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A invalidade da resolução 569/24 e seus impactos na contagem de prazos

A resolução 569/24 institui o DJEN como meio obrigatório de intimação, mas contraria a lei e gera insegurança na contagem de prazos processuais.

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Atualizado em 26 de agosto de 2025 11:35

Com o objetivo de padronizar as intimações decorrentes dos atos judiciais, o CNJ, alterou, através da resolução 569/241, o parágrafo 3º do art. 11 da resolução 455/222, passando a vigorar com o seguinte conteúdo:

Art. 11. O DJEN - Diário de Justiça Eletrônico Nacional, originalmente criado pela resolução CNJ no 234/16, passa a ser regulamentado pelo presente ato normativo, constitui a plataforma de editais do CNJ e o instrumento de publicação dos atos judiciais dos órgãos do Poder Judiciário.

§ 3º Nos casos em que a lei não exigir vista ou intimação pessoal, os prazos processuais serão contados a partir da publicação no DJEN, na forma do art. 224, §§ 1º e 2º, do CPC, possuindo valor meramente informacional a eventual concomitância de intimação ou comunicação por outros meios.

A referida norma instituiu o DJEN - Diário da Justiça Eletrônico Nacional como meio oficial de intimação processual. Embora a proposta encontre justificativa do ponto de vista administrativo, o seu conteúdo suscita sérios questionamentos quanto à sua validade jurídica, principalmente por caminhar em desencontro ao CPC e por extrapolar, e muito, os limites constitucionais da competência do CNJ.

O CPC3 estabelece em seus arts. 270 e 272 que as intimações devem ser realizadas, preferencialmente, por meio eletrônico, diretamente nos sistemas processuais utilizados pelos tribunais, como é o caso do Projudi no estado do Paraná.

A resolução 569, ao prever o uso obrigatório do DJEN para a publicação e intimação de atos judiciais, inclusive em processos eletrônicos com partes e advogados regularmente cadastrados, acaba por contrariar de forma direta a legislação federal vigente. A norma infralegal não pode revogar ou alterar comandos estabelecidos em lei, principalmente quando estes envolvem garantias processuais vinculadas ao contraditório e à ampla defesa.

A situação se agrava quando se observa que o CNJ, na qualidade de órgão de natureza administrativa, não possui competência constitucional para legislar sobre matéria processual. Conforme estabelece o art. 103-B, §4º, da Constituição Federal4, a atuação do CNJ está limitada à supervisão administrativa e financeira do Poder Judiciário, além da fiscalização da conduta dos magistrados. Já a competência para legislar sobre direito processual é de titularidade exclusiva da União, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição. Ao editar norma que modifica substancialmente o modo pelo qual se realizam intimações judiciais, o CNJ ultrapassa sua função regulamentar e invade campo reservado ao Poder Legislativo, violando frontalmente o princípio da separação dos poderes.5

Inclusive, a prevalência da intimação eletrônica sobre a intimação realizada pelo Diário Eletrônico é de pacífico entendimento jurisprudencial, sendo aqui válida a menção ao julgamento  dos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 1.663.952, de relatoria do ministro Raul Araújo6:

DIREITO PROCESSUAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO. DUPLICIDADE DE INTIMAÇÕES: PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO E POR PORTAL ELETRÔNICO (LEI 11.419/06, ARTS. 4º E 5º). PREVALÊNCIA DA INTIMAÇÃO PELO PORTAL ELETRÔNICO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

  1. A lei 11.419/06 - lei do processo judicial eletrônico - prevê dois tipos de intimações criados para atender à evolução do sistema de informatização dos processos judiciais. A primeira intimação, tratada no art. 4º, de caráter geral, é realizada por publicação no Diário da Justiça Eletrônico; e a segunda, referida no art. 5º, de índole especial, é feita pelo Portal Eletrônico, no qual os advogados previamente se cadastram nos sistemas eletrônicos dos Tribunais para receber a comunicação dos atos processuais.
  2. Embora não haja antinomia entre as duas formas de intimação previstas na lei, ambas aptas a ensejar a válida intimação das partes e de seus advogados, não se pode perder de vista que, caso aconteçam em duplicidade e em diferentes datas, deve ser garantida aos intimados a previsibilidade e segurança objetivas acerca de qual delas deve prevalecer, evitando-se confusão e incerteza na contagem dos prazos processuais peremptórios.
  3. Assim, há de prevalecer a intimação prevista no art. 5º da lei do processo eletrônico, à qual o § 6º do art. 5º atribui status de intimação pessoal, por ser forma especial sobre a genérica, privilegiando-se a boa-fé processual e a confiança dos operadores jurídicos nos sistemas informatizados de processo eletrônico, bem como garantindo-se a credibilidade e eficiência desses sistemas. Caso preponderasse a intimação por forma geral sobre a de feitio especial, quando aquela fosse primeiramente publicada, é evidente que o advogado cadastrado perderia o prazo para falar nos autos ou praticar o ato, pois, confiando no sistema, aguardaria aquela intimação específica posterior.
  4. Embargos de divergência conhecidos e providos, afastando-se a intempestividade do recurso especial.

Essa evidente ilegalidade não é apenas uma questão de técnica legislativa ou de hierarquia normativa; ela atinge diretamente a segurança jurídica dos jurisdicionados. A certeza quanto ao momento da intimação é elemento essencial para a contagem de prazos para o exercício do contraditório e para a validade dos atos processuais. A imposição do DJEN para além das hipóteses previstas em lei, cria risco concreto de nulidades processuais, seja por falhas na ciência dos atos, seja pela violação dos direitos das partes de serem intimadas nos meios previamente estabelecidos pelo ordenamento jurídico. O princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inciso II, da Constituição, prevê que nenhuma pessoa seja obrigada a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Isso se aplica também à forma dos atos processuais: não cabe a um órgão administrativo inovar onde a lei já dispôs com clareza.

Infelizmente, a ilegalidade normativa não é o único problema envolvendo a resolução 569/24, se faz necessário destacar as preocupantes consequências práticas decorrentes da alteração na contagem dos prazos processuais. Embora a norma infralegal estabeleça que o início do prazo ocorra a partir da publicação da intimação no DJEN, a realidade é que boa parte dos tribunais ainda não se adaptou a esse sistema, tornando comum, por exemplo, casos de intimações expedidas apenas através do sistema processual eletrônico ou ainda, intimações publicadas repetidas vezes, em datas distintas.

As intimações publicadas nas formas apontadas, vêm tornando extremamente complexo o trabalho dos advogados, especialmente daqueles que atuam com contencioso massificado, onde há grande demanda e o controle rigoroso de prazos é essencial, sendo que a incerteza do prazo inicial, bem como a pluralidade de publicações idênticas acabam por comprometer toda a organização na contagem de prazos e aumentar significativamente o risco de prejuízos processuais e aos jurisdicionados.

Conclui-se assim que, embora a resolução 569/24 tenha sido motivada por alegada preocupação com a padronização dos serviços judiciários, a previsão de intimações obrigatórias por meio do DJEN não encontra respaldo legal, seja no CPC ou na Constituição Federal, além de gerar insegurança jurídica. Isto porque impõe obrigações processuais distintas daquelas fixadas pela legislação ordinária, o CNJ atua além dos limites de sua competência, razão pela qual tal dispositivo excede a legalidade estrita. A efetividade do processo, o respeito à legalidade e à separação dos poderes impõem que as formas de intimação sejam disciplinadas por lei formal e não por ato administrativo. Além disso, a mencionada resolução compromete diretamente o tratamento seguro dos prazos processuais. A duplicidade de intimações, a incerteza quanto ao termo inicial dos prazos e a necessidade de acompanhamento simultâneo de diferentes plataformas eletrônicas resulta em riscos significativos e desnecessários aos profissionais do direito e por fim aos direitos e obrigações das pessoas.

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https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5691. Acesso realizado em 27/6/2025.

https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4509. Acesso realizado em 27/6/2025.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. 

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

5 Gionédis, Louise Rainer Pereira; Vianna, Maria Amélia Cassiana Mastrorosa. Processo Civil e Seguro Vol. II. 1ª edição. Editora Quartier Latin, 2023.

https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=earesp+1663952&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO.

Vinicius Heggler Soares da Silva

Vinicius Heggler Soares da Silva

Advogado do escritório Pereira Gionédis Advogados.

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