A impossibilidade de utilização da súmula 308 do STJ por analogia aos casos envolvendo garantia por alienação fiduciária
STJ decide que a súmula 308 não se aplica por analogia à alienação fiduciária, pois há diferenças jurídicas que impactam a proteção do crédito e do consumidor.
quinta-feira, 26 de junho de 2025
Atualizado em 25 de junho de 2025 15:46
Segundo STJ, súmula 308 não pode ser aplicada por analogia.
Recentemente, o STJ entendeu que a súmula 308, que trata da ineficácia da hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro perante os adquirentes do imóvel, não pode ser aplicada por analogia aos casos que envolvem garantia por alienação fiduciária.
Entenda a decisão aqui.
No âmbito do SFH - Sistema Financeiro da Habitação1, a instituição de hipoteca2 sobre os imóveis financiados representou um dos principais mecanismos para assegurar o crédito dos agentes financeiros e construtoras.
Ocorre que em 1999, com a falência da Encol, uma companhia importante do ramo da incorporação imobiliária, surgiram inúmeros litígios envolvendo imóveis hipotecados pela construtora. Em virtude disso, com o intuito de proteger a parte vulnerável nesse tipo de relação e assegurar-lhe o direito à moradia, o STJ editou, em 2005, a súmula 308, estabelecendo que "a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel".
Para melhor compreensão da súmula 308, destacam-se dois momentos distintos: i) o estabelecimento da garantia hipotecária em favor do agente financeiro; e ii) a celebração de promessa de compra e venda do imóvel entre a construtora e terceiros adquirentes. Independentemente da ordem cronológica entre esses eventos, o entendimento firmado pelo STJ foi o de que a hipoteca não produzirá efeitos contra os promitentes compradores. Para Marcelo de Oliveira Milagres, trata-se de "um verdadeiro privilégio creditório" instituído pelo STJ aos adquirentes.3
Desde a sua edição, a súmula 308 do STJ tem sido objeto de diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais quanto à sua interpretação e aplicação. Tanto é, que o STJ precisou consolidar entendimento no sentido de que ela só se aplica aos casos envolvendo imóveis adquiridos pelo SFH. Outra discussão de importante relevância diz respeito à possibilidade de sua aplicação, por analogia, aos casos envolvendo imóveis garantidos por alienação fiduciária4, no lugar da tradicional hipoteca.
Essa discussão foi enfrentada recentemente pela 4ª turma do STJ, sob relatoria do min. Antonio Carlos Ferreira, que concluiu pela inaplicabilidade da Súmula em tais casos5. Isso porque, na alienação fiduciária, o devedor não se encontra na condição de proprietário, como ocorre na hipoteca. De acordo com a Turma Julgadora, a negociação do bem garantido fiduciariamente, sem anuência expressa do credor fiduciário, configura a venda a non domino, que não produz efeitos em relação ao proprietário. Além disso, a aplicação analógica causaria insegurança jurídica e econômica nos contratos de alienação fiduciária, aumentando o custo do crédito, o que prejudicaria demasiadamente os consumidores.
Buscar prever as consequências práticas do julgado seria um exercício meramente especulativo, o que não corresponde ao escopo do presente texto. Não obstante, se trata de um entendimento de indiscutível relevância, que possivelmente representa uma tendência à maior proteção do crédito nas decisões futuras da Corte Superior.
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1 O Sistema Financeiro de Habitação (SFH), instituído em 1964, corresponde a uma política pública criada com a finalidade de combater o déficit habitacional urbano - um problema social histórico no Brasil, que perdura até os dias atuais. Nesse sentido, o art. 8º da Lei nº. 4.380/64 estabelece que sua prioridade é "facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população".
2 A hipoteca é um direito real de garantia, pelo qual o devedor oferece determinado bem como forma de assegurar o cumprimento de uma obrigação, permitindo ao credor, em caso de inadimplemento, promover sua venda para satisfação do crédito. É de se destacar que, nessa modalidade de garantia, a propriedade do bem perdura com o devedor.
3 (MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Manual de Direito das Coisas. 5. ed. Belo Horizonte; São Paulo: Editora D'Plácido, 2024. p. 491).
4 O conceito de alienação fiduciária de bem imóvel encontra-se disposto no art. 22 da Lei n. 9.514, que a define como "negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiros, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel."
5 REsp n. 2.130.141/RS, de relatoria do Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 1/4/2025, com publicação no DJEN em 27/5/2025.
Gabrielle Aleluia
Advogada e Coordenadora da Equipe de Contencioso Cível do Vilas Boas Lopes e Frattari Advogados.

Lucas de Oliveira Pignataro Claudino
Estagiário da equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados.