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Mudanças da reforma tributária no IPI podem impactar os custos e a competitividade no mercado de combustíveis

A reforma altera incentivos na ZFM e gera debates sobre concorrência, sustentabilidade e equilíbrio no setor de combustíveis e biocombustíveis.

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Atualizado às 07:43

A Zona Franca de Manaus, conforme decreto de lei 288, de 28/2/19671, é definida como uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento. 

A Zona Franca de Manaus tem como objetivo atrair investimentos, estimular a atividade econômica na região Norte e promover a integração territorial, estimulando o desenvolvimento de uma área historicamente caracterizada por baixos níveis de industrialização, por meio da interiorização do desenvolvimento nacional.

Nesse contexto, foram instituídos incentivos que englobam, por exemplo, benefícios fiscais aplicáveis ao IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, ao II - Imposto de Importação, ao IE - Imposto de Exportação, ao IRRF - Imposto de Renda Retido na Fonte, às Contribuições para o PIS e a Cofins, além do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação.

Tais incentivos se materializam por meio de isenções fiscais, aplicação de alíquotas zero e demais mecanismos de redução tributária, compondo um regime fiscal diferenciado que visa compensar os elevados custos logísticos e operacionais decorrentes da localização geográfica da região.

Apesar dos inúmeros benefícios fiscais concedidos às empresas que estão sediadas na Zona Franca de Manaus, desde a sua criação, as operações com petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados nunca receberam incentivos. Como exemplo, cita-se o art. 8º da lei 14.183/212, que dispõe que se excetuam da isenção fiscal, dentre outras mercadorias, os combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo, os lubrificantes e o petróleo. 

Dessa conjuntura, insere-se a reforma tributária, que promoveu mudanças estruturais na tributação sobre o consumo, substituindo os tributos Federais, estaduais e municipais por um modelo de IVA dual - Imposto sobre Valor Agregado dual, composto por dois tributos distintos (IBS e CBS). O objetivo central da reforma é ampliar a simplicidade, a transparência e a neutralidade fiscal do sistema, reduzindo distorções e desigualdades entre os contribuintes.

Portanto, uma das diretrizes centrais da reforma tributária é evitar que a tributação influencie indevidamente as decisões econômicas dos agentes, promovendo um ambiente mais neutro, eficiente e isonômico, sem a ampliação de benefícios fiscais de caráter setorial ou regional. Diante desse princípio, tornou-se necessário compatibilizá-lo com a preservação da competitividade de polos estratégicos já consolidados, como a Zona Franca de Manaus - contexto em que se definiu uma nova função para o IPI.

Por essa razão, o cronograma inicial de extinção do IPI até 2027 foi revisto, estabelecendo-se um regime especial voltado à preservação das vantagens comparativas da indústria instalada na Zona Franca de Manaus. A nova diretriz determina que a alíquota do IPI será zerada, com exceção dos bens que também sejam produzidos na própria ZFM ou nas Áreas de Livre Comércio, garantindo tratamento diferenciado e compatível com a função estratégica da região.

Em outras palavras, enquanto as indústrias situadas na ZFM continuarão a usufruir da isenção do IPI, suas concorrentes estabelecidas em outras regiões do país permanecerão sujeitas à incidência do imposto. Esse mecanismo assegura a continuidade da atratividade econômica do polo manauara, mesmo diante da transição para o novo modelo tributário nacional, reforçando o compromisso constitucional com o desenvolvimento regional equilibrado.

Contudo, conforme exposto anteriormente, até a promulgação da reforma tributária, as operações com petróleo jamais haviam sido alcançadas por regimes de desoneração. De forma inovadora, a LC 214/25, em seu art. 441, alínea "e", passou a prever um regime favorecido para a indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus, aplicável exclusivamente às saídas internas destinadas à própria área incentivada.

Desse raciocínio, surgem diversos questionamentos, especialmente quanto à possibilidade de criação de um benefício fiscal adicional, o que era vedado pela legislação anterior.

Nessa lógica, destaca-se o julgamento da ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.239 pelo STF, que busca declarar a inconstitucionalidade da exclusão de benefícios fiscais para petróleo e derivados na Zona Franca de Manaus, previsto no art. 8º da lei 14.183/21. 

No julgamento, prevaleceu o entendimento pela validade da norma. Segundo a maioria dos ministros, o dispositivo impugnado apenas reproduziu exceções já previstas no ordenamento jurídico aplicável à Zona Franca de Manaus, reafirmando o tratamento fiscal diferenciado historicamente conferido à região.

Todavia, mesmo diante da consolidação do entendimento pela validade da norma na ADIn 7.239, como visto, a reforma tributária, por meio da alínea "e", do art. 441, da LC 214/25, garantiu à indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus, em relação exclusivamente às saídas internas para aquela área incentivada, o regime favorecido da Zona Franca de Manaus. 

Diante da garantia do regime favorecido à  indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus, surgiram questionamentos quanto à constitucionalidade de eventual ampliação do benefício.

Como exemplo, cita-se o posicionamento de Ricardo Lodi Ribeiro3, professor associado de direito financeiro da UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o qual aponta que a concessão de benefícios fiscais à indústria de refino de petróleo na Zona Franca de Manaus configura uma possível violação ao princípio da livre concorrência, valor estruturante da ordem econômica previsto na CF/88. 

Segundo sua análise, a concessão de incentivos a apenas uma parcela dos agentes econômicos em um setor marcado por margens de lucro estreitas tende a desequilibrar o mercado, favorecendo artificialmente alguns competidores em detrimento de outros, e adiciona que, justamente para evitar um tratamento desigual nesse setor tão sensível ao impacto da tributação nos preços, existia essa exclusão do setor do petróleo dos efeitos da Zona Franca de Manaus. 

Nesse contexto, tanto o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP)4 quanto a Federação Única dos Petroleiros (FUP)5 se manifestaram de forma contrária à medida, reforçando a percepção de que a inclusão da exceção poderia gerar riscos sistêmicos à competição e à neutralidade tributária. Para o IBP, a medida viola frontalmente os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa, uma vez que cria um tratamento fiscal diferenciado dentro de um mesmo mercado relevante, em que empresas disputam diretamente os mesmos consumidores. Tal distorção, segundo a entidade, não apenas gera um desequilíbrio artificial, mas também coloca em xeque a previsibilidade regulatória, essencial para atrair investimentos de longo prazo em um setor já marcado por margens reduzidas e forte carga tributária.

Já a FUP acrescenta que a alteração introduzida pela LC 214/25 não apenas compromete a isonomia concorrencial, mas também pode fragilizar a estrutura produtiva do setor como um todo. Para a entidade sindical, ao concentrar benefícios em apenas uma refinaria de petróleo, localizada na Zona Franca de Manaus, o regime fiscal diferenciado tende a reduzir a diversidade de agentes econômicos e a dificultar a manutenção de empregos, especialmente em regiões onde a atividade petrolífera já enfrenta maiores desafios logísticos e financeiros. Nesse sentido, o benefício isolado, em vez de estimular o fortalecimento do setor, pode acentuar desigualdades regionais, inibir novos investimentos e comprometer a coesão do mercado nacional de combustíveis.

Assim, esse tipo de assimetria tributária, ao privilegiar uma minoria com tratamento fiscal mais favorável, pode induzir à concentração de mercado e à formação de monopólios ou oligopólios, com reflexos que extrapolam a dimensão local e se alastram pelo cenário nacional. Trata-se, portanto, de uma possível distorção competitiva, que compromete a isonomia entre os agentes e promove uma competição desleal com as refinarias localizadas em outras regiões do país, contrariando os objetivos centrais da reforma tributária, como a neutralidade e a uniformidade na tributação do consumo.

Tal situação pode gerar ainda um agravante adicional, na medida em que o benefício fiscal concedido à indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus pode provocar um desequilíbrio concorrencial em relação aos produtores e comerciantes de álcool hidratado (etanol). Isso ocorre porque, ao reduzir artificialmente o custo de produção da gasolina em razão da desoneração fiscal, torna-se mais difícil para o setor de biocombustíveis manter um preço competitivo no mercado, prejudicando a dinâmica natural de concorrência.

Essa modificação é particularmente preocupante porque os projetos de sustentabilidade, como aqueles relacionados à produção de etanol e outras fontes renováveis de energia, já enfrentam altos níveis de dificuldade de implementação. Trata-se de um setor que exige elevados investimentos em tecnologia, logística e infraestrutura, além de enfrentar forte oscilação de preços e restrições de mercado. Qualquer distorção tributária tem potencial de ampliar ainda mais essas barreiras estruturais.

Além disso, é importante destacar que o setor de biocombustíveis é extremamente sensível às condições de concorrência, uma vez que já compete com a indústria do petróleo, cujos custos tendem a ser menores em função de economias de escala e de um mercado consolidado. Ao conceder benefícios adicionais a uma refinaria de petróleo, cria-se um desequilíbrio ainda maior, que pode comprometer a viabilidade econômica de inúmeros projetos de energia renovável e, por consequência, reduzir a atratividade de novos investimentos na área.

Por todo o exposto, chega-se a conclusão de que a distorção provocada pela reforma tributária não apenas compromete a isonomia concorrencial entre os agentes de mercado, mas também desestimula a produção e o consumo de fontes limpas, contrariando políticas públicas voltadas à sustentabilidade ambiental e à diversificação da matriz energética nacional. Em um contexto no qual a reforma tributária busca justamente a neutralidade e a simplificação do sistema, a criação de privilégios fiscais setoriais introduz assimetrias que fragilizam os princípios que deveriam orientar o novo modelo e podem colocar em risco a consolidação de uma política energética mais sustentável.

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1 "Art 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos" Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0288.htm 

2 "Excetuam-se da isenção fiscal prevista no caput deste artigo armas e munições, fumo, bebidas alcoólicas, automóveis de passageiros, petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo[..]" Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14183.htm 

3 RIBEIRO, Ricardo Lodi. "Razões para o veto presidencial da alínea e do artigo 440 do PLP nº 68/2024, que ampliou os benefícios da Zona Franca de Manaus para refinaria de petróleo em operações internas na região."

4 Disponível em: https://www.reformatributaria.com/ibp-e-contra-beneficio-concedido-a-zona-franca-atem-cogita-judicializar/. Acesso em 03 de setembro de 2025.

5 Disponível em: https://www.sindipetroam.org.br/fup-pede-a-lula-veto-a-ampliacao-dos-incentivos-a-zona-franca-ao-setor-de-refino-de-petroleo/. Acesso em 03 de setembro de 2025.

Enrique de Castro Loureiro Pinto

Enrique de Castro Loureiro Pinto

Bacharel em Direito pela PUC/MG; pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET; LLM em Direito de energia pelo CEDIN; mestrando em Direito Tributário pela UFMG; professor e coordenador do curso de pós-graduação em Direito de Energia da UneedX; advogado tributarista.

Euclides Oliveira

Euclides Oliveira

Bacharelando em Direito pela UFMG. Estagiário de consultoria tributária.

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