Imunidade do ITBI: Interpretação equivocada do Tema 796
O artigo analisa o Tema 796 do STF, mostrando que a imunidade do ITBI é incondicionada na integralização de capital e que prefeituras interpretam de forma equivocada ao exigir diferenças de valor.
domingo, 28 de setembro de 2025
Atualizado em 26 de setembro de 2025 13:33
1. Introdução
A imunidade tributária constitui limitação objetiva ao poder de tributar, conferindo ao contribuinte uma garantia constitucional de não incidência em hipóteses taxativamente previstas. No plano municipal, o ITBI - Imposto de Transmissão de Bens Imóveis encontra restrição no art. 156, §2º, I, da CF/88, que assegura a não incidência quando os bens são destinados à integralização de capital social.
Contudo, após o julgamento do Tema 796 pelo STF, diversas prefeituras passaram a distorcer seu conteúdo, pretendendo exigir ITBI sobre a diferença entre o valor venal do imóvel e o valor atribuído pelo contribuinte na integralização. Essa prática não apenas viola a literalidade constitucional, mas desvirtua a ratio decidendi do precedente.
2. A natureza constitucional da imunidade do ITBI
O art. 156, §2º, I, da CF/88 estabelece que:
"O imposto previsto no inciso II não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil."
Dessa disposição emergem duas modalidades de imunidade: (i) Imunidade incondicionada, aplicável à conferência de bens para integralizar capital subscrito; e (ii) Imunidade condicionada, restrita às hipóteses de reorganizações societárias. A primeira não comporta qualquer condicionamento extra. Como destacou o ministro Alexandre de Moraes no voto condutor do Tema 796: "Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito."
3. O julgamento do Tema 796: O caso concreto e a tese fixada
O RE 796.376/SC teve origem em mandado de segurança impetrado por Lusframa Participações Societárias Ltda. contra exigência do município de São João Batista/SC, que condicionou a imunidade do ITBI apenas até o limite do capital subscrito.
No caso, a empresa possuía capital social de R$ 24.000,00, integralizado por meio da transferência de 17 imóveis avaliados em mais de R$ 800.000,00. A diferença foi contabilizada como reserva de capital. O município entendeu que essa diferença deveria ser tributada.
A sentença reconheceu a imunidade integral. Contudo, o TJ/SC reformou a decisão, autorizando a cobrança do ITBI sobre a diferença. No STF, o ministro Marco Aurélio votou pela imunidade plena. Todavia, prevaleceu a divergência do ministro Alexandre de Moraes, que delimitou a imunidade apenas ao valor destinado à integralização do capital subscrito. Por maioria, fixou-se a tese: "A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado."
4. A interpretação equivocada das prefeituras
O Tema 796 discutiu exclusivamente a tributação sobre valores destinados à reserva de capital. Não tratou da diferença entre valor venal e valor declarado pelo contribuinte.
Apesar disso, prefeituras passaram a exigir ITBI sobre a diferença entre o valor venal e o valor atribuído. Tal prática é incorreta por três razões: (i) Extrapolação da tese fixada, que se restringiu ao capital subscrito e reserva de capital; (ii) Violação ao princípio da legalidade, pois não há base legal que autorize tal cobrança, sendo facultado ao contribuinte integralizar pelo valor declarado (art. 23 da lei 9.249/95); (iii) Confusão entre institutos, pois valor de mercado e reserva de capital são questões distintas.
A jurisprudência confirma esse raciocínio: no ARE 1.485.056/GO, o STF afastou a cobrança de ITBI sobre diferenças de valor venal; e no RE 1.449.120/MS, reconheceu que a imunidade é incondicionada quando todo o valor é destinado ao capital, sem reserva.
5. Fundamentação doutrinária e jurisprudencial
A doutrina é uníssona: Kiyoshi Harada afirma que a norma imunizante se refere exclusivamente ao pagamento em bens para integralização de capital subscrito; Eduardo Sabbag destaca que as exceções constitucionais aplicam-se apenas a fusão, incorporação, cisão ou extinção, e não à integralização de capital.
No STF, o ARE 1.485.056/GO reconheceu ser inconstitucional a cobrança de ITBI sobre diferenças de valor venal; e o RE 1.449.120/MS reafirmou a imunidade plena quando não há formação de reserva de capital.
6. Consequências práticas da interpretação equivocada
As consequências da interpretação equivocada das prefeituras são graves:
- Para os contribuintes: Custos adicionais e imprevisíveis, comprometendo planejamentos patrimoniais e desestimulando reorganizações.
- Para as holdings familiares: Perda de eficácia da integralização de imóveis, gerando insegurança e prejudicando a credibilidade do modelo.
- Para o sistema tributário: Judicialização em massa, insegurança jurídica e criação de uma 'indústria de autuações' sem fundamento.
- Para os municípios: Efeito reverso, com mais litígios, suspensão da exigibilidade de créditos e, no fim, menos arrecadação efetiva.
7. Conclusão
O STF nunca autorizou a tributação da diferença entre valor venal e valor declarado na integralização de imóveis. A tese do Tema 796 restringiu-se à distinção entre capital subscrito e reservas de capital. A interpretação municipal é equivocada e inconstitucional. A imunidade deve ser preservada em sua inteireza, garantindo segurança jurídica e incentivando a livre iniciativa. Autuações baseadas em avaliação de mercado extrapolam o Tema 796 e devem ser afastadas pelo Judiciário.


