Lei geral de licenciamento ambiental: Aspectos iniciais
Há uma tendência em desburocratizar o procedimento de licenciamento ambiental e, nesse ponto, sobreleva-se o questionamento: como garantir a proteção ao meio ambiente e evitar o retrocesso ambiental?
segunda-feira, 21 de julho de 2025
Atualizado às 15:56
O licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, de acordo com a resolução Conama 237/1997.
Em termos gerais, a resolução Conama 237/1997 dispõe acerca dos critérios para obtenção de licenciamento ambiental e, eventualmente, a revisão ou complementação de requerimentos, conjuntamente cerca de 27.000 outras normas - conforme destacado pela senadora Tereza Cristina, relatora do PL 2.159/21.
Atualmente, são previstas 3 categorias de licenças ambientais: licença prévia, licença de instalação e licença de operação. Muito embora sejam adquiridas em momentos distintos da consecução do empreendimento, tais licenças são interdependentes e demandam, ainda, a realização de EIA - Estudo de Impacto Ambiental, posteriormente transformado em RIMA - Relatório de Impacto Ambiental, apto à publicação para o entendimento geral.
A despeito das 3 categorias básicas de licenças ambientais, no limite de sua competência concorrente para legislar acerca de normas ambientais, à luz da LC 140/01, cada Estado possui discricionariedade para incluir ao rol outras modalidades de licenciamento e demais exigências para concessão de licença.
Foi em meio a esse cenário que foi dado início à tramitação de projeto de lei que tem como escopo a uniformização das normas relativas ao licenciamento ambiental, almejando maior segurança jurídica aos empreendedores. Tal projeto, numerado de 2.159/21, teve sua aprovação na casa do Senado Federal, no último dia 21 de maio de 2025, por 54 votos favoráveis e 13 contrários, após mais de 20 anos de discussão.
A iniciativa mostra-se de grande importância pelos reflexos capazes de gerar no setor econômico. Nesse ponto, cabe ressaltar que, de acordo com uma consulta sobre o Licenciamento Ambiental, elaborada pela CNI - Confederação Nacional de Indústria, 95,4% do setor empresarial identifica o licenciamento ambiental como importante para a conservação do meio ambiente, mas 55,2% dos entrevistados consideram que, da forma como é feito hoje, o procedimento não garante proteção ao meio ambiente.
Dentre os arguidos, 47,5% destacaram, ainda, que o licenciamento ambiental, atualmente, impacta negativamente a atração de investimentos e, para 56,3% dos entrevistados, o licenciamento ambiental atrasa o desenvolvimento nas respectivas regiões.
Nesta oportunidade, iremos nos ater às concepções preliminares do projeto, traçando breves comentários, tendo em vista decisões pretéritas do STF e o entendimento sedimentado pela doutrina pátria.
Em seu artigo preliminar, a matriz legislativa destaca aplicar-se, sob a forma de norma geral, ao licenciamento de atividade ou empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz de causar degradação ao meio ambiente.
À partida, tal disposição causa estranhamento, uma vez que destaca a aplicação das normas apenas àqueles empreendimentos que causem efeitos negativos ao meio ambiente, quando, em verdade, a premissa de modificação do ambiente, para fins de licenciamento, deve abarcar quaisquer alterações, sejam elas positivas ou negativas.
Já neste ponto nota-se uma diferenciação com relação à resolução Conama 1/1986, segundo a qual o conceito de impacto ambiental abrange qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, que afetem (i) a saúde, a segurança e o bem estar da população; (ii) as atividades sociais e econômicas, a biota; (iii) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e (iv) a qualidade dos recursos ambientais.
Com fundamento no conceito elaborado pela susomencionada resolução, algumas discussões foram erigidas, conforme bem denotado por Jamile de Lima Santos, que destaca que para Sánchez (2013) seria equivocada a ideia de que o impacto seria exclusivamente negativo, devendo ser observado como qualquer alteração no meio ambiente provocada pela ação humana, cujo resultado poderia ser benéfico ou adverso.
A definição de impacto ambiental trazida pela norma ISO 14001:2004 seria mais bem acertada, portanto:
"Qualquer mudança no ambiente, quer adversa ou benéfica, inteira ou parcialmente resultante das atividades, produtos ou serviços de uma organização."
Nota-se, desde logo, a intenção do PL em limitar o recrudescimento das normas protetivas ao meio ambiente e tornar o procedimento de licenciamento ambiental menos moroso e burocrático, incidindo sobre um número específico de empreendimentos, isto é, sendo dispensável para uma série de atividades.
Dando continuidade ao intento regularizador de norma de caráter geral, o §1º do art. 1º menciona que as disposições da lei se aplicarão ao licenciamento ambiental realizado perante os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios integrantes do SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente, observadas as normas da LC 140/01.
Tal previsão merece, igualmente, atenção. Em que pese a previsão de garantia de proteção às normas de competência estabelecidas pela LC 140/01, o projeto pode ultrapassar barreiras importantes, somente observadas casuisticamente, em cada localidade e tendo em vista suas próprias peculiaridades.
Dito de outra forma, pode ser que, em determinada localidade, seja razoável a concessão de licença simplificada ou mesmo dispensa de realização de Estudo de Impacto Ambiental, mas, em outra, o mesmo não se possa conceber, tendo em vista a peculiaridade local. Como garantir que não haverá tratamento diferenciado entre os Estados? E mais, como evitar eventual concorrência ambiental por empreendimentos e atração de investimentos?
É louvável, contudo, o interesse do PL em prever a participação popular, a transparência de informações, o fortalecimento das relações interinstitucionais e dos instrumentos de mediação e conciliação, a eficácia, a eficiência e a efetividade da gestão dos impactos decorrentes das atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais e a cooperação entre entes federados. Questiona-se, no entanto, como isso se perfectibilizará na realidade, tendo em consideração as diferenças regionais e particularidades no território brasileiro? E mais: como definir se o empreendimento é elegível como potencialmente causador de danos, a ponto de merecer audiência pública?
Soma-se às inovações a dispensa de licenciamento ambiental para algumas atividades, como obras e serviços públicos de distribuição de energia elétrica de até 138 kW, realizadas em área urbana ou rural; rodovias anteriormente pavimentadas; sistemas e estações de tratamento de água e esgoto; atividades agropecuárias, desde que as empresas atendam às normas contidas no Novo Código Florestal e não representem ameaça à vegetação nativa; e obras emergenciais ou que sejam realizadas em estado de calamidade pública.
Um tema sensível também foi alvo de modificação: a dispensa de licenciamento, agora, se dará não apenas para atividades ou empreendimentos de baixo impacto ambiental, mas também para aqueles de médio impacto.
De par com tal intento modernizador e em atenção à celeridade, o Projeto prevê, ainda, outras espécies de licença, como a (i) licença ambiental única; (ii) licença por adesão e compromisso; (iii) licença por operação corretiva; e a (iii) licença ambiental especial.
Em breve síntese, a LAU - Licença Ambiental Única será concedida em uma única etapa, atestando a viabilidade da instalação, ampliação e operação da atividade ou empreendimento.
De sua vez, a LAC - Licença Ambiental por Adesão e Compromisso atestará a viabilidade da operação, mediante declaração de adesão e compromisso do empreendedor com os requisitos preestabelecidos pela autoridade licenciadora.
Doutra banda, a Licença de Operação Corretiva (LOC) será emitida com o objetivo de regularizar a atividade ou empreendimento que esteja operando sem licença ambiental, por meio da fixação de condicionantes que viabilizam sua continuidade em conformidade com as normas ambientais.
Por fim, a Licença Ambiental Especial, fruto de emenda proposta pelo Presidente do Senado, Davi Alcolumbre, se prestará a licenciar atividade ou empreendimento estratégico, ainda que utilizador de recursos ambientais, cumpridos requisitos que deverão ser definidos em decreto, por proposta bianual do Conselho de Governo.
Como se vê, há uma tendência em desburocratizar o procedimento de licenciamento ambiental e, nesse ponto, sobreleva-se o questionamento: como garantir a proteção ao meio ambiente e evitar o retrocesso ambiental?
Em decisões pretéritas, o STF já delimitou que o Estado poderia legislar acerca da licença simplificada ou dispensa de licenciamento, mas para empreendimentos de baixo impacto, como foi o caso da ADI 5014, ADI 6650, ADI 6672 e na ADI 4529, em que a min. Rosa Weber destacou que:
A atuação normativa estadual flexibilizadora caracteriza violação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e afronta a obrigatoriedade da intervenção do Poder Público em matéria ambiental.
Há, ainda, outros exemplos de decisões das cortes superiores que consideram incompatível com os princípios de regência do Estado de Direito Ambiental vigente no Brasil a possibilidade de licença ou autorização tácita, automática ou por protocolo (REsp. 1.728.334/RJ, ADI 6808).
Uma legislação que venha renovar os parâmetros para o licenciamento ambiental deve, de antemão, estar atenta à proteção ao meio ambiente e ao princípio da vedação ao retrocesso.
O "efeito cliquet", conhecido no direito ambiental como princípio da vedação ao retrocesso é uma expressão utilizada por alpinistas e tem como significado um mecanismo de somente ser possível subir, uma vez que são utilizados equipamentos de segurança que evitam a queda. No Direito, também é uma ferramenta assecuratória, mas contra o retrocesso na proteção ambiental.
A preocupação deve ser ainda maior quando se analisa o histórico brasileiro. A título de exemplo, a Usina de São Luiz dos Tapajós teve seu processo de licenciamento arquivado, após o descumprimento de prazos para complementação de informações, notadamente a respeito da população indígena e o impacto negativo local. Ora, caso somente se levasse em conta o "impacto", sem seu aspecto negativo, poder-se-ia considerar que, hoje, tal Usina estaria em funcionamento? Quais seriam os resultados de uma possível licença ambiental que descuidasse das populações próximas, direta e indiretamente atingidas?
Não se pode olvidar a importância de iniiativas como as do projeto em análise, que tenham o escopo de mitigar os prejuízos advindos da burocracia estatal e atrair investimentos para o País. Todavia, parece-se estarmos diante de verdadeiro backlash normativo, em que o Poder Legislativo, em reação às decisões do Poder Judiciário, modifica entendimentos consolidados e, nesse caso, permite o retrocesso em matérias de importante proteção ambiental. Mas isso é tema para outra conversa!
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O controvertido projeto de lei que regulamenta o licenciamento ambiental: o dilema entre o progresso econômico e o retrocesso ambiental - Jamile de Lima Santos, monografia, UFERSA, Mossoró: 2019
O efeito "cliquet" e a proteção dos direitos inerentes à pessoa - Larissa Farias Costa Lima, Irineu Carvalho de Oliveira Soares, Rubens Antonio Andrade Costa, Solano Antonius de Sousa Santos - Revista Ciência Atual, v. 17, nº 1, Rio de Janeiro: 2021