Discussões sobre Garden Leave ressurgem na Justiça do Trabalho
Tribunais brasileiros voltam a analisar a validade do afastamento remunerado em contratos de trabalho.
quinta-feira, 10 de julho de 2025
Atualizado em 9 de julho de 2025 10:45
Originalmente criado no Reino Unido, o Garden Leave é amplamente utilizado nas empresas de setores financeiros de países como Austrália, Nova Zelândia e, mais recentemente, nos Estados Unidos. Normalmente, a sua aderência aos contratos de trabalho decorre dos próprios costumes e precedentes dos tribunais locais, muito embora algumas leis comecem a surgir em estados norte-americanos. No Brasil, esse tema foi muito discutido no passado e os tribunais haviam chegado a um posicionamento razoavelmente uniforme, mas recentemente ele voltou a reaparecer sob uma diferente ótica. Mas, afinal, o que exatamente é o Garden Leave e como o tema ressurge em discussões judiciais atuais no Brasil?
Garden Leave é uma espécie de licença remunerada concedida a determinados empregados. Esses empregados normalmente são executivos, que possuem acesso a informações confidenciais e estão em processo de transição de carreira. O contrato de trabalho permanece ativo, mas houve um anúncio de uma das partes sobre a intenção de rompê-lo. Durante esse período, o empregado permanece recebendo salários e benefícios, mas está em processo de rescisão do contrato de trabalho.
Normalmente, o empregado não pode iniciar outro emprego nem ir trabalhar, mas deve estar disponível para fornecer informações ou suporte ao empregador. O Garden Leave mantém o empregado afastado dos negócios da empresa, mas evita que ele comece a trabalhar para um concorrente imediatamente. O empregado está impedido de desempenhar suas atividades profissionais e não pode realizar qualquer atividade remunerada, sob pena de dispensa por justa causa ou aplicação de alguma sanção contratual.
O Garden Leave não se confunde com a obrigação pós-contratual de não competição e também não é um período de aviso-prévio (no seu conceito brasileiro). Durante o Garden Leave, o contrato de trabalho permanece ativo, diferentemente da obrigação de não competição, que só começa após o término do contrato de trabalho.
Origem e aplicação internacional
Na Nova Zelândia, embora o termo não esteja expresso na legislação, há requisitos que devem ser seguidos para que o Garden Leave seja válido:
- O empregado e a empresa devem concordar com a licença;
- Todas as cláusulas devem ser justas e razoáveis;
- Não deve ser usado como uma forma de contornar requisitos de suspensão do contrato de trabalho;
- Os empregados devem seguir todos os termos e condições do contrato de trabalho enquanto estiverem de licença.
Já na Austrália, o instituto chegou a ser analisado pela Suprema Corte de Victoria1. A decisão demonstrou que, se o Garden Leave não for aplicado corretamente, o empregado pode alegar que seu contrato foi rescindido prematuramente e buscar uma indenização por danos morais.
O caso envolveu um empregado que foi colocado em Garden Leave após entregar seu pedido de demissão. O contrato do empregado não continha uma cláusula de Garden Leave. Porém, além de direcionar o empregado a ficar em casa, a empresa exigiu que o empregado devolvesse o carro, iPad e celular fornecidos pela empresa.
Durante o período de Garden Leave, o empregado começou a trabalhar em uma empresa concorrente, o que levou a empresa a buscar o Judiciário alegando violação ao contrato de trabalho.
O empregado argumentou que a empresa o havia deixado livre para aceitar o novo emprego, na medida em que não havia uma cláusula em seu contrato permitindo o Garden Leave.
O Tribunal discordou, sustentando que havia um termo implícito permitindo o Garden Leave no contrato do empregado, especialmente considerando seu cargo de Gerente Nacional de Vendas, o que tornava a cláusula implícita aplicável.
O empregado também argumentou que a insistência da empresa para devolução dos objetos constituía uma violação ao contrato de trabalho. O Tribunal acolheu esse argumento, concluindo que, ao remover os bens fornecidos pela empresa, o empregador havia unilateralmente reduzido a remuneração do empregado, violando o contrato de trabalho. Assim, o empregado não teria descumprido o Garden Leave quando começou a trabalhar para uma empresa concorrente.
Aplicação no Brasil
Empresas estrangeiras que desenvolvem seus negócios no Brasil tendem a importar os seus próprios contratos de trabalho para a realidade brasileira. Por vezes, nesses contratos, existe uma previsão de Garden Leave.
Essas cláusulas costumam estabelecer que se o empregado desejar rescindir o contrato, ele deverá comunicar previamente à empresa com uma antecedência pré-estabelecida de acordo com seu cargo. As empresas costumam vincular o cargo ocupado pelo empregado e o respectivo período em que deve permanecer afastado de suas atribuições.
Assim, quanto mais alto o cargo ocupado pelo empregado (como é o caso de diretores, gerentes, membros de comitês executivos), maior o período que será concedido para a realização da transição de carreira. Nesse período, o empregado terá sua remuneração mantida integralmente e assumirá o compromisso de não competir e não prestar direta ou indiretamente qualquer serviço para empresas concorrentes. O aviso-prévio somente será computado após o fim do Garden Leave.
Devido à natureza estratégica de suas funções, esses empregados têm acesso a informações confidenciais e sensíveis que precisam ser protegidas durante a transição de desligamento.
Discussões atuais na Justiça do Trabalho
O entendimento predominante da Justiça do Trabalho considera que determinados institutos estrangeiros, a exemplo do Garden Leave, não são compatíveis2 com as normas do Direito do Trabalho brasileiro.
Existe uma decisão um pouco mais antiga do TRT/SP afirmando que o afastamento do empregado de suas atividades pelo empregador pode ser entendido como abuso do poder diretivo do empregador, implicando constrangimento, ócio forçado e humilhação ao empregado.
A principal justificativa para esse entendimento é que o empregado tem o direito ao trabalho protegido pela Constituição Federal. A Justiça do Trabalho considerava essa licença como uma forma de "ócio forçado", o que levava ao entendimento de que era inaplicável à Justiça do Trabalho.
- Diante de um cenário cada vez mais globalizado, o tema tem ressurgido e a jurisprudência trabalhista divide-se em quatro blocos sobre o tema:Inaplicabilidade do Garden Leave no Brasil e, consequentemente, condenação das empresas ao pagamento de indenização por danos morais e outros valores, a depender do caso;
- Validade da cláusula de Garden Leave, mas, ao analisar as premissas fáticas do caso, o significado conferido é de non-compete, no sentido de uma obrigação pós-contratual;
- Não avaliação do instituto em si, mas somente dos pedidos feitos pelos autores: os tribunais se limitam a verificar se a empresa cumpriu com os termos do contrato celebrado. Quando identificam que houve falha no cumprimento dessas obrigações, concedem o pagamento ao empregado, sem analisar os aspectos específicos do instituto;
- Validade da cláusula de Garden Leave, a exemplo da decisão destacada a seguir.
Na ação trabalhista 0000425-80.2023.5.06.0017, o ex-empregado pediu o pagamento das multas dos arts. 467 e 477 da CLT, pois alegou que deveria ter recebido o pagamento de suas verbas rescisórias dez dias após o comunicado, mas recebeu somente um mês após a comunicação da dispensa.
A empresa alegou que o ex-empregado estava em licença remunerada, conforme previsto no termo de acordo de Garden Leave mantendo sua remuneração fixa e benefícios habituais e que o recebimento do pagamento das verbas rescisórias foi tempestivo, já que foram quitados após o período do Garden Leave.
A 17ª vara do Trabalho de Recife acolheu a tese de defesa da empresa e julgou improcedente o pedido do ex-empregado, após analisar os termos do contrato de Garden Leave. A decisão afirmou que o contrato previa a licença remunerada durante o período de trinta dias de Garden Leave, o qual estava vinculado ao cargo ocupado pelo ex-empregado e que a empresa pagou corretamente os valores rescisórios após o fim dos trinta dias.
A decisão reconheceu o instituto do Garden Leave e afirmou não se confundir com o aviso prévio indenizado, pois o Garden Leave se inicia a partir da data da comunicação da intenção de desligamento (e sua a duração dependerá do cargo ocupado pelo empregado), já o período de aviso prévio se iniciará após o fim do período de Garden Leave.
Por fim, a vara do Trabalho concluiu que não havia qualquer vício quanto à adesão do acordo e que a empresa cumpriu com todas as suas obrigações decorrentes da licença remunerada e, em contrapartida, o empregado teria se comprometido a manter sigilo de toda informação confidencial, bem como estava proibido de trabalhar na concorrência durante o período.
Portanto, a sentença analisou efetivamente o instituto do Garden Leave, pois indeferiu o pedido do ex-empregado, com base no conjunto-fático probatório em relação ao:
- Cargo do empregado;
- Período estabelecido no contrato;
- Existência de obrigação de sigilo de toda informação confidencial;
- Intenção de desligamento do empregado;
- Existência de vínculo de emprego até o final do período estabelecido;
- Permanência da remuneração do empregado durante o período;
- Existência de aviso prévio após o fim do Garden Leave.
O tema ainda é recente e há poucas decisões que, de fato, analisam a aplicação do instituto às leis brasileiras. A falta de uniformidade nas decisões judiciais contribui para confusão e insegurança jurídica sobre o tema.
Com a chegada dessas decisões aos tribunais superiores, há a possibilidade de ser formada uma base jurídica mais sólida para que as empresas considerem novas estruturas de trabalho, protegendo informações confidenciais e evitando a concorrência desleal, além, claro, de se valerem de estruturas pós-contratuais específicas.
Isso pode abrir caminhos para práticas mais modernas e eficazes na gestão de executivos durante períodos de transição de carreira.
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1 Actrol Parts Ltd v Coppi (No 2).
2 É fato conhecido, ademais, que no âmbito do Direito Comparado, muitos institutos são aplicados a altos executivos, como era o caso da reclamante, onde cláusulas contratuais são inseridas com o intuito de proteger a empresa de eventuais processos trabalhistas ou mesmo em face da concorrência mercadológica. No entanto, muitos desses institutos não são compatíveis com as normas do Direito do Trabalho Brasileiro, como a do "garden leave", comumente aplicada nos contratos estadunidenses, e aqui não utilizada. E, no caso em análise, o que se constatou, é que as reclamadas, por questões estratégicas, optaram pela demissão da reclamante, porém, percebendo que essa era peça chave na transição empresarial que estava ocorrendo na época, consubstanciada na aquisição da Altiseg pelo grupo das reclamadas, decidiram que ela deveria seguir inserida, de algum modo, nas atividades empresárias, mas antevendo o risco de sofrerem um processo como o presente, firmaram o Termo de Quitação com a reclamante, em simulação de uma relação autônoma. Entretanto, na seara jus trabalhista pátria, prevalece o contrato realidade e, nesse diapasão, a prova dos autos caminhou para a prevalência do vínculo empregatício. Destarte, sopesada a prova contida nos autos, de concluir-se que, entre reclamante e reclamadas, existiu, de fato, uma relação jurídica de cunho empregatício. (TRT-2. 10ª Turma. Processo 1001518-84.2017.5.02.0081. Relatora desembargadora Sonia Aparecida Gindro. Publicado em: 29/9/2021).

Rafael de Filippis
Sócio do escritório Mattos Filho.

Renata Ziebarth
Advogada do escritório Mattos Filho.

Giovanna Corrêa
Advogada do escritório Mattos Filho.