TCU discutirá alinhamento de jurisprudência sobre prescrição com o STF
TCU debate prescrição por dano ao erário e a divergência com o STF sobre a unicidade do marco interruptivo, buscando alinhamento institucional e segurança jurídica.
segunda-feira, 28 de julho de 2025
Atualizado em 25 de julho de 2025 12:26
Na sessão plenária do dia 16 de julho de 2025, o TCU retomou os debates sobre a prescrição para fins de responsabilização por dano ao erário. A discussão ocorreu no âmbito do processo TC 003.075/2009-9, que trata de tomada de contas especial instaurada em razão de sobrepreço identificado nas obras do Canal do Sertão Alagoano.
O centro da controvérsia está na incompatibilidade entre a posição do STF - que defende a unicidade do marco interruptivo da prescrição, isto é, a prescrição somente pode ser interrompida uma única vez (art. 202 do CC) - e o entendimento do TCU, consolidado na resolução 344/22, que regulamenta a prescrição do exercício das pretensões punitiva e ressarcitória no âmbito do tribunal.
A resolução foi editada, inclusive, com o intuito de dialogar com a jurisprudência do STF, que reconheceu ser prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas (Tema 899). Contudo, ainda permaneçam divergências relevantes entre os entendimentos das duas Cortes, principalmente no tocante à possibilidade de a prescrição poder ser interrompida por um número indeterminado de vezes - tese defendida pelo TCU, e entendida pelo STF como uma chancela à tese da imprescritibilidade e "burla" ao que foi decidido no julgamento do Tema 899.
O debate foi desencadeado por manifestação do ministro Bruno Dantas, que alertou para o risco de consolidação de uma jurisprudência fragmentada sobre prescrição no TCU. Segundo ele, enquanto alguns gabinetes têm evitado pautar processos sobre a matéria, outros vêm submetendo seus entendimentos ao Plenário, o que pode levar à formação de uma "jurisprudência dominante do fato consumado" - cenário em que cada gabinete delibera de forma isolada sobre o tema.
A realização de uma sessão extraordinária dedicada ao tema foi sugerida pelo ministro, que pediu ainda que os demais ministros se abstenham de pautar casos semelhantes até que a Corte estabeleça um entendimento uniforme, em linha com o que vem decidindo o STF. O ministro Benjamin Zymler concordou com a proposta, mas ponderou ser necessário "combinar com os russos", em referência à necessidade de articulação com o STF, afirmando que a estabilização da jurisprudência não depende apenas do TCU.
O ministro Vital do Rêgo, por sua vez, pontuou que os ministros realizaram uma reunião informal na semana anterior para tratar do tema, diante do desconforto causado pela divergência com a jurisprudência do STF, em especial, as multiplicidades de marcos interruptivos e suspensivos de prescrição. Nesse sentido, ressaltou a necessidade de identificar os pontos de dissonância e buscar aproximação entre os entendimentos das duas Cortes.
Antônio Anastasia endossou as preocupações e apontou que a prescrição tem sido um "tormento" para o colegiado. Para ele, a divergência entre a resolução 344/22 do TCU, que admite múltiplos marcos interruptivos, e a linha do STF, que tende à unicidade, coloca a Corte de Contas em uma situação delicada, que deve ser enfrentada institucionalmente. Assim, propôs a suspensão temporária dos processos com maior complexidade sobre o tema, enquanto se busca uma solução pacificadora - principalmente no tocante ao aspecto singular do número de vezes que a prescrição pode ser interrompida.
O ministro Walton Alencar também pediu a palavra para alertar que, caso se adote o entendimento do STF, todos os processos de auditoria mais longos, que são levados a efeito cotidianamente na Corte de Contas, estarão prescritos. Desse modo, defendeu que o TCU leve formalmente a questão ao STF, por meio de uma comissão de ministros, com a esperança de que a Suprema Corte mude os pressupostos da aplicação dos critérios de prescrição.
A proposta foi acolhida pelo presidente Vital do Rêgo, que revelou que a consultoria jurídica da Presidência, em conjunto com o ministro Antônio Anastasia, está finalizando um estudo sobre os impactos da jurisprudência do STF nos processos da Corte de Contas. A ideia é apresentar esse material aos ministros do Supremo e, ao mesmo tempo, promover reunião entre os membros do TCU para definição institucional da matéria, de modo a tornar como referência o princípio da colegialidade.
Benjamin Zymler sugeriu que esse estudo técnico seja utilizado também como subsídio em manifestações nos processos judiciais que tramitam perante o STF. Com bom humor, afirmou que, caso a tese da unicidade prevaleça, os ministros precisarão de recursos para custear "psicoterapia e psicanálise", diante da provável prescrição de praticamente todos os processos antigos. Ele ressaltou, contudo, que não se trata de simples resistência jurídica: os casos têm densidade material elevada, o que, segundo ele, não se compatibiliza com uma solução automática baseada na unicidade do marco prescricional.
A discussão travada no Plenário do TCU revela um impasse institucional relevante e ainda sem solução definitiva. De um lado, há o imperativo de respeito à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que tem afirmado a unicidade do marco interruptivo como corolário da segurança jurídica e da limitação temporal do poder sancionador do Estado. De outro, estão os desafios operacionais e materiais enfrentados pelo TCU, que lida com processos de altíssima complexidade e longa duração.
Ao final, ficou evidente a disposição do colegiado em tratar o tema de forma coletiva e institucional, com vistas a evitar decisões isoladas e alinhar a atuação da Corte de Contas aos precedentes do STF. Apesar disso, foi ponderada a necessidade uma análise consequencialista pelo STF, tendo em vista o trabalho hercúleo feito por muito tempo com complexidade material dos processos analisados pelo TCU.
A postura adotada pelo TCU nos próximos meses será decisiva não apenas para os processos em curso, mas também para a definição dos limites da sua atuação sancionadora à luz das garantias constitucionais. O momento exige, portanto, responsabilidade institucional, clareza jurídica e, sobretudo, disposição para o diálogo com o STF, em busca de um ponto de equilíbrio entre controle e segurança jurídica.
Daniella Felix Teixeira
Advogada do Bocater Advogados e pós-graduanda em Direito Regulatório pela UERJ.
Ana Luiza Moerbeck
Mestra em Direito da Regulação na Fundação Getúlio Vargas. Professora. Advogada no Bocater Advogados.