Direitos do passageiro aéreo no Brasil
Um guia completo para viajantes e profissionais do Direito com base nas resoluções da ANAC 400/16 e 280/13.
sexta-feira, 18 de julho de 2025
Atualizado às 10:05
Parte 1 - Direitos do passageiro previstos na resolução da ANAC 400/16
Introdução
O transporte aéreo, em sua essência, é um contrato de prestação de serviços que envolve complexas relações entre consumidores e prestadores. No Brasil, a ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil desempenha um papel crucial na regulamentação desse setor, buscando equilibrar os interesses das empresas aéreas e, fundamentalmente, salvaguardar os direitos dos passageiros.
A resolução ANAC 400, de 13/12/16, representa um marco normativo nesse cenário, ao estabelecer as condições gerais de transporte aéreo e detalhar as obrigações e responsabilidades das companhias aéreas, bem como os direitos e deveres dos usuários do serviço.
Este e-book, elaborado sob a perspectiva de um advogado especializado em Direito do Consumidor e do Passageiro Aéreo, tem como objetivo esclarecer as regras das resoluções 400/16 e 280/13, ambas editadas pela ANAC, apresentando, de forma clara e acessível, os principais direitos dos passageiros em diversas situações, desde o momento da compra da passagem até eventuais intercorrências durante e depois da viagem. A compreensão aprofundada dessas normas é essencial para que o passageiro possa exercer plenamente sua cidadania e buscar a reparação de seus direitos quando necessário.
Além da análise detalhada das referidas resoluções da ANAC, este guia incorpora informações complementares e atualizações relevantes, incluindo aspectos relacionados à acessibilidade e assistência especial, conforme previsto na resolução 280/13 da ANAC, que, embora anterior, complementa e é referenciada pela norma principal em diversos pontos.
A sinergia entre essas regulamentações oferece um panorama completo da proteção jurídica conferida ao passageiro aéreo no Brasil.
1. Antes da viagem: Oferta, compra e informações essenciais
1.1. Oferta do serviço e transparência de preços
A resolução 400/16 da ANAC estabelece diretrizes claras para a oferta de serviços de transporte aéreo, visando garantir a transparência e a lealdade nas relações de consumo. O transportador aéreo possui a prerrogativa de determinar o preço de seus serviços e as regras aplicáveis, desde que estas sejam informadas de maneira clara e de fácil compreensão nos locais de venda, sejam eles físicos ou eletrônicos, como sites oficiais, redes sociais, WhatsApp etc. (art. 2º).
Um ponto de suma importância é a obrigatoriedade de apresentação do valor total da passagem aérea a ser pago pelo consumidor, incluindo o valor dos serviços de transporte aéreo, tarifas aeroportuárias e valores devidos a entes governamentais (art. 4º, § 1º). Eventuais serviços opcionais, como a escolha de assento ou bagagem despachada, somente podem ser cobrados, se solicitados ativamente pelo consumidor (regra opt-in), sendo vedada qualquer cobrança por serviço ou produto opcional que não tenha sido expressamente solicitado (art. 4º, § 2º e art. 5º, § 2º).
Adicionalmente, antes da efetivação do pagamento, o transportador deve fornecer ao usuário informações cruciais, tais como o valor total em moeda nacional com discriminação dos itens, regras de no-show, remarcação e reembolso (com suas multas), tempo de conexão, regras e valores de transporte de bagagem, e a indicação das empresas aéreas que realizarão o transporte em casos de voo compartilhado (art. 5º).
Tais informações devem ser disponibilizadas em língua portuguesa, de maneira clara e objetiva (art. 5º, § 3º).
1.2. Comprovante de passagem aérea e correção de nome
Após a aquisição do bilhete, o passageiro tem direito a receber um comprovante da passagem aérea, em meio físico ou eletrônico, contendo informações essenciais como nome completo do passageiro, horário e data do voo, procedimento e horário de embarque, produtos e serviços adquiridos, e o prazo de validade da passagem (art. 6º). Para passagens sem data pré-definida, o prazo de validade é de 1 ano a partir da emissão (art. 7º).
Um direito fundamental - e muitas vezes desconhecido - é a correção de erro no preenchimento do nome, sobrenome ou agnome do passageiro. O transportador deve realizar essa correção sem ônus para o passageiro, desde que a solicitação seja feita até o momento do check-in (art. 8º).
ATENÇÃO! Excepcionalmente, em voos internacionais que envolvam operadores diferentes (interline), os custos da correção podem ser repassados ao passageiro, salvo se o erro for imputado ao próprio transportador (art. 8º, §§ 2º e 3º). É crucial ressaltar que a correção do nome não altera o caráter pessoal e intransferível da passagem aérea (art. 8º, § 4º).
1.3. Alteração e resilição do contrato pelo passageiro: O direito de arrependimento
A resolução 400/16 da ANAC também regula as condições para alteração e resilição do contrato de transporte aéreo por iniciativa do passageiro.
As multas contratuais aplicadas em caso de remarcação ou reembolso não podem ultrapassar o valor dos serviços de transporte aéreo, e as tarifas aeroportuárias e valores devidos a entes governamentais não podem integrar a base de cálculo dessas multas (art. 9º).
Em caso de remarcação, o passageiro deverá pagar ou receber a variação da tarifa aeroportuária e a diferença entre o valor original dos serviços de transporte aéreo e o valor ofertado no ato da remarcação (art. 10).
Um dos direitos mais relevantes para o consumidor é o direito de arrependimento. Pela regra da ANAC, o passageiro pode desistir da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 horas a contar do recebimento do seu comprovante. Contudo, essa regra se aplica apenas a compras realizadas com antecedência igual ou superior a 7 dias em relação à data de embarque (art. 11). Este dispositivo visa proteger o consumidor em compras impulsivas ou realizadas com pouca reflexão, garantindo um período para reavaliação da decisão de compra.
Atenção! é importante destacar que o CDC traz regra mais benéfica ao passageiro, permitindo a desistência da compra da passagem no prazo de 7 dias, com base no chamado direito de arrependimento, previsto no art. 49 do CDC. Em complemento, o parágrafo único do mesmo artigo dispõe que, caso o consumidor se arrependa da compra, todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título devem ser devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
2. Durante a viagem: Alterações, atrasos, cancelamentos e assistência
2.1. Alterações contratuais por parte do transportador
A resolução 400/16 estabelece regras claras para as alterações programadas de voo realizadas pelo transportador, como mudanças de horário ou itinerário. Tais alterações devem ser informadas aos passageiros com antecedência mínima de 72 horas em relação ao horário originalmente contratado (art. 12).
Caso a informação da alteração seja prestada em prazo inferior a 72 horas, ou se a alteração do horário de partida ou chegada for superior a 30 minutos em voos domésticos ou 1 hora em voos internacionais, o passageiro tem o direito de escolher entre a reacomodação em outro voo (da própria companhia aérea em que o passageiro viajaria ou de outra companhia) ou o reembolso integral da passagem (art. 12, § 1º). Se o passageiro comparecer ao aeroporto devido à falha na prestação da informação, o transportador deverá oferecer assistência material, além das alternativas de reacomodação, reembolso integral ou execução do serviço por outra modalidade de transporte (art. 12, § 2º).
2.2. Atraso, cancelamento, interrupção do serviço e preterição (overbooking)
Situações de atraso, cancelamento, interrupção do serviço ou preterição (overbooking) são, infelizmente, ocorrências comuns no transporte aéreo. A resolução 400/16 detalha as obrigações do transportador nessas circunstâncias.
O transportador deve informar imediatamente o passageiro sobre o atraso (com a nova previsão de partida) ou o cancelamento/interrupção do serviço (art. 20). Em caso de atraso, o passageiro deve ser mantido informado a cada 30 minutos (art. 20, § 1º). A informação sobre o motivo do atraso, cancelamento, interrupção ou preterição deve ser fornecida por escrito pela companhia aérea, quando solicitada pelo passageiro (art. 20, § 2º).
Em caso de atraso superior a 4 horas, cancelamento, interrupção do serviço, preterição ou perda de voo subsequente por culpa do transportador, o passageiro tem direito a escolher entre reacomodação, reembolso ou execução do serviço por outra modalidade de transporte (art. 21).
A preterição ocorre quando o transportador deixa de transportar passageiro que se apresentou para embarque em voo originalmente contratado (art. 22). Nesses casos, o transportador deve buscar voluntários para serem reacomodados, mediante compensação negociada (art. 23). Se não houver voluntários, o transportador deve efetuar, imediatamente, o pagamento de compensação financeira ao passageiro preterido: 250 DES - Direitos Especiais de Saque para voos domésticos e 500 DES para voos internacionais, podendo ser por transferência bancária, voucher ou em espécie (art. 24).
2.3. Assistência material
A assistência material é um direito fundamental do passageiro em situações de atraso, cancelamento, interrupção do serviço ou preterição (art. 26). Essa assistência deve ser oferecida gratuitamente pelo transportador, de acordo com o tempo de espera, mesmo que os passageiros estejam a bordo da aeronave com portas abertas (art. 27).
Os níveis de assistência são:
- Superior a 1 hora: Facilidades de comunicação (acesso a telefone e internet).
- Superior a 2 horas: Alimentação adequada (refeição ou voucher individual).
- Superior a 4 horas: Serviço de hospedagem (em caso de pernoite) e traslado de ida e volta.
O transportador pode deixar de oferecer hospedagem se o passageiro residir na localidade do aeroporto de origem, garantindo o traslado (art. 27, § 1º).
ATENÇÃO! Para passageiros com PNAE - Necessidade de Assistência Especial e seus acompanhantes, a assistência de hospedagem deve ser fornecida independentemente da exigência de pernoite, salvo se puder ser substituída por acomodação em local que atenda suas necessidades e com concordância do passageiro ou acompanhante (art. 27, § 2º).
Por fim, o transportador pode deixar de oferecer assistência material se o passageiro optar pela reacomodação em voo próprio ou pelo reembolso integral (art. 27, § 3º).
2.4. Reacomodação e reembolso
A reacomodação, em caso de alteração, atraso, cancelamento, interrupção ou preterição, será gratuita e deverá ser feita, à escolha do passageiro, em voo da própria companhia aérea ou de terceiro para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em voo próprio do transportador a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro (art. 28). Os PNAEs têm prioridade na reacomodação (art. 28, parágrafo único).
O reembolso deve ser efetuado em até 7 dias a contar da solicitação do passageiro, observando os meios de pagamento utilizados na compra (art. 29). Em casos de atraso, cancelamento, interrupção ou preterição, o reembolso pode ser integral (se solicitado no aeroporto de origem, escala ou conexão, com retorno ao aeroporto de origem assegurado) ou proporcional ao trecho não utilizado (art. 30). O reembolso também pode ser feito em créditos para aquisição de passagem aérea, mediante concordância do passageiro, com livre utilização do crédito, inclusive para terceiros (art. 31).
3. Bagagem: Direitos e responsabilidades
3.1. Bagagem despachada e de mão
A resolução 400/16 trata das informações sobre bagagens, distinguindo a bagagem despachada da bagagem de mão. O transporte de bagagem despachada configura um contrato acessório, e suas regras podem sofrer restrições por motivos de segurança (art. 13). As regras para bagagem despachada devem ser uniformes para cada trecho contratado, mesmo que haja mais de um transportador (art. 13, § 2º).
Para a bagagem de mão, o transportador deve permitir uma franquia mínima de 10 quilos por passageiro, de acordo com as dimensões e quantidade de peças definidas no contrato (art. 14). A bagagem de mão é aquela transportada na cabine, sob responsabilidade do passageiro (art. 14, § 1º). O transportador pode restringir peso e conteúdo por segurança ou capacidade da aeronave (art. 14, § 2º).
É importante que o transportador informe quais bagagens serão submetidas a procedimentos especiais de despacho (art. 15). Bagagens que não se enquadrarem nas regras podem ser recusadas ou submetidas a contrato de transporte de carga (art. 15, § 1º). O transporte de carga e animais deve seguir regime de contratação e despacho próprios (art. 15, § 2º).
3.2. Extravio, dano ou violação de bagagem
O recebimento da bagagem despachada sem protesto presume que foi entregue em bom estado (art. 32). Contudo, em caso de extravio, o passageiro deve, de imediato, realizar o protesto junto ao transportador (art. 32, § 1º).
Os prazos para restituição de bagagem extraviada são:
- Até 7 dias para voo doméstico.
- Até 21 dias para voo internacional (podendo ser estendido para 30 dias, se justificado e informado ao passageiro) (art. 32, §§ 2º e 3º).
ATENÇÃO! É importante destacar que os prazos previstos pela resolução 400/26 da ANAC para a restituição da bagagem extraviada ao passageiro não são dispensa a companhia aérea de indenizar eventuais prejuízos causados pelo extravio.
Assim, o consumidor tem o direito de ajuizar ação judicial para que seja indenizado por danos materiais e morais, conforme o caso, se o extravio da bagagem o obrigar a realizar despesas para a aquisição de vestuário e outros itens de uso pessoal, bem como se a falta dos itens da bagagem comprometer, por exemplo, sua participação em eventos sociais, profissionais, recreativos, competições esportivas ou lhe expuser a condições climáticas nocivas à sua saúde.
Se a bagagem não for localizada no prazo, o transportador deve indenizar o passageiro em até 7 dias após o encerramento do prazo (art. 32, § 4º). Em caso de dano ou violação, a indenização deve ser paga em até 7 dias a contar do protesto (art. 32, § 5º). O valor da indenização é limitado a 1.131 DES, salvo declaração especial de valor (art. 32, § 6º).
O transportador deve ressarcir o passageiro por despesas com itens de primeira necessidade em caso de extravio de bagagem, se o passageiro estiver fora de seu domicílio. O ressarcimento deve ser feito em até 7 dias, mediante apresentação de comprovantes, com limites de 100 DES para voo doméstico e 200 DES para voo internacional (art. 34).
4. Canais de atendimento e disposições finais
4.1. Canais de atendimento ao passageiro
A resolução 400/16 impõe aos transportadores aéreos a manutenção de canais de atendimento eficazes para os passageiros (art. 35, 36, 37, 38). São eles:
- Atendimento eletrônico: Para reclamações, informações, alteração de contrato e reembolso, disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana. O recebimento da manifestação deve ser confirmado em até 24 horas, e a resposta deve ser dada em até 5 dias (art. 35).
- Atendimento presencial no aeroporto: Para assuntos relacionados à execução do contrato de transporte, ininterrupto, desde 2 horas antes do voo até seu encerramento (art. 36).
- Atendimento telefônico: Para reclamações, informações, alteração de contrato e reembolso, disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana (art. 37).
- Atendimento para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida: Conforme regulamentação específica (art. 38).
4.2. Disposições finais e recomendações
A resolução 400/16 também prevê que o transportador deve informar ao passageiro, no momento da compra, sobre a possibilidade de contratação de seguro de viagem com cobertura para atrasos, cancelamentos, interrupção do serviço e extravio de bagagem (art. 39 e 40).
É fundamental que o passageiro esteja ciente de seus direitos e deveres para garantir uma experiência de viagem mais tranquila e segura. Em caso de violação de direitos, é recomendável buscar primeiramente os canais de atendimento da companhia aérea ou do aeroporto. Se a questão não for resolvida, o passageiro pode recorrer à ANAC (telefone 163), ao Disque 100 (Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos), aos órgãos de defesa do consumidor (Procon, plataforma www.consumidor.gov.br ou outros serviços de defesa do consumidor disponíveis), ao Poder Judiciário ou ao Conade - Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, conforme o caso.
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