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Reforma tributária: Marketing e publicidade gera crédito?

Seu gasto com marketing pode virar pó com a reforma tributária. Entenda a briga pelo crédito do IVA e por que seu CMO e CFO precisam estar na mesma página nessa discussão.

sábado, 25 de outubro de 2025

Atualizado em 24 de outubro de 2025 14:32

Seu diretor de marketing apresenta, com brilho nos olhos, um plano ambicioso. Uma campanha inovadora, com alcance massivo, pensada para alavancar vendas e consolidar a marca no mercado. Um investimento de dezenas de milhões de reais. O plano é robusto, estratégico, vital. Em outra ponta da mesa, o financeiro, com a reforma tributária na cabeça, não consegue tirar uma pergunta da mente:

"Essa montanha de dinheiro que vamos investir em marketing e publicidade vai gerar crédito no novo IVA? Ou será apenas custo puro, imposto a fundo perdido?"

Hoje, no Brasil, essa é uma pergunta sem resposta clara, uma dúvida cruel instalada no orçamento das empresas mais dependentes de visibilidade e construção de marca: varejistas, indústrias de bens de consumo, farmacêuticas, automotivas, telecomunicações. A reforma tributária, ao prometer a "não cumulatividade plena" do IVA Dual (IBS e CBS), abriu uma caixa de Pandora sobre a definição de "insumo". E o que for definido aqui pode reescrever o destino de setores inteiros.

Quando marketing é essencial, mas não "insumo"

A lógica do IVA Dual é clara: todo imposto pago na aquisição de bens ou serviços que são "insumos" para a sua atividade gera crédito. Simples. Mas o que constitui um insumo? É aqui que a briga começa, com duas visões antagônicas se chocando:

  1. A visão restritiva (a lógica do fisco e do passado): Para uma interpretação mais ortodoxa e que historicamente permeou discussões sobre PIS/Cofins, insumo é apenas o que se integra fisicamente ao produto final ou é essencial e indispensável à produção. Um anúncio de TV não "entra" na fórmula do shampoo. Uma campanha digital não é um "ingrediente" do automóvel. Marketing é, nesta visão, uma despesa operacional necessária para vender, mas não um insumo direto à produção ou prestação do serviço.
  2. Consequência: Nenhuma parte do IVA pago sobre os serviços de agências de publicidade, mídias ou plataformas digitais seria creditável. Cada real investido em marketing teria o imposto embutido de 25-27% (a alíquota cheia do IVA) como um custo irrecuperável.
  3. A visão do contribuinte (a realidade do mercado atual): O mundo dos negócios hoje é impensável sem marketing. Ele não é um luxo, mas fundamental para a geração de demanda, construção de marca e, em última instância, receita. Como se vende um produto que ninguém conhece? O marketing, para a ótica empresarial, é tão essencial quanto a matéria-prima ou a folha de pagamento. Ele é o oxigênio que mantém as vendas e a competitividade.
  4. Consequência: Todos os gastos com marketing e publicidade gerariam crédito do IVA, desonerando a cadeia e permitindo que as empresas reinvestissem esses valores.

A diferença entre essas duas interpretações é a distância entre a prosperidade e a asfixia para as empresas dependentes de marketing.

O choque da carga tributária...

Se a visão restritiva prevalecer na regulamentação da reforma tributária, o impacto será devastador:

  • Aumento real do CAC - Custo de Aquisição de Cliente: Para empresas que investem pesado em marketing, o custo efetivo de cada cliente conquistado disparará. Uma campanha de R$ 10 milhões, com IVA de 27% não creditado, custará R$ 12,7 milhões. Isso altera radicalmente o modelo de negócio, as margens e a viabilidade de muitos produtos.
  • Decisão drástica sobre orçamentos: CMOs e CFOs se verão forçados a fazer escolhas difíceis. Cortar o orçamento de marketing para compensar o custo tributário significa perder visibilidade, share de mercado e, no longo prazo, a própria relevância da marca. É uma estratégia autodestrutiva, mas que a pressão fiscal pode impor.
  • Desincentivo à inovação e ao lançamento de produtos: Inovar e lançar novos produtos exige investimento pesado em marketing para educar o mercado e gerar demanda. Um cenário de marketing sem crédito tributário será um desincentivo gigantesco à inovação e ao crescimento, freando o dinamismo da economia.

Repercussões criativas (e perigosas)

A história econômica nos ensina: Onde há uma grande pressão tributária e uma ausência de mecanismos eficientes para mitigá-la, a criatividade para contornar o sistema floresce. Se o marketing formal se tornar proibitivamente caro pela falta de crédito do IVA Dual, veremos:

  • A era dos "influenciadores sombra": O investimento maciço em micro e nano-influenciadores, com pagamentos diretos via PIX para CPFs, sem nota fiscal, pode se tornar uma alternativa atraente. É a formalização da informalidade para economizar imposto. A reforma tributária pode, sem querer, turboalimentar o mercado de marketing "por fora".
  • Permutas: No mundo B2B, grandes anunciantes e agências podem buscar formas de permutar serviços. Uma agência de publicidade pode oferecer seus serviços em troca de espaços de mídia ou produtos, minimizando o fluxo financeiro que gera o IVA e, consequentemente, o imposto sem crédito.
  • O marketing "oculto" e a fuga para o digital desregulado: Verbas de marketing podem migrar para plataformas e canais que operam em zonas cinzentas, onde a exigência de notas fiscais ou a rastreabilidade da transação é menor. Onde a tributação formal aperta, a busca por subterfúgios se intensifica.
  • Advertência: Mais uma vez, é importante ressaltar que a busca por atalhos ilegais ou informais para escapar de uma carga tributária excessiva, embora tentadora, é uma estratégia de risco. O fisco está cada vez mais tecnológico, o cruzamento de dados avança e as consequências de uma autuação são severas, indo muito além do prejuízo financeiro para atingir a reputação e a liberdade.

Conclusão

A indefinição sobre o crédito do IVA Dual para os gastos com marketing e publicidade não é um problema técnico marginal; é uma questão enorme que pode sufocar a capacidade de crescimento de empresas e marcas no Brasil.

Para o C-Level, a inação é uma sentença de morte para o poder de fogo de seu marketing. É preciso agir em duas frentes:

Lobby: As associações de classe do setor (ABA, ABAP, ABRADi, etc.) precisam unificar o discurso e apresentar estudos de impacto econômico detalhados ao Congresso. Não se trata de pedir um privilégio, mas de demonstrar como a falta de crédito em marketing pode desestimular o consumo, a inovação e, em última instância, a própria arrecadação.

Modelagem e quantificação: CFOs e CMOs precisam trabalhar juntos, agora, para simular cenários. Qual o impacto de um marketing sem crédito nas margens? Quais canais se tornam inviáveis? Onde podemos reposicionar o investimento para maximizar o crédito e o impacto? A redefinição do "Marketing Mix" sob uma ótica tributária é urgente.

A reforma tributária está testando a resiliência e a capacidade de adaptação do empresariado brasileiro. A luta pelo reconhecimento do marketing como um insumo essencial é mais do que uma briga por imposto; é uma briga pela capacidade de vender, crescer e inovar.

Lucas Pereira Santos Parreira

VIP Lucas Pereira Santos Parreira

Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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