Microrregião de saneamento básico
Se é micro, pode ser única?
quarta-feira, 25 de junho de 2025
Atualizado em 24 de junho de 2025 14:46
Incentivados pelo novo marco legal do saneamento básico, os estados brasileiros iniciaram uma corrida pela regionalização do saneamento em seus territórios. A norma estipulou o prazo de um ano, a partir de 2020, para a implementação da regionalização pelos estados, sob pena de a União desempenhar esse papel - como de fato ocorreu no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais -, bem como de fechar os cofres públicos federais para estados e municípios não regionalizados.
Entre os caminhos jurídicos para a regionalização, os estados dispunham da opção pelas URAES - Unidades Regionais, RM - Regiões Metropolitanas, MRAES - Microrregiões ou Aglomerados Urbanos. Até agora 18 estados optaram pela criação de MRAES e 6 por URAES.
Oito estados que optaram pelo modelo das MRAES instituíram microrregião única, ou seja, criaram uma só microrregião com todos os municípios do estado inseridos. Mas, se é micro, pode ser única? A resposta é sim. O fundamento que respalda a microrregião única advém dos debates havidos na Assembleia Nacional Constituinte, os quais inspiraram a redação do art. 25, § 3º, da Constituição Federal, que previu a criação de microrregião como forma de regionalização das funções públicas, sem, contudo, caracterizar normativamente esse fenômeno.
Os debates da Constituinte indicam que ao empregar a expressão "microrregião" sem lhe atribuir um conceito normativo, a Constituição conferiu ampla liberdade para os estados instituírem esses territórios mediante a adoção de critérios variados e difusos estabelecidos em suas leis complementares, o que inclui a definição de sua extensão territorial.
O fato de cada um dos estados disciplinar, por lei complementar estadual, as peculiaridades da microrregião, permite afastar distorções que adviriam de uma norma geral nacional, simétrica e, ao mesmo tempo, iníqua, por ignorar questões relevantes como a capacidade de organização, planejamento e execução de funções públicas por parte de cada estado e dos municípios envolvidos, além do financiamento dessas atividades - inexoravelmente distintas entre os entes federativos brasileiros.
Já defendi essas ideias em obra que trata da regionalização do saneamento básico, das microrregiões e suas autarquias. Esse entendimento agora se alinha à recente decisão do STF, proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, em medida cautelar na Suspensão de Tutela Provisória 1.077-PARÁ, que confirmou a viabilidade da microrregião única.
Portanto, a criação de microrregiões únicas pelos estados para a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum que contornam os serviços públicos de saneamento básico é uma opção juridicamente válida.
Luciana Merçon Vieira
Procuradora do Estado do Espírito Santo. Mestre em direito público pela FGV Direito SP. Autora do livro Regionalização do saneamento básico: as microrregiões e suas autarquias (Editora Fórum).