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A reforma tributária e o Imposto Seletivo: Perspectivas e reflexos no Direito Ambiental

O Imposto Seletivo, criado pela EC 132/23, visa desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Atualizado em 25 de junho de 2025 09:59

Com a promulgação da EC 132, em dezembro de 2023, o IS - Imposto Seletivo deixou de ser uma proposta para se tornar um instrumento constitucional efetivo, inserido de maneira definitiva no sistema tributário brasileiro. De natureza extrafiscal, o IS tem como principal finalidade desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, consolidando a tributação como ferramenta de política pública e de proteção ambiental.

Atualmente, a regulamentação do Imposto Seletivo avança no Congresso Nacional, com a tramitação do PLP 29/24. Este projeto estabelece as normas gerais sobre o IS, delineando sua base de cálculo, hipóteses de incidência, sistemática de créditos e regime de arrecadação. Embora a estrutura constitucional esteja definida, a efetividade do tributo depende da aprovação dessa legislação infraconstitucional, que determinará, por exemplo, as alíquotas e os critérios técnicos que fundamentarão a incidência do imposto.

O projeto atualmente em debate contempla a incidência do Imposto Seletivo sobre uma série de produtos, dentre os quais se destacam: produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, veículos e embarcações poluentes, bens minerais extraídos e serviços de apostas esportivas.

Entre os pontos mais sensíveis da regulamentação do Imposto Seletivo está a definição das alíquotas, cuja fixação será realizada por meio de leis ordinárias, a partir de critérios de essencialidade e de grau de nocividade dos produtos e serviços.

O modelo proposto busca assegurar que o IS cumpra efetivamente sua função extrafiscal, orientando escolhas de consumo sem, contudo, gerar distorções econômicas indesejadas ou fomentar práticas de sonegação e informalidade. Assim, a calibragem das alíquotas deverá considerar não apenas o impacto potencial na arrecadação, mas, sobretudo, sua capacidade de induzir comportamentos mais sustentáveis por parte dos consumidores e produtores.

Essa dimensão é particularmente relevante no que tange à tributação de bens de ampla circulação, como bebidas açucaradas e veículos, cuja taxação inadequada pode ter efeitos regressivos, onerando desproporcionalmente camadas mais vulneráveis da população.

Embora o avanço legislativo seja inegável, a efetiva implementação do Imposto Seletivo enfrenta importantes desafios. Isto é, a definição de parâmetros técnicos objetivos para a caracterização dos bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente é fundamental para garantir a segurança jurídica e a efetividade do tributo.

Outro aspecto relevante é a necessidade de harmonização entre as esferas Federal, estadual e municipal, especialmente considerando que a arrecadação do IS destina-se à União, mas seus efeitos regulatórios incidem sobre toda a federação.

Ademais, ainda não há prazo definitivo para o envio do projeto de lei ordinária que estabelecerá as alíquotas específicas, o que mantém certo grau de incerteza quanto aos contornos finais do tributo. A expectativa é de que, até o início da vigência plena do novo sistema, em 2027, haja tempo suficiente para ajustes e aperfeiçoamentos legislativos que garantam a efetividade e a legitimidade do Imposto Seletivo.

O processo de regulamentação do Imposto Seletivo revela-se como um marco significativo no aperfeiçoamento do sistema tributário brasileiro, conferindo concretude à função extrafiscal da tributação e à sua aptidão para induzir comportamentos compatíveis com os valores constitucionais da proteção ambiental e da promoção da saúde pública.

A inserção do Imposto Seletivo no ordenamento jurídico, em consonância com o princípio do poluidor-pagador e com as garantias constitucionais em matéria ambiental, configura um componente estratégico para a efetivação dos direitos fundamentais previstos no art. 225 da Constituição da República.

Contudo, a concretização dos objetivos a que se propõe o Imposto Seletivo depende de regulamentação infraconstitucional que assegure critérios técnicos objetivos, segurança jurídica, eficiência administrativa e justiça fiscal. Com isso, a calibragem das alíquotas e a delimitação dos produtos e serviços sujeitos à incidência devem observar, rigorosamente, o equilíbrio entre a função arrecadatória e a função regulatória, evitando-se distorções que possam comprometer a eficácia do tributo ou gerar efeitos econômicos regressivos.

Infere-se, portanto, que o Imposto Seletivo inaugura uma nova etapa no Direito Tributário brasileiro, consolidando a perspectiva de que a tributação não deve se limitar à arrecadação, mas deve ser concebida como um instrumento de realização das finalidades constitucionais, apto a promover o desenvolvimento sustentável, a justiça social e a proteção do meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

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1 BRAGANÇA, Luiz P. Orleans., Projeto de Lei Complementar n. 29/2024. Dispõe sobre a regulamentação do imposto seletivo previsto na Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados. 19.03.2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2422069#:~:text=PLP%2029%2F2024%20Inteiro%20teor,Projeto%20de%20Lei%20Complementar&text=Regulamenta%C3%A7%C3%A3o%2C%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal%20(1988),%2C%20cadeia%20produtiva%2C%20produto%20nocivo. Acesso em: 30.05.2025.

2 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/12/camara-aprova-texto-base-da-regulamentacao-da-reforma-tributaria.shtml

3 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-01/entenda-principais-mudancas-da-reforma-tributaria

4 https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-12/senado-aprova-regulamentacao-da-reforma-tributaria

5 https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/01/17/o-que-muda-com-a-reforma-tributaria-e-quando-entra-em-vigor.ghtml

Édis Milaré

Édis Milaré

Advogado fundador de Milaré Advogados. Professor e consultor em Direito Ambiental; Doutor e Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP; Criador e 1° Coordenador das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente do Estado de São Paulo; Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (1992/1994).

Melquesedeque Moraes

Melquesedeque Moraes

Colaborador de Milaré Advogados. Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Membro da Equipe de Processo Civil da PUC-SP. Pesquisador bolsista pelo PIBIC-CNPq.

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