Férias na praia? Fique esperto com a venda de cotas imobiliárias
A febre da multipropriedade tem causado incômodo em pontos turísticos e preocupação no meio jurídico, com contratos repletos de abusividades e alto volume de ações na Justiça.
segunda-feira, 21 de julho de 2025
Atualizado às 16:03
Nos últimos anos, sobretudo após a entrada em vigor da lei 13.777/18, que regulamentou a multipropriedade imobiliária no Brasil, temos acompanhado uma verdadeira onda de crescimento desse modelo de negócio. A promessa é tentadora: adquirir uma fração de um imóvel de alto padrão, localizado em pontos turísticos estratégicos, com direito ao uso durante determinados períodos do ano. Mas a realidade contratual, infelizmente, tem se revelado bem distinta da narrativa apresentada nas vendas.
Não são raras as queixas de turistas que, ao visitarem o litoral brasileiro, mal conseguem aproveitar a viagem devido à insistência abusiva de vendedores de cotas imobiliárias. As abordagens são invasivas, constantes e, muitas vezes, se iniciam com convites para "sorteios" ou "palestras promocionais", que acabam sendo verdadeiras armadilhas emocionais.
Essas vendas, via de regra, são amparadas por promessas altamente sedutoras, muitas das quais não se concretizam. Entre as mais comuns está a ideia de que o imóvel adquirido "vai se valorizar com o tempo" ou que "a própria locação paga as parcelas do contrato". Em alguns casos, é prometido até que a empresa irá "comprar sua cota de volta com lucro" após alguns anos. Outro apelo recorrente é o de que o comprador terá acesso vitalício à "rede de hotéis" do empreendimento, podendo usufruir de unidades em diversas localidades.
No entanto, na prática, o acesso a essas redes é limitado, depende de disponibilidade e envolve taxas adicionais. Essas estratégias visam criar um senso de urgência e vantagem financeira imediata, mas ocultam os riscos jurídicos e financeiros que recaem sobre o consumidor a longo prazo.
O que muitos não percebem é que esses contratos, na sua grande maioria, contêm cláusulas abusivas e verdadeiras armadilhas contratuais, que só são percebidas após a assinatura - quando o consumidor tenta exercer seus direitos e se depara com restrições, cobranças inesperadas e dificuldades de uso. É nesse momento que se revela o desequilíbrio da relação, marcada por condições que favorecem exclusivamente a empresa vendedora, em flagrante desrespeito aos princípios do CDC.
Sob o ponto de vista jurídico, esse tipo de venda tem gerado um volume alarmante de litígios. É crescente o número de ações judiciais movidas por consumidores que buscam anular esses contratos ou, ao menos, revisar suas cláusulas. Os principais fundamentos envolvem vício de consentimento, ausência de informação adequada, cláusulas abusivas e desequilíbrio contratual. Tribunais por todo o país já têm reconhecido, por exemplo, que a retenção de mais de 10% dos valores pagos é abusiva, bem como a cobrança de taxas disfarçadas e a omissão do direito de arrependimento previsto no CDC.
Essas relações têm gerado um aumento de ações no Poder Judiciário, especialmente nas comarcas que concentram empreendimentos desse tipo. São centenas - em alguns casos, milhares - de ações ajuizadas contra os mesmos grupos empresariais, que repetem padrões contratuais e condutas comerciais prejudiciais ao consumidor.
Entre os empreendimentos mais citados nas ações judiciais estão grandes nomes do setor turístico e imobiliário, como GAV Resort, Beach Park Vacation Club, Salinas Premium Resort e Gramado Parks. Em muitos desses casos, os consumidores relatam que, ao tentarem cancelar o contrato - muitas vezes poucos dias após a assinatura -, são surpreendidos com multas exorbitantes que ultrapassam 30% ou até 50% do valor total do contrato, mesmo sem sequer terem utilizado os serviços. Além disso, algumas empresas ainda impõem cobranças sob o pretexto de "taxa de administração", "taxa de fruição" ou encargos operacionais que sequer foram devidamente explicados no momento da venda. O padrão se repete: contratos complexos, redigidos de forma técnica e com cláusulas que favorecem exclusivamente a empresa, deixando o consumidor em desvantagem contratual e sem alternativa, senão buscar o Judiciário.
Minha recomendação, como advogado, é clara: todo cuidado é pouco.
Antes de aderir a qualquer proposta, principalmente durante viagens de lazer, evite decisões impulsivas. Não assine contratos sob pressão, busque orientação jurídica e desconfie de promessas genéricas e sedutoras. A multipropriedade pode até representar uma oportunidade legítima em alguns contextos, mas o que temos visto na prática é a massificação de um modelo que frequentemente ignora os limites legais e coloca o consumidor em posição de extrema vulnerabilidade.