos regulamentos de competições esportivas. No caso C-124/21 P, por exemplo, dois patinadores de velocidade, Mark Jan Hendrik Tuitert e Niels Kerstholt, apresentaram queixa à Comissão Europeia, alegando que a International Skating Union (ISU) violava as regras de concorrência da Comunidade Europeia. Segundo os atletas, a organização previa que as competições de patinação deveriam passar por sua aprovação e que atletas que participassem de torneios não autorizados estariam sujeitos a sanções. Além disso, toda disputa relativa às regras de autorização ou elegibilidade deveria ser submetida ao CAS, com aplicação do direito arbitral suíço. A controvérsia girava em torno do fato de que a Lei Suíça de Arbitragem prevê possibilidades6 limitadas de anulação de sentenças arbitrais, entre as quais está a violação da ordem pública. Contudo, o Tribunal Supremo Suíço já estabeleceu que as normas de concorrência da União Europeia não configuram matéria de ordem pública para o país7. Assim, a análise sobre o cumprimento das decisões arbitrais à luz do direito europeu ficaria comprometida, já que o tribunal suíço não teria que examinar a questão sob a perspectiva do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)8.
Embora o caso da PTPA não trate de alegações de violação do direito concorrencial da União Europeia, a constituição da ITF, como mencionado, estabelece que os jogadores participantes de eventos da ITF ou membros da entidade devem submeter qualquer disputa com a organização - exceto em casos de danos pessoais - à arbitragem no CAS, sob as regras processuais suíças. De forma semelhante, a seção 8.07 do regulamento da ATP exige que jogadores da ATP submetam qualquer controvérsia com a entidade à arbitragem suíça.
Diante desse cenário, algumas perguntas iniciais emergem:
- Quais são os limites da autonomia privada na escolha da arbitragem em se tratando de contratos esportivos?
- Haveria peculiaridades diante da existência de uma "ordem pública concorrencial"?
- A inclusão de cláusula compromissória em um regulamento de entidade reguladora do esporte, com aceitação obrigatória pelos atletas, pode ser considerada evidência de posição dominante?
- As autoridades concorrenciais deveriam ter poder para revisar ou anular sentenças arbitrais que envolvam temas concorrenciais com base na ordem pública?
- Há risco de decisões conflitantes entre a AAA e o CAS caso sejam instauradas arbitragens distintas?
A decisão a ser proferida no caso movido pela PTPA e pelos ex-jogadores pode ter implicações significativas não apenas para o arranjo competitivo do tênis profissional, mas também para a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões arbitrais no esporte em nível internacional. Se as interfaces entre esportes e direito da concorrência já se mostraram desafiadoras,9 a inclusão de faceta arbitral traz à disputa contornos ainda mais interessantes.
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1 ATHAYDE, Amanda; ARCURI, Arthur. Quando Djokovic encontra concorrência: tênis e antitruste. Migalhas, 27.03.2025. Disponível aqui. Em resumo, alegou-se que um suposto cartel havia sido formado entre os organizadores e operadores dos torneios, que estariam, segundo os autores, conspirando para fechar o mercado do tênis à concorrência externa, mantendo controle total sobre os jogadores e suas condições de trabalho. O alegado arranjo anticompetitivo atuaria, conforme sustentado, em três frentes: (i) fixando artificialmente preços e outras restrições aos ganhos dos atletas; (ii) impedindo os jogadores de criar e participar de torneios alternativos; e (iii) impondo investigações disciplinares abusivas aos atletas.
2 Women 's Tennis Association 2025 Official Rules. Disponível em: https://www.wtatennis.com/wta-rules
3 American Arbitration Association Rules 2021. Disponível em: https://www.adr.org/Rules
4 2025 World Tennis Tour. Disponível em: https://www.itftennis.com/en/about-us/governance/rules-and-regulations/?type=toRegulations. ur-regulations
5 Code of Sports- Related Arbitration of the Court of Arbitration for Sport in Lausanne. Disponível em: https://www.tas-cas.org/en/arbitration/code-procedural-rules.html
6 PILA, Artigo 190 (2)
7 Decisão C(2017) 8230, para. 271
8 MOTTA, Marcos; SOUSA, Pedro Henrique Bandeira. O Caso C-124/21 P | International Skating Union v Commission: Possíveis Consequências para o Instituto da Arbitragem Esportiva Internacional. In: Direito do Futebol: Operações, Mercado, Contencioso e Arbitragem. Thomson Reuters, 2025.
9 ATHAYDE, Amanda. FERNANDES, Victor Oliveira (Org). Concorrência e Esportes. Ed. Amanuense, 2024.
Amanda Athayde
Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.
Arthur Romano Arcuri
Bacharelando na Universidade de Brasília (UnB). Diretor do Grupo de Estudos em Direito Empresarial e Arbitragem da UnB (GEA/UnB). Pesquisador voluntário do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) nas áreas de arbitragem internacional, direito societário e M&A. Integrante da equipe de Contencioso Cível do Machado Meyer Advogados.