Ultrafarma e governança corporativa: A importância do Tone at the Top
Os escândalos de um rede de farmácias expõem falhas de governança e mostram que um programa de compliance só é eficaz quando apoiado de forma real pela alta liderança.
terça-feira, 9 de setembro de 2025
Atualizado às 15:18
Introdução
A Ultrafarma, uma das maiores redes de farmácias do Brasil, esteve no centro de dois escândalos de fraude fiscal que levantaram questões cruciais sobre a eficácia dos programas de compliance nas empresas. Esses casos evidenciam a necessidade de uma governança corporativa robusta e de práticas de compliance efetivas para prevenir e detectar atividades ilícitas.
Operação Ícaro e fraude bilionária (2021-2025)
Em agosto de 2025, Sidney Oliveira, fundador da Ultrafarma, foi preso temporariamente na Operação Ícaro, conduzida pelo Gedec - Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos do MP/SP - Ministério Público de São Paulo.
Segundo as investigações, Artur Gomes da Silva Neto, auditor fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, teria recebido propinas para fraudar e agilizar processos administrativos de ressarcimento de créditos de ICMS da Secretaria da Fazenda paulista em favor de empresas como a Ultrafarma e a Fast Shop.
De acordo com a acusação, essa prática teria permitido a liberação irregular de mais de R$ 1 bilhão em créditos de ICMS. Ainda conforme o MP/SP, os valores ilícitos teriam sido lavados por meio da empresa Smart Tax, registrada em nome da mãe do auditor, cujo patrimônio teria passado de cerca de R$ 411 mil em 2021 para aproximadamente R$ 2 bilhões em 2023.
O caso anterior: Fraude fiscal e acordo com o MP/SP (2018-2020)
Em maio de 2025, Sidney Oliveira havia firmado um ANPP - Acordo de Não Persecução Penal com o MP/SP, após investigações acerca de um suposto esquema de fraude fiscal ocorrido entre 2018 e 2020, no qual a Ultrafarma teria manipulado documentos fiscais para reduzir sua carga tributária. Dentre outras determinações, Sidney havia se comprometido a pagar R$ 31,9 milhões em multas e a implementar um programa de compliance na Ultrafarma.
Compliance e o Tone at the Top
Os casos envolvendo a Ultrafarma destacam a importância da implementação de um programa de compliance eficaz, que depende de múltiplos fatores: comprometimento da alta direção, avaliação de riscos, políticas claras de prevenção à fraude e à corrupção, treinamentos periódicos, canais de denúncia acessíveis, incentivos e medidas disciplinares, e monitoramento contínuo por meio de auditorias.
O "Tone at the Top" é decisivo para criar uma cultura organizacional ética, e não é à toa que autoridades como a CGU - Controladoria Geral da União e o DOJ - Department of Justice dos Estados Unidos listam o comprometimento da alta direção justamente como o primeiro dos pilares de um programa de compliance eficaz.
Quando dirigentes de fato assumem a responsabilidade pela integridade, dão o exemplo, fortalecem a cultura ética e garantem que políticas, auditorias e canais de denúncia sejam realmente valorizados em toda a organização.
É a partir do exemplo da alta direção que se consolida a integridade, a responsabilidade e a credibilidade necessárias para que o compliance deixe de ser mera formalidade e se torne um verdadeiro diferencial estratégico. Nenhum programa de compliance se sustenta sem o comprometimento da alta liderança.
Conclusão
Em um cenário nacional em que áreas de compliance tendem a ser cada vez mais enxutas, o caso da Ultrafarma evidencia a importância da estruturação de um programa de compliance e governança corporativa robusto, sustentado sobretudo pelo comprometimento da alta liderança.
Um programa de compliance não deve ser visto apenas como uma obrigação legal - conforme previsto no FCPA e no UK Bribery Act - ou como mera demonstração de boas práticas. Seu papel vai além da formalidade e da conformidade documental.
Implementado de forma efetiva e integrada à cultura organizacional, o compliance torna-se uma ferramenta estratégica de negócio, capaz de proteger ativos, reduzir riscos, fortalecer a confiança dos stakeholders e aumentar a competitividade em mercados globais.
Marina Stroppa
Coordenadora de Compliance de Mourão Campos Group.


