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A função social e a boa-fé na interpretação dos contratos empresariais

Boa-fé objetiva e função social seguem essenciais nos contratos empresariais, guiando sua interpretação, validade e execução mesmo diante da autonomia privada.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Atualizado em 25 de junho de 2025 15:33

Os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato continuam sendo fundamentais em todas as relações contratuais, inclusive em contratos firmados entre empresas, nos quais há, em regra, simetria técnica e econômica. Isso porque, no direito contratual contemporâneo, não basta que o contrato seja formalmente bem redigido: é necessário que ele cumpra um propósito legítimo, seja executado com lealdade e transparência, e contribua para a preservação do equilíbrio nas relações jurídicas.

É verdade que, nas relações empresariais, a intervenção judicial tende a ser mais contida, especialmente em virtude da presunção de paridade entre as partes. No entanto, essa menor intervenção não exclui a possibilidade de controle jurisdicional, especialmente quando há cláusulas contraditórias, excessivamente onerosas ou que distorcem a finalidade negocial originalmente pactuada.

A lógica negocial empresarial - baseada na liberdade contratual, na alocação eficiente de riscos e na busca por retorno econômico - não elimina a incidência da boa-fé e da função social. Pelo contrário: exige uma aplicação qualificada desses princípios, com análise concreta dos efeitos práticos do contrato e do comportamento das partes durante sua formação e execução.

Portanto, é importante visualizar que: esses princípios não são exceções esvaziadas nem meras figuras retóricas. São pilares que balizam a coerência interna do contrato e orientam sua interpretação e eventual revisão. Embora a lei da liberdade econômica (lei 13.874/19) tenha, de fato, reforçado a autonomia privada nos contratos empresariais, ao presumir que os contratantes têm plena capacidade para avaliar e assumir riscos, ainda assim, essa presunção não é absoluta: abusos, desequilíbrios imprevisíveis e quebras de confiança autorizam o controle judicial pontual.

Ilustra bem essa diretriz o julgamento do REsp 1.799.039/SP pelo STJ, no qual a Corte reconheceu a validade de cláusula penal pactuada entre duas empresas e afastou a possibilidade de revisão judicial com base em alegações genéricas de abusividade. O STJ reiterou que o Judiciário não deve substituir a lógica negocial construída pelas partes por uma concepção abstrata de "justiça contratual". No entanto, destacou também que há exceções, inclusive nos contratos empresariais, quando se verifica abuso de direito, contradição com os fins do negócio ou rompimento da confiança legítima.

A moderna interpretação contratual exige mais do que a leitura literal de cláusulas. Impõe a análise do contrato em sua função econômica e em sua utilidade prática. Afinal, a coerência estrutural do contrato e a lógica do mercado são elementos que integram a aplicação da boa-fé objetiva e da função social.

Em síntese, mesmo nos contratos empresariais, a função social e a boa-fé objetiva não são meras formalidades. São critérios normativos que influenciam a validade, a eficácia e a execução das obrigações contratuais. Ignorá-los é negligenciar riscos relevantes, tanto jurídicos quanto reputacionais. Por isso, a elaboração e a interpretação dos contratos devem considerar não apenas o que está escrito, mas o modo e o propósito com que foram celebrados.

Elisa Junqueira Figueiredo

Elisa Junqueira Figueiredo

Sócia do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

Marjorie Braga Helvadjian

Marjorie Braga Helvadjian

Advogada do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, atua nas áreas de contencioso cível estratégico e consultivo empresarial.

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