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Protocolo de gênero não é salvo conduto para a dispensa de provas

O protocolo de gênero prioriza a palavra da vítima e fragiliza o direito à prova, criando risco de condenações baseadas em construção artificial.

sábado, 25 de outubro de 2025

Atualizado em 24 de outubro de 2025 14:32

1. Introdução

O protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, instituído pelo CNJ, foi concebido, dentre outras finalidades, para orientar magistrados na análise de casos envolvendo violência contra a mulher. Embora sua motivação seja reconhecidamente legítima - corrigir desigualdades históricas e enfrentar desafios probatórios característicos dos crimes praticados em âmbito doméstico -, sua aplicação prática levanta sérias preocupações. Ao privilegiar a palavra da suposta vítima, muitas vezes em detrimento da produção de provas concretas, o protocolo pode inverter a lógica secular do Direito Penal, colocando em risco garantias fundamentais e a própria noção de justiça.

2. Protocolo de gênero x direito fundamental à prova

Os crimes ocorridos no âmbito doméstico geralmente acontecem sem testemunhas, dificultando a colheita de provas diretas. Essa realidade levou o Judiciário a valorizar a palavra da suposta vítima, atribuindo-lhe peso significativo na formação do convencimento judicial.

O protocolo de gênero foi criado com base na premissa histórica de que mulheres foram e são vítimas de violência doméstica e que, diante da dificuldade probatória, a credibilidade de sua narrativa deve ser reforçada. A intenção declarada é compensar desigualdades e evitar que a ausência de testemunhas inviabilize a punição do agressor.

Apesar da boa intenção, o protocolo acaba criando um mecanismo artificial que, na prática, substitui o direito à prova - um pilar do processo penal construído ao longo de séculos, pela palavra da mulher autodeclarada vítima. Em vez de a condenação se basear em um conjunto robusto de elementos, ela pode repousar unicamente no depoimento da suposta vítima, tornando irrelevante a comprovação objetiva dos fatos.

O problema central é que o protocolo não se fundamenta apenas na busca da verdade, mas também em uma proposta de reparação histórica. Essa abordagem, embora bem-intencionada, desvia o foco do caso concreto e pode levar à condenação sem o devido lastro probatório, contrariando princípios constitucionais e princípios internacionais como a presunção de inocência, devido processo legal e o direito à prova.

Quando aplicado de forma acrítica, o protocolo de gênero transforma-se em um instrumento de condenação automática, invertendo a lógica de que cabe ao Estado provar a culpa do acusado. A palavra da suposta vítima, que deveria ser analisada à luz do conjunto probatório, passa a ser tomada isoladamente como suficiente em si mesma, sem o necessário crivo de verificação.

Importa destacar que muitos fatos apurados em processos sob o contexto da lei Maria da Penha não ocorrem em ambiente estritamente privado, contando com testemunhas e outros elementos de prova. A aplicação indiscriminada do protocolo nesses casos pode levar à desconsideração de provas objetivas, em prejuízo do acusado.

A utilização do protocolo como critério decisório principal e muitas vezes exclusivo no campo criminal gera insegurança jurídica e injustiças, pois cria um padrão probatório diferenciado que se afasta das garantias penais tradicionais. A verdade processual deixa de ser buscada com base em elementos concretos e passa a ser definida por uma construção normativa artificial.

3. Conclusão

O protocolo de gênero nasceu com o propósito de suprir lacunas probatórias em crimes de violência doméstica, mas sua aplicação no campo criminal precisa ser analisada com extrema cautela. Ao privilegiar a palavra da suposta vítima como elemento central de condenação, corre-se o risco de enfraquecer o direito à prova e comprometer garantias fundamentais conquistadas ao longo de séculos. Mais do que reparar injustiças históricas, o sistema de justiça deve assegurar que cada caso seja julgado com base em evidências concretas e respeitando a presunção de inocência, para que a busca por equidade não se transforme em nova forma de injustiça.

Júlio Cesar Konkowski da Silva

VIP Júlio Cesar Konkowski da Silva

Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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