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Radiografia da litigância predatória: como os tribunais usam dados para combater o abuso

Análise de notas técnicas e comunicados mostra estratégias dos Tribunais para enfrentar um complexo bilionário e proteger a integridade do sistema judicial.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Atualizado em 25 de junho de 2025 15:39

O Poder Judiciário brasileiro enfrenta um desafio crônico e crescente: a indústria da litigância predatória. Caracterizado pelo ajuizamento em massa de ações sem embasamento jurídico sólido, o fenômeno sobrecarrega os tribunais, drena recursos públicos e compromete a celeridade de processos legítimos. Longe de ser uma percepção abstrata, o problema foi mapeado e quantificado por diversos tribunais do país.

Estudos como a nota técnica 01/22 do TJ/MG revelam que até 30% das ações envolvendo contratos bancários podem ser "fabricadas", gerando um prejuízo estimado em mais de R$ 10 bilhões ao sistema. No TJ/MS, a realidade é igualmente alarmante: pesquisas apontam que a prática está presente em 76% das unidades judiciais.

O cenário se repete em outras regiões. A nota técnica 16/24 do TJ/TO alerta para o risco de fraudes associadas ao uso de assinaturas eletrônicas não qualificadas, enquanto o TJ/SP, por meio do Comunicado da Corregedoria Geral 424/24, reforça a urgência de conter a propagação de demandas artificiais. Os dados convergem, pintando o retrato de uma ofensiva organizada contra a eficiência do sistema de justiça.

A litigância abusiva consolidou-se como um verdadeiro modelo de negócio, fundamentado na captação massiva de clientes e na distribuição seriada de ações, muitas vezes desacompanhadas de provas mínimas. Esse cenário é alimentado por uma combinação de fatores, incluindo a cultura da judicialização imediata em detrimento de soluções consensuais e a fragilidade dos filtros processuais, que permite a tramitação de ações visivelmente infundadas.

O caso de um único advogado que ajuizou mais de 39 mil ações em Mato Grosso do Sul, com um custo estimado de R$ 148 milhões aos cofres públicos pelo uso da justiça gratuita, ilustra a dimensão do problema. É a lógica do volume sobre o mérito, explorando o sistema em busca de ganhos financeiros em escala.

A contraofensiva dos Tribunais

Em resposta, os tribunais têm se articulado em uma contraofensiva baseada em dados e inteligência. As notas técnicas são a principal ferramenta nesse esforço. O trabalho do TJ/MG, por exemplo, sistematizou milhares de ações para estabelecer critérios objetivos de filtragem já na fase inicial. De modo semelhante, o TJ/MS utilizou estudos de caso e entrevistas com magistrados para identificar padrões, como o uso de procurações genéricas e petições padronizadas.

O TJ/TO, por sua vez, focou na vulnerabilidade documental, propondo um protocolo de verificação de autenticidade para assinaturas eletrônicas. Essas iniciativas demonstram um movimento coordenado, no qual os Centros de Inteligência dos tribunais trocam informações para fundamentar medidas de controle cada vez mais eficazes.

Com o problema diagnosticado, os tribunais e o CNJ avançam na implementação de medidas preventivas e repressivas. Entre as principais, destacam-se:

  • Maior rigor na qualificação documental no início do processo, dificultando o ingresso de ações genéricas.
  • Uso de inteligência artificial para identificar padrões de repetição e atuação suspeita.
  • Aplicação efetiva de penalidades por litigância de má-fé, com multas e comunicação à OAB.
  • Realização de audiências presenciais para averiguar a autenticidade da representação e a real vontade da parte autora, especialmente em casos envolvendo vulneráveis.

A recomendação 159 do CNJ consolida essas diretrizes, orientando os tribunais a monitorar continuamente a judicialização abusiva. A atuação articulada é a chave para transformar dados em ação concreta.

O enfrentamento da litigância predatória exige uma ação coordenada entre tribunais, Ministério Público, Defensorias e a OAB. O objetivo não é restringir o acesso à justiça, mas, ao contrário, protegê-lo, garantindo que os recursos públicos sirvam a quem de fato precisa.

Para construir um ambiente judicial mais racional, é imprescindível valorizar a boa-fé processual, incentivar a resolução extrajudicial de conflitos e aprimorar os mecanismos de controle e responsabilização. Somente por meio desse compromisso coletivo será possível fortalecer o Judiciário, tornando-o mais ágil, eficaz e verdadeiramente acessível às reais demandas da sociedade.

Anibal Pereira da Silva Junior

Anibal Pereira da Silva Junior

Analista Jurídico Cível Júnior no Parada Advogados, atuando na condução de audiências. Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia Nacional, com expertise em Direito Bancário.

José Walter Cabral

José Walter Cabral

Advogado do Banco BMG, formado pela Universidade Anhembi Morumbi, com especializações em Direito Civil, ESG e Data Driven Law.

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