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Publicidade infantil: Qual o papel das empresas?

Isabella Parisi Caetano de Paula

A presença de menores em campanhas com influenciadores exige que empresas anunciem com atenção às normas que protegem os direitos da criança e do adolescente.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Atualizado em 24 de junho de 2025 14:40

Aspectos legais da publicidade infantil com influenciadores

No Brasil, o trabalho infantil é vedado a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (arts. 7º, XXXIII e 227, §3º da Constituição Federal - CFRB/88). Entretanto, há uma exceção prevista no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, que permite a atividade artística, esportiva ou publicitária envolvendo menores, desde que previamente autorizada pela autoridade judiciária competente.

Por interpretação ampliada e integrativa das normas, as produções e conteúdos realizados pelos influencers mirins, em plataformas como o Instagram, TikTok, YouTube, Facebook, são equiparados a trabalho artístico, amparado também pelos arts. 215, 216, ambos da Constituição Federal (CFRB/88).

Responsabilidade das empresas e exigência de alvará judicial

O que muitas empresas anunciantes desconhecem - ou mesmo ignoram - é que as campanhas com a participação de menores devem ser previamente submetidas à Vara da Infância e Juventude, conforme o art. 149 do ECA1, mesmo quando os contratos são firmados com os pais ou responsáveis, por intermédio de agências de publicidade.

A ADI 5.326, julgada em sede cautelar pelo STF2, sedimentou a competência da Vara da Infância e da Juventude para a autorização do trabalho artístico por crianças, afastando a competência da Vara do Trabalho. Portanto, na esfera cível o juiz deverá observar: "se o desempenho da atividade artística prejudica a saúde, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, liberdade e convivência familiar, sem descuidar dos interesses do próprio menor atinentes a` vocação e aptidão para o desenvolvimento de atividades artísticas."

Nesse processo de jurisdição voluntária, primeiramente, após a obrigatória intervenção do Ministério Público Estadual, o Magistrado analisará se a atividade artística compromete ou não o desenvolvimento da criança, seu tempo de lazer e de estudo.

Em seguida, avaliará a compatibilidade entre o tempo de ensaio, os intervalos e as pausas, com a regular frequência escolar, de modo a garantir a proteção integral, melhor interesse da criança e responsabilidade compartilhada da sociedade, como um todo, no respeito e proteção à infância.

Seguindo essa lógica, o setor empresarial, pode afetar "direta e indiretamente os direitos das crianças na prestação de serviços e produtos relacionados com o ambiente digital". E, portanto, "As empresas devem respeitar os direitos das crianças e prevenir e remediar o abuso de seus direitos em relação ao ambiente digital (...)." conforme comentários sobre os direitos das crianças em relação ao ambiente digital de 2022 divulgado pelo MPSP.3

Diretrizes do CONAR para campanhas com influenciadores mirins

As normas jurídicas não evoluem, na mesma velocidade, que os fenômenos sociais - especialmente no que diz respeito à regulamentação de publicidade infantil em meio digital -, mas os manuais elaborados pelo CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária4 orientam a atividade publicitária nas redes sociais, estabelecendo, de forma geral, que:

  • A publicidade deve ser claramente identificada como tal, com uso de termos como "publicidade", "publi" ou "publipost" (em decorrência do art. 36, CDC);
  • A participação de crianças deve ser feita com cautela redobrada, respeitando sua condição de pessoa em desenvolvimento (em consonância com a CFRB/88 e o ECA);
  • As postagens de retribuição, agradecimento por brindes ("recebidos"), embora não configurem anúncios, por não possuírem natureza comercial, para os fins da autorregulamentação publicitária, ainda assim devem garantir o direito à informação e a transparência em proteção ao consumidor (art. 6º, III, CDC);
  • Por fim, cabe destacar que a responsabilidade é solidária entre o anunciante, a agência e o influenciador (ou seus responsáveis), especialmente quando há controle editorial sobre o conteúdo.

Riscos envolvidos

Ainda que realizados em ambiente doméstico e sob responsabilidade dos pais, campanhas publicitárias envolvendo menores configuram atividade artística infantil, sujeitas ao controle judicial e normativo.

Quanto aos riscos identificados, na esfera administrativa, o Conselho de Ética do CONAR, com fundamento no art. 50 do CBARP - Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, poderá aplicar penalidades à empresa beneficiária da publicidade infantil irregular, a saber:

  1. advertência formal à empresa anunciante;
  2. recomendação de alteração do conteúdo publicitário;
  3. sustação da campanha em caso de reincidência ou gravidade; e
  4. encaminhamento ao Ministério Público, quando há indícios de violação de direitos da criança.

Em situações mais graves, é possível a caracterização de trabalho infantil, sujeito à responsabilização na esfera penal, se não houver qualquer controle de carga horária, remuneração proporcional e compatibilidade com os valores infantis, desenvolvimento da criança, ou observância e respeito aos momentos de lazer e educação. Além de eventual responsabilização em âmbito civil, administrativo e penal, os prejuízos na esfera reputacional e danos à imagem da marca podem ser imensuráveis.

Conclusão: Dever de legalidade e proteção à infância

A partir desta breve análise às normas protetivas à criança e ao adolescente, é possível concluir que toda a cadeia envolvida na monetização de publicidade infantil - incluindo as empresas anunciantes, agências, pais e até mesmo as plataformas - possuem o dever de zelar pela legalidade da atividade artística infantil.

Portanto, a veiculação de campanhas envolvendo menores, sem o prévio alvará judicial, ainda que autorizadas pelos pais e responsáveis, pode gerar riscos às empresas anunciantes.

_______

1 Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará: (...)

  • 1º Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores:
  1. a) os princípios desta Lei;
  2. b) as peculiaridades locais;
  3. c) a existência de instalações adequadas;
  4. d) o tipo de frequência habitual ao local;
  5. e) a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes;
  6. f) a natureza do espetáculo. (grifou-se)

2 https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752293043

3 https://alana.org.br/wp-content/uploads/2022/04/CG-25.pdf

4 Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais (2021): http://conar.org.br/pdf/CONAR_Guia-de-Publicidade-Influenciadores_2021-03-11.pdf

Guia de Boas Práticas para a Publicidade Infantil (2022): http://www.conar.org.br/pdf/guia-infantil-conar.pdf

Isabella Parisi Caetano de Paula

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