Precariedade e interversão da posse na reforma do Código Civil
Examina-se as proposições e avanços do PL 04/25 em matéria de posse, com foco na precariedade e na interversio possessionis, objetivando fomentar o debate sobre os rumos da reforma do CC.
sexta-feira, 12 de setembro de 2025
Atualizado às 11:16
1. O panorama da recodificação em matéria possessória
A recodificação é um dos principais eixos do PL 4/241. A técnica legislativa preserva a estrutura concebida pelo Código e, simultaneamente, promove a atualização de seu texto normativo, incorporando interpretações consolidadas pelos tribunais superiores e positivando soluções oferecidas pela doutrina e aportes advindos da legislação especial e extravagante2. O projeto veicula uma proposta de código atualizado (e não de um código "novo", que rompe com o anterior). Estima-se que, dos aproximadamente 1.100 dispositivos que sofrem alguma alteração no PL, cerca de 550 são objeto de recodificação3.
As alterações legislativas propostas pelo projeto no título dedicado pelo CC à posse (Título I do Livro III) inserem-se, em sua maioria, nesse movimento, refletindo a recepção de posicionamentos já consolidados nos tribunais e na literatura. É o que se nota, de modo particular, nas disposições do §2º do art. 1.198 e do parágrafo único do art. 1.202. São duas introduções do PL que derivam de enunciados das Jornadas de Direito Civil do CJF4 e de precedentes do STJ5.
Nesse contexto de recodificação, a atualização do regime jurídico da posse revela dois pontos importantes: a revisão do tratamento conferido à precariedade e a sistematização da interversio possessionis (nomen juris que se refere ao fenômeno do convalescimento de detenção em posse ou de transmutação de posse ad interdicta em posse ad usucapionem). Ambos os pontos, de notável complexidade teórica e relevância prática, são expressamente aludidos na "Justificação" do PL 04/25, algo semelhante a uma "Exposição de Motivos" do projeto.
2. Precariedade da posse e interversio possessionis na reforma
A respeito da precariedade, uma primeira alteração é visível na novel redação proposta ao art. 1.200: "é injusta a posse violenta, clandestina ou com abuso de confiança". Comparativamente ao texto atual do dispositivo, há uma clara inversão. A definição de posse injusta não é mais extraída em interpretação a contrario sensu do texto do art. 1.200. Agora, define-se o que é posse injusta, ou seja, toda posse violenta, clandestina ou com abuso de confiança. É a definição do conceito de posse justa que passa a ser extraída pela interpretação a contrario sensu da redação normativa. A proposta revela a opção por uma técnica legislativa mais precisa e que parece pôr fim à discussão sobre a exaustividade ou não do rol de vícios objetivos da posse6.
Há, também, uma mudança pontual: propõe-se a substituição do termo "precária", empregado na redação atual do art. 1.200, pela expressão "com abuso de confiança". O projeto elege a compreensão de que a precariedade é uma situação jurídica7, e não um vício - havendo que se recordar, inclusive, que precariedade ("precarium") é um termo historicamente polissêmico para o Direito8. O vício é, pois, o abuso de confiança, praticado por aquele que recebeu a coisa em desfavor de quem lha concedeu.
A modificação do nomen juris - "precariedade" para "abuso de confiança" - enseja uma melhor compreensão da fattispecie da norma. A situação hoje entendida como "precariedade da posse" decorre justamente da resistência daquele que, tendo a obrigação de devolver a coisa que lhe fora concedida por outrem, não o faz. O precarista abusa do direito e da confiança concedidos pelo esbulhado. A mudança nominal foi registrada pela Comissão de Juristas na Justificação do PL, consignando-se que "o abuso de confiança torna-se elemento configurador da posse injusta em substituição à precariedade que tanta dúvida causa no campo da proteção possessória". Trata-se de modificação de alta relevância, como se demonstrará adiante.
Algumas novidades são observadas também nas proposições que tratam da interversio possessionis. A nova redação proposta do §1º do art. 1.198 - que trata de uma das hipóteses de detenção lícita admitidas no Direito brasileiro, qual seja, a do fâmulo da posse - prescreve que incumbe ao detentor demonstrar, ou contra ele poderá ser demonstrado, que mantém a coisa "em razão de outra causa". Apresenta-se, aqui, uma formulação normativa mais completa do que a atual do parágrafo único do art. 1.198, que se limita a enunciar que haverá presunção da qualidade de detentor "até que prove o contrário" - laconismo criticado por parte da literatura9.
Esse dispositivo, na redação apresentada pelo projeto, tem clara comunicação com o parágrafo único acrescido pelo PL ao art. 1.203, que prescreve que "haverá modificação da causa da posse quando o então possuidor direto comprovar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto". Ambos os dispositivos se situam no movimento de recodificação, encampando o entendimento esboçado pelos Tribunais Superiores acerca do que gera a interversio possessionis: a alteração da causa da posse (causa possessionis), isto é, a ruptura do vínculo jurídico que embasava a detenção, com a manifestação de posse em nome próprio. É a compreensão, inclusive, estampada no enunciado 237 da III Jornada de Direito Civil do CJF10.
Ponto que também se atrela ao disposto no novel §1º do art. 1.198 é o parágrafo único inserido no art. 1.202 - outra novidade do projeto -, que prescreve: "considera-se cessado o caráter de boa-fé da posse, na data da interpelação válida do possuidor, por citação, notificação ou protesto, judicial ou extrajudicial, se vier a ser reconhecida contra ele a pretensão possessória ou petitória do interpelante". Embora verse sobre a extinção da boa-fé do possuidor, a lógica quanto à cientificação do ocupante pode ser transportada para o seio da norma do §1º do art. 1.198. Basta recordar que a nova redação deste dispositivo estipula que "contra o detentor poderá ficar demonstrado" que tem consigo a coisa em razão de outra causa. Logo, há boa margem para se interpretar que, havendo interpelação na forma do parágrafo único do art. 1.202, estar-se-á diante de manifesto ato exterior e inequívoco de oposição - ou seja, uma modificação da causa da posse, nos termos do parágrafo único do art. 1.203, adicionado pelo PL - do interpelado caso este resista à reivindicação do interpelante. A alteração da causa possessionis estará demonstrada pela interpelação não correspondida, ou seja, estará contra o detentor demonstrado que tem consigo a coisa em razão de outra causa, diversa da que embasava a detenção (art. 1.198, §1º, in fine, do PL).
O binômio formado pelo §1º do art. 1.198 e pelo parágrafo único do art. 1.202 redesenha, com parâmetros verificáveis, o itinerário da interversio possessionis fundada em abuso de confiança e prepara o terreno para a disciplina específica do parágrafo único do art. 1.203.
3. O novo parágrafo único do art. 1.203, inserido pelo PL, e a aplicação da interversio possessionis às situações de precariedade
O parágrafo único do art. 1.203, introduzido pelo PL, estatui no texto normativo o requisito positivo da interversio possessionis, qual seja, a alteração da causa da posse. A redação do parágrafo único aparenta ter inspiração nos casos em que a transmutação da posse é reconhecida em relações locatícias, nas quais há, naturalmente, o desmembramento da posse em direta e indireta. Não sem motivo, o novel dispositivo menciona "possuidor direto" e "possuidor indireto".
Evidentemente, não há restrição do âmbito de incidência da norma proposta às situações de locação. Se aprovada, a regra contemplará todas as situações de desmembramento da posse, fenômeno que ocorre também nos casos de comodato, arrendamento, usufruto etc. O que se tem em comum, em todas essas situações, além da figura do possuidor direto e do indireto, é que, uma vez não devolvida a coisa pelo possuidor direto, ter-se-á uma situação de abuso de confiança. Logo, o parágrafo único do art. 1.203 proposto pelo projeto positiva expressamente a interversio possessionis nos casos de abuso de confiança em contexto de precariedade, fornecendo a moldura normativa que faltava para o reconhecimento de superveniência de posse ad usucapionem nessas hipóteses.
Por sua importância, a novidade é expressamente comentada na justificação do PL, em que se registra: "passa-se a admitir-se a modificação da causa original de aquisição da posse, em homenagem à sua função social e econômica". A expressão "passa-se a admitir-se", empregue no texto da justificação, revela a compreensão de que, com a introdução do parágrafo único do art. 1.203, a questão se tornará enfim pacificada. Não obstante tenha o STJ admitido, em três oportunidades ao menos, a transmutabilidade da precariedade em posse, a questão ainda é controvertida nos tribunais, inclusive entre órgãos fracionários do próprio STJ11-12.
A doutrina também se divide sobre o tema, compondo-se em três frentes acerca da possibilidade ou não de interversão da tença precária em posse. A primeira corrente sustenta que a precariedade nunca transmuta em posse ad usucapionem, uma vez que o art. 1.208, in fine, ao prever a cessação da violência e da clandestinidade como hipóteses de convalescimento da posse, não estendeu o regime à precariedade, reforçando-se tal entendimento pela atual redação do art. 1.20013. A segunda corrente, ao revés, considera que a precariedade já constitui posse desde o início (ipso jure), por se tratar de inadimplemento permanente, não havendo o que cessar e, portanto, inexistindo fase transitória de detenção14. A terceira linha15, mais recente, valendo-se do atual parágrafo único do art. 1.198 c/c art. 1.203, reconhece que a detenção precária constitui presunção juris tantum: caso o precarista comprove que age como possuidor, haverá a interversio possessionis gerando posse ad usucapionem, hipótese em que o convalescimento poderá, portanto, conduzir a usucapião16.
O projeto, sem perda de coerência sistemática - ao contrário, aliás -, parece filiar-se a uma das soluções. A arquitetura proposta pelo PL se aproxima da terceira corrente doutrinária, que elege a detenção precária, fruto do abuso de confiança, como presunção juris tantum, elidível por ato exterior e inequívoco de oposição - e, portanto, de alteração da causa possessionis -, especialmente quando precedido de interpelação válida e seguido de resistência (art. 1.198, §1º, c/c art. 1.202, parágrafo único, e art. 1.203, parágrafo único, do PL).
Com isso, estão estabelecidos critérios claros e operacionais para a interversio possessionis em casos de precariedade: (i) possíveis requisitos positivos para alteração da causa possessionis (interpelação e oposição inequívoca), (ii) marco inicial da posse ad usucapionem pelo precarista e, consequentemente, do prazo para usucapir e (iii) delimitação de efeitos, sem prejuízo da reivindicação enquanto subsistir a pretensão do esbulhado. Representa, também, um atendimento ao clamor da doutrina de que a lei fixasse "critérios objetivos e seguros para a verificação da mudança unilateral do caráter da posse", ao invés de "entregar a questão para a matéria de prova por meio da expressão inicial 'salvo prova em contrário'", como faz a formulação normativa atual do parágrafo único do art. 1.198.
4. Extensão do regime da interversio possessionis estatuído pelo PL à detenção decorrente de atos de mera permissão ou tolerância (art. 1.208, ab initio, CC)
Como se percebe, o projeto introduz disposições importantes tanto em matéria de precariedade da posse quanto em matéria de interversio possessionis. Há, no entanto, uma aparente lacuna normativa quanto ao convalescimento da posse nas situações descritas pelo art. 1.208, ab ovo, do CC, que trata da outra hipótese de detenção lícita, qual seja, a dos atos de "mera permissão ou tolerância"17.
A primeira parte do art. 1.208 contempla hipótese de detenção lícita que não se confunde com a do art. 1.198. As situações descritas por ambos os dispositivos deixam de ser enquadradas como posse em razão de previsão normativa expressa, alinhando-se à teoria objetiva de Rudolf von Ihering, para quem a detenção é sempre definida pelo elemento legal. Este consiste numa desqualificação normativa - portanto, um elemento negativo - da situação descrita, enquadrando-a como detenção, e não como posse. O que distingue as situações do art. 1.198 e do 1.208 é a causa da detenção ("causa detentionis"): enquanto aquela é caracterizada pela subordinação do detentor ao legítimo possuidor - o fâmulo ou servo da posse -, esta é marcada pela transitoriedade da autorização concedida e a consciência por parte do beneficiário que o gozo poderá cessar a qualquer momento por um ato de proibição do possuidor18.
A questão que se põe é: no regime proposto pelo PL, a detenção a que alude o art. 1.208, ab ovo, do CC pode convalescer, ou não, em posse, e, caso positivo, quais seriam os requisitos para tanto?
A relevância da possibilidade da interversio possessionis em caso de atos de mera permissão e tolerância é acentuada por questões práticas: trata-se de hipótese de detenção usualmente invocada em contestações de ações de usucapião, para afastar a existência de posse exercida pelo usucapiente, ou, ainda, em contestações de ações possessórias. Uma norma expressa detalhando a possibilidade e os requisitos da conversão da detenção lícita oriunda do art. 1.208, ab initio, em posse ad usucapionem ou em posse ad interdicta promoveria maior segurança jurídica no desate de tais controvérsias.
À primeira vista, não parece ser aplicável a regra do novel parágrafo único do art. 1.203, proposto pelo projeto, às situações da primeira parte do art. 1.208. Isso porque, evidentemente, este dispositivo trata de hipóteses em que não há desmembramento de posse - e, sequer, de posse, mas de detenção. Já aquele artigo menciona expressamente "possuidor direto" e "possuidor indireto", situando-se em contexto no qual há exercício de posse pretérita e autorizada por aquele que pretende a interversio possessionis.
Um entendimento adequado quanto ao conceito de precariedade, porém, demonstra o contrário. Como dito, o PL rejeita o enquadramento de precariedade como vício objetivo da posse - sem dúvidas, um avanço. Isso é evidente pela nova redação proposta ao art. 1.200, que substitui "precariedade" por "abuso de confiança" - este sim, um vício -, modificação que é expressamente enfatizada na justificação do projeto.
Na realidade, o PL promove uma retificação do texto legal para deixar clara a natureza jurídica da precariedade. Há décadas que parcela da literatura apontava ser precariedade a situação jurídica estabelecida entre dois indivíduos quando da cessão temporária da coisa. Por exemplo, Astolpho Rezende escreveu que "aquêle sic que concede a outrem o exercício do direito de propriedade, isto é, a posse natural, reservando-se a faculdade de revogar à sua vontade essa autorização, goza, com efeito, desta faculdade, e a relação jurídica que assim se forma, entre essas duas pessoas, chama-se precarium"19.
A precariedade envolve qualquer situação jurídica em que há cessão temporária da coisa20. O poder de uso, gozo ou disposição concedido é fadado à extinção. Existe uma tendência natural da coisa de retornar à posse (plena) daquele que a concedeu a outrem. Há uma conotação de revogabilidade e de transitoriedade21.
A precariedade, portanto, não é sinônimo de "posse viciada"22, tampouco de posse, necessariamente. Ela pode abranger situações em que há o desmembramento da posse, como o comodato, a locação, o usufruto, e também contemplar as hipóteses nas quais não há posse exercida pelo ocupante, como nos casos de mera permissão e tolerância, em que a coisa se encontra sob detenção do beneficiário por autorização do legítimo possuidor.
Conexões importantes entre as disposições do PL são permitidas pelo assentamento dessa premissa. O abuso de confiança, indicado como vício da posse pelo novel parágrafo único do art. 1.203, pode se dar em qualquer contexto de precariedade. Logo, o abuso pode ser promovido tanto pelo possuidor direto quanto pelo detentor que tem a coisa consigo por mera permissão ou tolerância (art. 1.208, ab ovo).
Se o parágrafo único do art. 1.203 prevê expressamente a possibilidade de alteração da causa possessionis em hipóteses de abuso de confiança praticado por possuidor direto, que se situa num contexto de precariedade, a mesma consequência pode ser admitida nas situações descritas pela primeira parte do art. 1.208. O requisito positivo para a interversio possessionis é a alteração da causa da posse - e não o desmembramento -, o que autoriza, inclusive, transportar a lógica da interpelação e da oposição inequívoca às hipóteses do art. 1.208, ab initio. Logo, se o beneficiário da permissão ou da tolerância é interpelado a devolver a coisa - aplicação do novel parágrafo único inserido no art. 1.202 - e opõe-se de modo exterior e inequívoco - aplicação do parágrafo único do art. 1.203 -, passa-se a um fundamento diverso daquele que justificava a detenção. A causa detentionis é transmutada em causa possessionis.
Daí por que o regime proposto para o §1º do art. 1.198 c/c parágrafo único do art. 1.202 aplica-se por analogia à primeira parte do art. 1.208. A interpelação cumpre a função de cientificação formal do detentor autorizado e a subsequente resistência inequívoca (recusa de desocupação e manutenção do uso) configura a oposição, que, por sua vez, elide a presunção de detenção e instaura o exercício de posse em nome próprio. Essa aplicação analógica é pertinente considerando a necessidade, especificamente nas hipóteses de mera permissão e tolerância, de critérios objetivos e verificáveis que evidenciem a alteração da causa da posse, principalmente para delimitação do marco temporal desta. Mas é importante ressalvar que a alteração da causa da detenção para causa possessionis pode consumar-se por outras manifestações exteriores de oposição, públicas e inequívocas, não necessariamente precedidas de interpelação formal.
De lege ferenda, convém que a interversio possessionis seja regulada expressamente para as hipóteses do art. 1.208, ab ovo, do CC, possivelmente tomando por matriz a arquitetura já proposta no §1º do art. 1.198, no parágrafo único do art. 1.202 e no parágrafo único do art. 1.203, dispositivos que representam introduções salutares do PL. É oportunidade, também, para se explicitar a distinção entre abuso de confiança (vício objetivo da posse) e precariedade (situação jurídica), ponto já tangenciado pela reforma e que reclama um desenho normativo mais nítido. A contemplação desses tópicos, espera-se, contribuirá para a promoção da segurança jurídica e da uniformidade interpretativa almejadas pela recodificação.
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1 Identificando a recodificação como principal bússola do PL nº 04/2025, ao lado da (i) atualização redacional; (ii) "contramaré" da recodificação"; e das (iii) inovações ou mudanças substanciais: MAZZEI, Rodrigo Reis. Doação na reforma do Código Civil: algumas observações sobre o adiantamento de legítima e a cláusula de dispensa da colação por declaração de vontade posterior. Migalhas, Coluna Civil em pauta, 5 set. 2025.
2 Rodrigo Mazzei define "recodificação" como o "procedimento de ressistematização legislativa em que: (1) é preservado o material constante do código anterior que estiver atual e aprovado pela sociedade; (2) admitem-se no corpo do macrossistema contribuições legais já previstas em outros diplomas e sedimentadas no sistema; (3) prestigiam-se as soluções encontradas na jurisprudência consolidada e decorrente de debate doutrinário". MAZZEI, Rodrigo Reis. Notas iniciais à leitura do novo código civil. In: ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ALVIM, Thereza Arruda (orgs.). Comentários ao código civil brasileiro: parte geral. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. LXVIII.
3 MAZZEI, Rodrigo Reis. Doação na reforma do Código Civil: algumas observações sobre o adiantamento de legítima e a cláusula de dispensa da colação por declaração de vontade posterior. Migalhas, Coluna Civil em pauta, 5 set. 2025.
4 O art. 1.198, §2º, do PL encampa o Enunciado 493 da V Jornada de Direito Civil do CJF, in verbis: "o detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder".
5 A inserção do parágrafo único do art. 1.202 tem clara inspiração na orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça acerca dos elementos que configuram oposição válida para fins de interrupção da contagem do prazo para usucapir - vide, por exemplo, o entendimento esboçado no julgamento do AgInt no AREsp nº 580.885/RS. Com a proposição do parágrafo único do referido dispositivo, transpôs-se, analogicamente, os elementos objetivos que configuram tal oposição para definir o marco da cessação da boa-fé do possuidor interpelado.
6 A respeito da discussão sobre a exaustividade ou não do rol de vícios objetivos da posse, conferir: DANTAS, Marcus. Análise crítica sobre a extensão do elenco de vícios da posse e suas consequências. Revista de Informação Legislativa, ano 50, n. 197, p. 29-50, jan./mar. 2013; e GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Dos vícios da posse. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.
7 Clóvis Beviláqua, nessa linha, já sinalizava que a precariedade não é vício; o vicioso na situação é a recusa em devolver a coisa: "o vicio, naturalmente, não está na precariedade da posse. É perfeitamente licita a concessão da posse de uma coisa, a titulo precário, isto é, para ser restituida, quando o proprietário a reclamar. O vicio está na recusa da restituição, a que se obrigara o possuidor". BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 51.
8 Entendendo pela pluralidade semântica do termo "precariedade", tanto em acepção sinonímica de vício quanto em outros sentidos, que não necessariamente representativos da ideia de "posse viciada": SILVESTRE, Gilberto Fachetti. A usucapião especial urbana individual e coletiva pela interversio possessionis da tença precária em posse ad usucapionem pro morada, pro labore e pro misero. Revista de Direito da Cidade, v. 13, n. 4, p. 2030-2073, 2021.
9 Nesse sentido escrevem Marco Aurélio Bezerra de Melo e José Roberto Mello Porto: "mais conveniente que a lei estabelecesse critérios objetivos e seguros para a verificação da mudança unilateral do caráter da posse, porém preferiu o legislador entregar a questão para a matéria de prova por meio da expressão inicial 'salvo prova em contrário'". BEZERRA DE MELO, Marco Aurélio; MELLO PORTO, José Roberto. Posse e usucapião: direito material e direito processual. 5. ed. São Paulo: JusPodivm, 2023, p. 62.
10 Enunciado 237 da III Jornada de Direito Civil do CJF: "é cabível a modificação do título da posse - interversio possessionis - na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini".
11 Pesquisa realizada por Gilberto Fachetti Silvestre no ano de 2020 revelou que em dois julgados o STJ admitiu a interversio possessionis da detenção precária em posse, e, num outro, negou tal possibilidade. Nesse sentido, conferir: SILVESTRE, Gilberto Fachetti. A usucapião especial urbana individual e coletiva pela interversio possessionis da tença precária em posse ad usucapionem pro morada, pro labore e pro misero. Revista de Direito da Cidade, v. 13, n. 4, p. 2030-2073, 2021.
12 No ano de 2022, o STJ novamente reconheceu a possibilidade de interversio possessionis em caso de precariedade, no julgamento do REsp nº 1.909.276/RJ.
13 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito das coisas. v. 5. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 29-31; SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 73-74.
14 No sentido, por todos: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. v. 5. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 90-91.
15 BEZERRA DE MELO, Marco Aurélio; MELLO PORTO, José Roberto. Posse e usucapião: direito material e direito processual. 5. ed. São Paulo: JusPodivm, 2023, p. 64; ARAÚJO, Fabio Caldas de. Posse. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 81; ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; COUTO, Mônica Bonetti. Comentários ao código civil brasileiro. v. 11, t. 02. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 204-205; NEQUETE, Lenine. Da prescrição aquisitiva (usucapião). 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 1970, p. 96; e SANTOS, José Augusto Lourenço dos. A transformação da posse precária em posse ad usucapionem pela inversão do título da posse. In: Revista do Instituto do Direito Brasileiro, ano 1, nº 9. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012, pp. 5523-5531. Tratando especificamente de mudança da causa possessionis por alteração ou inversão do título que embasa a posse: LOUREIRO, Francisco Eduardo. Direito das coisas. In: PELUSO, Cezar (coord.). Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 5 ed. São Paulo: Manole, 2011; SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. v. 6. São Paulo: Freitas Bastos, 1960, p.163-164.
16 Além dessas três posições, apresenta-se ainda um quarto entendimento (que funciona como uma complementação da terceira corrente): a detenção precária converter-se-ia em posse ad usucapionem apenas com a prescrição da pretensão vinculada ao inadimplemento negocial - uma interpretação da norma do art. 189 do CC -, operando-se, então, a convalidação da tença em posse e constituindo marco inicial de contagem do prazo de eventual usucapião. No sentido: SILVESTRE, Gilberto Fachetti. A usucapião especial urbana individual e coletiva pela interversio possessionis da tença precária em posse ad usucapionem pro morada, pro labore e pro misero. Revista de Direito da Cidade, v. 13, n. 4, p. 2030-2073, 2021.
17 O ato de permissão é entendido como uma autorização expressa, e a tolerância representa autorização tácita.
18 A respeito dos elementos que caracterizam os atos de mera permissão e tolerância, embora entendendo que ambos constituem relação de subordinação entre detentor e possuidor, conferir: ARAÚJO, Fabio Caldas de. Posse. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 81-82.
19 REZENDE, Astolpho. A posse e a sua proteção. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1937, p. 388.
20 Esse é um dos motivos pelos quais é problemática a solução dada pelo enunciado da Súmula 619 do STJ, que qualifica a ocupação de bem público como "detenção de natureza precária". Além de haver a criação de uma nova hipótese de detenção, não prevista no texto legal, enquadra-se como precária uma situação em que não houve cessão da coisa. Até mesmo a ocupação do ager publicus, na Roma antiga, pressupunha a cessão formal das terras aos particulares ocupantes, o que era feito por meio do contrato de "precarium".
21 Oscar Joseph de Plácido e Silva define o conceito de "precário", posteriormente aplicando tal definição ao contexto possessório: "extensivamente, em acepção vulgar, é o adjetivo usado para distinguir a condição ou a qualidade do que é feito sem estabilidade ou para pouca duração, donde sua equivalência ao sentido de passageiro ou transitório, em oposição ao efetivo e permanente (...). O caráter do precário, pois, está na ausência de efetividade ou estabilidade da posse concedida e na obrigação de restituir a coisa ao dono ou ao legítimo possuidor, quando este revogue a concessão". DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário jurídico. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.629.
22 SILVESTRE, Gilberto Fachetti. A usucapião especial urbana individual e coletiva pela interversio possessionis da tença precária em posse ad usucapionem pro morada, pro labore e pro misero. Revista de Direito da Cidade, v. 13, n. 4, 2021, p. 2.041.