MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. Prontuário: Médico tem direito de acesso para sua defesa?

Prontuário: Médico tem direito de acesso para sua defesa?

É comum hospitais negarem ao médico o prontuário do paciente que atendeu, mesmo com justo motivo. Isso viola o direito à defesa e interpreta de forma errada o dever de sigilo.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Atualizado às 11:13

A entrega do prontuário ao médico que esteve diretamente envolvido no atendimento do paciente - desde que de forma motivada, mediante justo motivo e com finalidade específica, como a elaboração de sua defesa - não viola o dever de sigilo profissional, conforme estabelecem os arts. 73 e 74 do CEM - Código de Ética Médica, tampouco o dever de guarda legalmente imposto ao nosocômio.

Não se trata de violação ao art. 85 do CEM, que veda o manuseio de prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional. Isso porque:

  1. O médico envolvido no atendimento está submetido ao dever de sigilo profissional (art. 74 do CEM);
  2. Caso revele indevidamente informações sigilosas, poderá responder criminalmente, nos termos do art. 154 do CP.

Dessa forma, a liberação do prontuário ao médico para fins de defesa, em processo judicial ou ético, está autorizada com base no justo motivo, nos termos do próprio Código de Ética Médica:

Art. 89 do CEM: Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, exceto para atender a ordem judicial ou para sua própria defesa, assim como quando autorizado por escrito pelo paciente.

§1º Quando requisitado judicialmente, o prontuário será encaminhado ao juízo requisitante.

§2º Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.

A resolução CFM 1.605/00, em seu art. 7º, também reforça esse entendimento:

Art. 7º: Para sua defesa judicial, o médico poderá apresentar a ficha ou prontuário médico à autoridade competente, solicitando que a matéria seja mantida em segredo de justiça.

Embora o sigilo seja regra, inclusive respaldado por fundamentos éticos e pelo juramento de Hipócrates, esse dever não é absoluto: deve ceder diante de justa causa, como a defesa legítima do médico. A negativa infundada por parte do hospital - mesmo diante da demonstração clara do justo motivo - mais revela desconhecimento jurídico do que proteção efetiva ao sigilo.

Ao negar o acesso ao prontuário, o nosocômio pode, na verdade, violar direitos fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa, constitucionalmente assegurados. Se a negativa resultar em prejuízo à defesa do médico, inclusive, pode gerar responsabilidade civil pela omissão indevida.

Além disso, a recusa injustificada pode expor o diretor técnico a processo administrativo junto ao Conselho Regional de Medicina, por infração ao CEM:

Art. 18 do CEM: É vedado ao médico desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.

O próprio art. 73 do CEM, combinado ao artigo 89, autoriza a revelação de informações médicas em casos de justo motivo:

Art. 73: Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

Art. 89: Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, exceto para atender a ordem judicial ou para sua própria defesa...

Esse entendimento é reforçado pelos seguintes pareceres:

  • CREMESP 88.516/17 - Consulta sobre a negativa de entrega do prontuário ao médico para fins de defesa;
  • CRM-DF - Consulta 60/17 - Uso de prontuário de menor de idade em defesa médica.

Conclusão

É legítima e legal a entrega, pelo nosocômio, de cópia do prontuário do paciente ao médico envolvido no atendimento, desde que comprovado o justo motivo e com a finalidade exclusiva de apresentação de defesa em processo judicial ou administrativo, sem necessidade de autorização do paciente. Tal conduta não viola o sigilo médico, nos termos dos arts. 73, 74 e 89 do CEM, e da resolução CFM 1.605/00.

Por cautela, recomenda-se que o hospital:

  • Exija requerimento por escrito do médico solicitante;
  • O pedido deve indicar o número do processo judicial ou administrativo;
  • O médico deve assinar recibo, comprometendo-se a manter o sigilo e utilizar as informações apenas para a finalidade específica declarada.
Alex Leandro da Silva

VIP Alex Leandro da Silva

Adv. especialista em Direito Médico (USP). Membro da Comissão de Direito Médico da OAB 12ª Subseção RP. Atuo na Defesa Judicial, CRM - Sindicância e Proc. Ético. Fundador do escritório ALSA Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca