Plano deve cobrir congelamento de óvulos contra infertilidade no câncer
Sentença condena plano de saúde a reembolsar paciente com câncer de mama por congelamento de óvulos, reforçando o dever de cobertura de efeitos colaterais do tratamento oncológico.
sexta-feira, 12 de setembro de 2025
Atualizado às 11:15
Uma paciente diagnosticada com câncer de mama, diante da indicação médica de quimioterapia, foi orientada a realizar a criopreservação de óvulos como forma de prevenir a infertilidade decorrente do tratamento.
O congelamento de óvulos, ou criopreservação, é uma técnica de reprodução assistida que permite armazenar os óvulos de uma mulher para uso futuro, congelando-os a uma temperatura muito baixa (-196°C) para preservar a fertilidade, seja para adiar a maternidade ou proteger a capacidade de ter filhos devido a tratamentos médicos, como quimioterapia.
A Bradesco Saúde negou o pedido de cobertura do procedimento sob a alegação de que estaria vinculado à inseminação artificial, excluída pela lei 9.656/98 e pelo rol da ANS.
Diante da negativa, a paciente custeou o tratamento no valor de R$ 14.990,00 e ajuizou ação pleiteando o reembolso e indenização por danos morais.
A fundamentação judicial
O juiz Fabiano Reis dos Santos, da 4ª vara cível de São Gonçalo do TJ/RJ, reconheceu a aplicação do CDC, conforme a súmula 608 do STJ.
Destacou que não se tratava de cobertura para infertilidade como patologia autônoma, mas de prevenção de infertilidade como efeito colateral previsível da quimioterapia.
O magistrado citou precedente do STJ (REsp 1.962.984/SP, relatora ministra Nancy Andrighi), no qual se fixou a distinção entre o tratamento da infertilidade - não obrigatório - e a sua prevenção, quando esta decorre diretamente de tratamento médico coberto. Nessa linha, aplicou o princípio médico primum non nocere ("primeiro, não prejudicar"), entendendo que, ao autorizar a quimioterapia, o plano também deve custear medidas destinadas a evitar prejuízos desnecessários à saúde da paciente.
Ademais, considerou abusiva a cláusula contratual que excluía o procedimento, por violar o art. 51 do CDC, que declara nulas disposições que imponham desvantagem exagerada ao consumidor e desvirtuem a finalidade do contrato. Citou ainda a súmula 340 do TJRJ, segundo a qual é abusiva a exclusão do custeio de insumos indispensáveis ao melhor desempenho do tratamento de doença coberta pelo plano.
Por fim, concluiu que a recusa representou falha na prestação do serviço (art. 14 do CDC), atingindo a dignidade da paciente em momento de extrema vulnerabilidade.
A decisão foi totalmente favorável à autora, condenando o plano de saúde:
- Ao reembolso de R$ 14.990,00, corrigidos e com juros desde o desembolso;
- Ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos morais;
- Ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% do valor da condenação.
Reflexos práticos da decisão
A sentença produz importantes efeitos além do caso concreto. Primeiro, reafirma a vinculação entre tratamento oncológico e prevenção de seus efeitos colaterais, estabelecendo que a cobertura deve ser integral, sob pena de esvaziar a própria finalidade do contrato.
Em segundo lugar, fortalece a linha jurisprudencial que limita a autonomia contratual das operadoras diante do direito fundamental à saúde, impondo o controle da abusividade de cláusulas que restringem tratamentos essenciais.
O julgado também tem caráter pedagógico: ao condenar ao pagamento de indenização por danos morais, reconhece que a negativa não se reduz a uma questão contratual, mas envolve a dignidade e a integridade física e psicológica da paciente. A dimensão punitiva da indenização busca desestimular a repetição da conduta abusiva por parte das operadoras.
Por fim, a decisão sinaliza aos tribunais e consumidores que a criopreservação de óvulos deve ser compreendida como etapa integrante do tratamento oncológico e não como procedimento de reprodução assistida. Essa interpretação contribui para uniformizar a jurisprudência e dá maior segurança jurídica a pacientes que enfrentam situações semelhantes em todo o país.
Conclusão
O julgamento evidencia o papel central do Poder Judiciário na proteção do consumidor em saúde suplementar, especialmente quando o contrato esbarra em limites que comprometem direitos fundamentais.
A interpretação firmada resguarda não apenas o acesso ao tratamento imediato, mas também a preservação da qualidade de vida e da dignidade da paciente no futuro.