Reclamação constitucional no CPC/15: 10 anos depois, onde estamos?
Reclamação constitucional após o CPC/15: Limites, controvérsias e seu papel no controle de precedentes.
domingo, 29 de junho de 2025
Atualizado em 27 de junho de 2025 14:18
A reclamação, prevista nos arts. 988 a 993 do CPC/15, é uma ação de competência originária dos tribunais, destinada a preservar sua competência, garantir a autoridade de suas decisões e assegurar a observância de precedentes vinculantes.
A reclamação não é recurso, tampouco medida substitutiva da ação rescisória.
As hipóteses de cabimento
Trata-se, em síntese, de ação incidental de controle de legalidade e de competência, destinada a preservar a competência do tribunal (art. 988, I), garantir a autoridade de suas decisões (art. 988, II), garantir a observância de súmula vinculante ou decisão do STF em controle concentrado (art. 988, III), e garantir a observância de acórdãos proferidos em IRDR ou IAC (art. 988, IV).
A inovação do CPC/15, especialmente após a lei 13.256/16, foi consolidar essa via processual como mecanismo de concretização do sistema de precedentes.
Nesse sentido, a reclamação admite-se tanto em casos de não aplicação da tese firmada quanto em casos de aplicação indevida (art. 988, §4º). Essa violação pode se dar pela ausência de aplicação do precedente, ou pela aplicação equivocada, com base em premissas superadas ou sem realizar o distinguishing.
Quando não cabe a reclamação
O art. 988, §5º, impõe duas restrições relevantes.
A primeira é que não cabe reclamação após o trânsito em julgado da decisão (inc. I), entendimento já consagrado pela súmula 734 do STF.
A segunda é que não cabe reclamação para garantir observância de acórdão em recurso repetitivo ou com repercussão geral, quando não esgotadas as instâncias ordinárias (inc. II).
Essa última limitação vem sendo objeto de intenso debate doutrinário. Isso porque, embora a doutrina defenda a admissibilidade da reclamação mesmo para garantir a observância de acórdãos proferidos em recursos repetitivos, o STJ consolidou entendimento contrário.
Na Rcl 36.476/SP, a Corte Especial fixou que não cabe reclamação ao STJ para controle da aplicação de precedentes repetitivos.
Segundo o julgado, com a reforma da lei 13.256/16, a reclamação passou a ser cabível apenas para garantir a observância de acórdãos proferidos em IRDR e IAC, e não mais em recursos repetitivos.
Logo, o controle da aplicação dessas teses, conforme o Tribunal, deve ocorrer nas instâncias locais, por meio do agravo interno previsto no art. 1.030, §2º, do CPC.
A doutrina critica essa restrição
O professor José Henrique Mouta, por exemplo, afirma que o entendimento da Rcl 36.476 enfraquece o sistema de precedentes e compromete a coerência jurisprudencial.
Em artigo publicado no Migalhas, o professor Mouta analisa o julgado da Rcl 42.048/STJ, da 2ª seção, como sinal de possível mudança. Isso porque, nesse caso, o STJ entendeu que, após o julgamento do agravo interno pelo tribunal de origem, estaria exaurida a instância, sendo cabível a reclamação para controle da aplicação de precedentes qualificados
É o que se espera no futuro.
As questões procedimentais
O procedimento da reclamação foi regulado nos arts. 988 a 993 do CPC/15.
Após o protocolo da petição inicial, caberá ao relator:
- requisitar informações da autoridade coatora;
- suspender o processo ou ato impugnado (se necessário);
- determinar a citação do beneficiário da decisão para apresentar contestação em 15 dias (art. 989, III).
O Ministério Público será ouvido como fiscal da ordem jurídica, salvo quando for autor da reclamação. E, ao final, o tribunal poderá cassar o ato reclamado e determinar o imediato cumprimento da decisão, independentemente da lavratura do acórdão (art. 993).
Considerações finais
Dez anos após o CPC/15, a reclamação segue como instrumento essencial para a preservação da autoridade dos tribunais e da força dos precedentes vinculantes.
Ainda que decisões como a Rcl 36.476/STJ tenham imposto limitações relevantes, novos julgados, como a Rcl 42.048, indicam possíveis caminhos de reinterpretação e fortalecimento do instituto.
Fato é que o futuro da reclamação dependerá do equilíbrio entre segurança jurídica e efetividade dos precedentes. Assim, cabe à comunidade jurídica manter-se atenta às transformações jurisprudenciais, compreendendo que esse mecanismo continua a ser um termômetro da maturidade do sistema de precedentes no Brasil.