IBS e CBS na reforma: Desafios para a precificação dos serviços
Reforma tributária: IBS e CBS elevam a carga dos serviços, exigindo nova precificação, gestão estratégica e adaptação para manter margens e competitividade.
sábado, 11 de outubro de 2025
Atualizado em 10 de outubro de 2025 14:25
1. Uma mudança estrutural e inevitável
A promulgação da LC 214/25 marca o início de um processo de transformação que alterará profundamente a tributação sobre o consumo no Brasil. A partir de 2026, os atuais tributos incidentes sobre bens e serviços - PIS, Cofins, ISS e ICMS - começarão a ser gradualmente substituídos pelo IBS e pela CBS. Essa mudança não é apenas normativa, mas estrutural, na medida em que reorganiza as bases de incidência e modifica a própria lógica da arrecadação.
Para o setor de serviços, essa alteração terá impacto ainda mais sensível. Profissionais liberais, sociedades de advogados, escritórios de contabilidade, consultorias de tecnologia e empresas de comunicação precisarão rever seus modelos de precificação, pois a forma como a carga tributária será destacada e recolhida muda radicalmente. O risco maior não está apenas no aumento da alíquota nominal, mas na possibilidade de que muitos prestadores absorvam parte do ônus sem perceber, corroendo suas margens ao longo do tempo.
2. Do ISS e PIS/Cofins ao IBS e CBS: Ruptura com o passado
O sistema atual de tributação sobre serviços caracteriza-se por fragmentação e sobreposição de competências. O ISS, imposto municipal, é tradicionalmente objeto de disputa federativa quanto à definição de local de incidência e natureza do serviço. Já o PIS e a Cofins, Federais, apresentam regimes cumulativos e não cumulativos, criando situações complexas de apuração. Essa multiplicidade sempre gerou insegurança jurídica, divergências jurisprudenciais e um alto custo de conformidade para empresas de menor porte.
Com a entrada em vigor da LC 214/25, a lógica será profundamente alterada. O IBS e a CBS passam a incidir de forma uniforme sobre a maioria das operações, com alíquota padrão estimada em 28%, reduzida em 30% para atividades de serviços intensivos em mão de obra. Isso significa uma carga efetiva de aproximadamente 19,6%, valor significativamente superior à média das alíquotas hoje praticadas em muitos municípios e setores. Além disso, o split payment garante que a parcela destinada ao fisco seja retida e transferida diretamente, eliminando a possibilidade de planejamento de fluxo de caixa com tributos diferidos.
Ainda que a nova sistemática permita o aproveitamento de créditos decorrentes de despesas operacionais, como energia, internet, limpeza e locação de imóveis, o benefício é modesto quando comparado à elevação global da alíquota. Essa mudança sinaliza um claro deslocamento do ônus para o setor de serviços, que, ao contrário da indústria, possui menos insumos creditáveis.
3. Exemplo prático: Impacto na receita líquida
A diferença entre os dois modelos pode ser ilustrada com um caso prático. Uma empresa de consultoria em tecnologia celebra um contrato mensal de R$ 20.000,00. Sob a lógica atual, no regime de Lucro Presumido, com incidência de ISS de 5% e PIS/Cofins de 3,65%, a carga total atinge 8,65%. O valor líquido recebido pelo prestador é de R$ 18.270,00.
Com a entrada em vigor do novo sistema, o mesmo contrato passa a ser onerado por alíquota efetiva de 19,6%. O tributo a recolher será de R$ 3.920,00, resultando em receita líquida de R$ 16.080,00. A diferença de R$ 2.190,00 por contrato demonstra que, se não houver repasse, o prestador absorverá uma perda considerável de margem. Essa perda pode se acumular em volumes expressivos para empresas que operam com dezenas de contratos semelhantes.
Esse exemplo é meramente ilustrativo, mas demonstra a necessidade de simulações detalhadas. Cada atividade, cada contrato e cada perfil de cliente exigirão cálculos individualizados, sob pena de distorções que podem comprometer a sustentabilidade financeira. O problema não está em "quanto se paga de imposto", mas em "como esse imposto altera a estrutura de precificação".
4. Diferentes impactos conforme o regime tributário
Os reflexos da reforma variam de acordo com o regime tributário adotado. O Simples Nacional ainda preservará vantagens para micro e pequenas empresas, mas perde competitividade nas faixas mais altas de faturamento. Para quem já está no limite de transição, a comparação com o Lucro Presumido ou mesmo com o Lucro Real passa a ser inevitável.
O Lucro Presumido, por sua vez, tradicionalmente visto como a opção mais favorável para prestadores de serviços, tende a se tornar menos atraente. Isso porque a impossibilidade de apropriar créditos relevantes faz com que a nova carga seja absorvida quase integralmente. Já o Lucro Real, embora mais complexo e exigente em termos de escrituração e obrigações acessórias, pode oferecer compensações em setores que têm despesas operacionais elevadas e passíveis de crédito.
A escolha do regime, portanto, deixa de ser meramente contábil e se converte em decisão estratégica. Mais do que reduzir alíquotas, a opção definirá a própria competitividade do prestador diante de seus clientes. Empresas que não revisitarem esse planejamento correm sério risco de perder espaço para concorrentes mais bem estruturados.
5. Repercussões estratégicas para empresas de serviços
A mudança legislativa impõe repercussões que vão além da contabilidade. Contratos precisarão ser redigidos com maior clareza, especialmente em relação à composição dos preços e à possibilidade de recomposição diante de variações tributárias. A omissão desse cuidado pode levar prestadores a litígios com clientes ou a perdas financeiras silenciosas, diluídas ao longo da execução contratual.
Além disso, será inevitável investir em governança tributária e em ferramentas de gestão. Softwares de apuração fiscal e de precificação passarão a ser aliados estratégicos, permitindo não apenas o cumprimento das obrigações acessórias, mas a visualização de cenários e projeções. A integração entre contabilidade, jurídico e gestão financeira se torna essencial, sob pena de decisões fragmentadas que comprometem margens.
Outro ponto relevante é o posicionamento de mercado. Empresas do Lucro Real e Presumido, que operam em cadeia de créditos, tenderão a valorizar fornecedores que lhes permitam aproveitar tributos. Prestadores que não estruturarem corretamente seus processos podem ser preteridos em favor de concorrentes mais bem organizados. A capacidade de demonstrar transparência fiscal e regularidade passará a ser diferencial competitivo.
6. Jurisprudência e paralelos
A jurisprudência constitucional oferece um indicativo de como a compreensão da carga efetiva influencia não apenas a arrecadação, mas a viabilidade econômica das empresas. No RE 574.706/PR, o STF decidiu pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, reconhecendo que o tributo estadual não compunha a receita própria do contribuinte. A decisão, relatada pela ministra Cármen Lúcia em 2017, demonstra que a definição da base de incidência pode alterar significativamente a margem líquida das empresas.
Ainda que o contexto da reforma atual seja distinto, o precedente serve de alerta. A análise tributária não pode ser restrita ao aspecto normativo; ela precisa ser incorporada à lógica empresarial e à precificação. A desatenção a esse ponto pode inviabilizar modelos de negócios e gerar perdas que não se percebem imediatamente, mas que corroem a saúde financeira ao longo do tempo.
7. Projeções até 2033: A fase de transição
A transição entre o regime antigo e o novo, prevista até 2033, exigirá grande capacidade de adaptação. Nos primeiros anos, muitas empresas podem tentar conviver com práticas antigas, acreditando que ajustes pontuais serão suficientes. Esse comportamento representa risco elevado, pois a convivência de dois sistemas distintos aumenta a complexidade e pode gerar inconsistências na precificação.
As empresas que enxergarem a transição como oportunidade sairão em vantagem. Investimentos em compliance, tecnologia e capacitação de equipes permitirão absorver o impacto da nova carga sem comprometer margens. A profissionalização da gestão fiscal e financeira não será luxo, mas condição de sobrevivência. Já as que resistirem em adotar tais práticas correm o risco de perder competitividade já nos primeiros anos de adaptação.
8. Conclusão: Uma revolução na precificação
A reforma tributária do consumo não representa apenas um rearranjo legislativo, mas uma revolução na forma como os serviços serão precificados e geridos. O setor, historicamente caracterizado por margens mais enxutas e menor possibilidade de aproveitamento de créditos, será o mais pressionado. Aqueles que compreenderem a nova lógica e ajustarem seus modelos terão condições não apenas de preservar margens, mas de ampliar sua competitividade.
A experiência demonstra que mudanças tributárias nunca se esgotam em seus aspectos formais. Elas produzem efeitos econômicos, estratégicos e de mercado. Ignorar essa dimensão equivale a comprometer o futuro do negócio. A questão central não é se haverá impacto, mas como cada prestador escolherá enfrentá-lo: de forma improvisada e reativa, ou com planejamento estratégico, governança e clareza na formação de preços.