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Sociedades limitadas com "cara" de S.A e a liberdade contratual

O artigo analisa os limites da liberdade contratual em sociedades limitadas que assumem características de sociedades anônimas.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Atualizado às 14:02

Sociedades Limitadas com "cara" de S.A.: até onde vai a liberdade contratual?

1. Introdução

O direito societário brasileiro passa por uma grande e silenciosa modernização. Cada vez mais, a Ltda. - sociedade limitada vem sendo utilizada em estruturas  empresariais sofisticadas, em opção à S.A. - sociedade anônima.

Por meio de contratos sociais estruturalmente mais elabordas, os sócios têm importado institutos típicos da lei das sociedades por ações (lei 6.404/76), dando à Ltda. uma roupagem que, em muitos casos, a aproxima mais de uma S.A. do que de sua concepção original. Surge, então, a questão central: até onde vai a liberdade contratual na Ltda.?

2. A autonomia contratual e a lei da liberdade econômica

Com a lei 13.874/19 (lei da liberdade econômica), a autonomia privada ganhou relevo no ordenamento jurídico. O art. 1.053 do CC já previa que a sociedade limitada se rege, nas omissões, pelas normas da sociedade simples, mas admite a aplicação subsidiária das regras da S.A., quando previsto no contrato social.

Esse espaço normativo abriu caminho para que a Ltda. deixasse de ser vista apenas como uma estrutura 'simples e familiar', passando a ser utilizada em startups, holdings patrimoniais e empresas de médio porte que buscam maior flexibilidade com menor custo regulatório.

3. A tentação de importar institutos da S.A.

Não é raro encontrar contratos sociais de Ltdas. com cláusulas que preveem:

  • drag along e tag along, típicos de acordos de acionistas;
  • conselhos consultivos ou deliberativos semelhantes ao conselho de administração da S.A.;
  • quóruns qualificados de deliberação distintos dos previstos no Código Civil;
  • cláusulas de shotgun ou russian roulette para resolução de conflitos societários;
  • políticas de preferência na distribuição de lucros que emulam dividendos diferenciados.

Esses mecanismos, sem dúvida, conferem sofisticação e atraem investidores. Porém, tensionam os limites do tipo societário da Ltda., que permanece juridicamente distinta da S.A.

4. Os limites da liberdade contratual

Apesar da flexibilidade, a doutrina e a jurisprudência reconhecem que a liberdade contratual não pode desnaturar a essência da Ltda.. Por exemplo:

  • não é possível criar ações (na Ltda. há quotas, indivisíveis e de regime próprio);
  • não cabe impor formalismos típicos de S.A. (como obrigatoriedade de publicações extensas), salvo previsão legal.

5. Implicações práticas para empresários

  • Custo-benefício: a Ltda. continua sendo menos onerosa que a S.A., mas a importação de cláusulas sofisticadas pode elevar os custos sem trazer a mesma segurança normativa.
  • Investidores institucionais: ainda preferem S.A. pela previsibilidade legal. A Ltda. 'travestida' pode gerar insegurança em operações de M&A e due diligence.
  • Empresas familiares: muitas têm adotado a Ltda. como 'quase S.A.' para organizar sucessão patrimonial. Contudo, o excesso de cláusulas pode comprometer a validade do contrato social.

6. Conclusão: o futuro pede um modelo híbrido?

O fenômeno das 'Ltda. com cara de S.A.' é expressão da criatividade dos empresários e advogados brasileiros. Contudo, também revela a necessidade de uma reflexão legislativa: talvez seja hora de criar um tipo societário intermediário, capaz de unir a simplicidade da Ltda. com a robustez institucional da S.A.

Até que essa reforma ocorra, cabe aos juristas equilibrar a liberdade contratual com os limites do tipo societário, garantindo segurança jurídica e previsibilidade aos negócios.

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Notas de referência

  • CC, art. 1.053.
  • Lei 13.874/19 (lei da liberdade econômica).
  • Lei 6.404/1976 (lei das sociedades por ações).
Antonio Ricardo de Oliveira Neto

VIP Antonio Ricardo de Oliveira Neto

Advogado, pós - graduando em Direito Empresarial pela PUC-RS

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