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Os rumos da pejotização no Brasil: O que pode mudar após a audiência pública do STF

O STF vai decidir se a pejotização é fraude ou prática legítima. A decisão, após audiência em setembro, pode gerar passivos bilionários e mudar o mercado de trabalho no Brasil.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Atualizado às 13:40

Desde abril de 2025, quando o STF determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem se a pejotização constitui fraude, a insegurança jurídica se tornou regra e não exceção. O pano de fundo é o Tema 1389 da repercussão geral, que discute se contratar uma profissional via CNPJ, ainda que ele atue com pessoalidade e habitualidade, fere direitos constitucionais trabalhistas.

A audiência pública marcada para 10/9/25 não é um evento qualquer: ela reúne entidades sindicais, federações empresariais, magistrados, auditores fiscais e representantes do Estado para expor dados sobre a prática que, segundo estimativas, envolve milhões de trabalhadores brasileiros. O Brasil, que já tem uma das legislações trabalhistas mais rígidas do mundo, hoje observa a pejotização como válvula de escape de empresas que não conseguem arcar com o custo integral de contratações via CLT, especialmente em setores de alta rotatividade e serviços especializados.

Mas por que este julgamento será um divisor de águas? A razão é simples: os ministros do STF terão que definir, de forma vinculante, onde termina a liberdade econômica e onde começa a fraude trabalhista. Isso não é trivial. O Supremo já havia consolidado o entendimento de que a terceirização é constitucional (ADPF 324), mas agora terá de enfrentar um fenômeno ainda mais complexo: quando a empresa deixa de contratar um prestador de serviço efetivamente autônomo para exigir dele subordinação, jornada, exclusividade e dependência econômica, muitas vezes tudo isso disfarçado sob a formalidade de um CNPJ.

Caso prevaleça a visão de que a pejotização caracteriza fraude sempre que houver requisitos típicos de emprego, as consequências serão imensas. Todas as ações atualmente suspensas poderão retomar sua tramitação com decisões potencialmente condenatórias, gerando reconhecimento retroativo de vínculo de emprego, cobrança de contribuições previdenciárias e FGTS não recolhidos, multas administrativas por sonegação e infração trabalhista e repercussões cíveis e penais por eventual conluio para burlar a legislação.

Nesse cenário, é legítimo esperar um efeito dominó de passivos milionários, em especial sobre empresas médias que não possuem lastro financeiro para suportar processos trabalhistas em massa.

Por outro lado, se o STF adotar uma leitura mais econômica e considerar lícito contratar pessoas jurídicas sempre que formalmente exista contrato e autonomia declarada, mesmo havendo certa dependência econômica, haverá uma blindagem relevante ao modelo. As empresas poderão se sentir encorajadas a manter ou ampliar o uso da pejotização, amparadas pelo precedente vinculante, e a própria Justiça do Trabalho perderá margem para requalificar contratos.

Aqui surge o ponto mais sensível: qualquer que seja o desfecho, haverá impacto econômico relevante. O Governo Federal, por exemplo, já manifestou preocupação com o esvaziamento da arrecadação previdenciária, já que o recolhimento via PJ é muito menor do que na folha de pagamento. Ao mesmo tempo, sindicatos temem o enfraquecimento da representação coletiva e a redução de direitos sociais historicamente conquistados.

Em nossa visão, o Supremo não poderá se esquivar de criar parâmetros objetivos que transcendam a forma do contrato e cheguem à substância da relação. Será necessário definir se a mera emissão de nota fiscal descaracteriza por si só qualquer vínculo, ou se a análise deve se concentrar na realidade fática da prestação de serviços. Também será essencial decidir quem tem o ônus de provar a fraude questão que, por si só, pode mudar drasticamente o resultado das ações em curso.

Para as empresas, o cenário exige prudência. Com todos os processos suspensos desde abril, muitas se sentem temporariamente protegidas. Mas essa proteção é ilusória. O julgamento que ocorrerá após a audiência pública de setembro será retroativo em seus efeitos e poderá consolidar uma jurisprudência que anule contratos celebrados nos últimos cinco anos, se constatada a simulação. Portanto, é recomendável iniciar desde já uma auditoria contratual preventiva, revendo práticas que possam ser enquadradas como fraude: subordinação disfarçada, exclusividade sem justificativa, ausência de autonomia técnica e econômica, e pagamentos fixos mensais sem variação por resultado.

Por fim, não se pode ignorar o lado social. A pejotização, em muitos casos, oferece ganhos reais ao trabalhador que fatura mais e tributa menos. Entretanto, esse aparente benefício esconde fragilidades: ausência de FGTS, insegurança previdenciária, falta de proteção em acidentes de trabalho e redução da capacidade de negociação coletiva. É por isso que o tema divide opiniões de forma tão intensa.

O que está em jogo não é apenas um modelo de contratação. É o equilíbrio entre competitividade, arrecadação e dignidade laboral. A audiência pública de setembro será o fórum onde se confrontarão todas essas visões. E o Supremo, mais uma vez, terá a responsabilidade de decidir se a pejotização é um instrumento legítimo de modernização das relações de trabalho ou um subterfúgio inaceitável para precarizar direitos constitucionais. O mercado aguarda, com ansiedade e incerteza, a resposta definitiva.

Kelly Viana

VIP Kelly Viana

Advogada e CEO do KASV Advocacia Empresarial, escritório comprometido em desenvolver estratégias jurídicas inovadoras e seguras para potencializar o crescimento de negócios e reduzir riscos legais.

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