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PDL 89/23: Um retrocesso institucional, jurídico e civilizatório

Artigo critica o PDL 89/23 por atacar a resolução do CNJ sobre julgamento com perspectiva de gênero, apontando retrocesso institucional, jurídico e violação a direitos fundamentais.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Atualizado às 11:24

Foi apresentado em março de 2023, pela deputada federal Chris Tonietto (PL/RJ), o PDL 89/23, com o objetivo de sustar integralmente os efeitos da resolução CNJ 492/23. Tal resolução institui diretrizes obrigatórias para julgamentos com perspectiva de gênero no Poder Judiciário, exigindo capacitação de magistrados e a criação de comitês voltados à igualdade de gênero e à promoção da participação feminina nas estruturas judiciais.

A proposta do PDL é um acinte não apenas ao compromisso institucional do Brasil com os direitos humanos, mas também uma afronta direta à Constituição Federal. Em verdade, trata-se de um ataque articulado à democracia e à igualdade substancial promovido por setores da extrema direita brasileira - hoje abrigados majoritariamente no PL - Partido Liberal, o mesmo da autora da proposição.

A resolução 492/23 e o seu valor constitucional

A resolução 492 do CNJ dá concretude ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (instituído pela portaria CNJ 27/21), fruto de anos de trabalho técnico multidisciplinar com participação de magistradas, pesquisadoras e organizações civis. Ela não cria direitos ex nihilo, tampouco institui "obrigações arbitrárias", como alega a justificativa do PDL, mas cumpre com exatidão os mandamentos constitucionais de igualdade material (art. 5º, caput e incisos) e da promoção dos direitos humanos e fundamentais (art. 1º, III e art. 3º, IV da CF/88).

Aliás, o próprio STF tem se manifestado reiteradamente sobre a necessidade de considerar contextos de desigualdade na interpretação e aplicação do direito, conforme se vê em decisões paradigmáticas sobre violência de gênero, igualdade salarial, autodeterminação de identidade de gênero, entre outras.

A tentativa de "sustar o progresso"

A justificativa do PDL 89/23 baseia-se em uma leitura distorcida e regressiva da Constituição. Argumenta que o CNJ teria usurpado competência do STF ao exigir capacitações com base em uma suposta "ideologia de gênero". Não se trata aqui de uma questão técnica ou jurídico-formal, mas de um claro viés ideológico: o projeto escancara o objetivo político de barrar avanços civilizatórios em matéria de direitos das mulheres e de grupos vulneráveis.

A argumentação de que a palavra "gênero" não se encontra na Constituição é, além de juridicamente irrelevante, intelectualmente desonesta. O direito constitucional brasileiro - como o internacional - evolui com base em princípios e valores interpretados à luz dos direitos humanos, tratados internacionais (como a Convenção CEDAW, de 1979, ratificada pelo Brasil) e da jurisprudência nacional.

Um ataque às instituições e à independência judicial

Ao tentar impedir a formação adequada de magistrados para julgarem com sensibilidade às desigualdades de gênero, o PDL atenta diretamente contra a qualidade da jurisdição e, portanto, contra o direito fundamental de acesso à justiça em sua plenitude (art. 5º, XXXV, CF). O Judiciário não deve ser um reprodutor cego de normas abstratas, mas um agente ativo na concretização dos direitos fundamentais - especialmente em um país com graves índices de violência contra a mulher, feminicídio e desigualdade estrutural.

A motivação política do retrocesso

Não é coincidência que o PDL seja encampado por parlamentares de um partido cuja atuação tem sido marcada pela hostilidade às pautas de igualdade, diversidade e justiça social. A proposta visa transformar a regressão social em plataforma política. Trata-se, portanto, de um movimento de reação - em sentido técnico e histórico - contra os avanços obtidos a duras penas por mulheres e por setores progressistas do direito.

Conclusão

O PDL 89/23 não apenas deve ser rejeitado, mas deve servir como alerta. Trata-se de uma investida autoritária contra a institucionalidade democrática, disfarçada sob o manto de uma pretensa legalidade. Cabe à sociedade civil, às entidades da magistratura, à academia jurídica e a todos os defensores do Estado de Direito se posicionarem firmemente contra esse tipo de proposta - que representa, em essência, um retrocesso jurídico, político e moral.

Meire de Andrade Alves

VIP Meire de Andrade Alves

Advogada formada pela FMU com mais de 20 anos de experiência, sendo 10 anos na iniciativa privada e 10 anos no serviço público. Pós Graduada.

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