Adulteração de bebidas: O peso da atividade empresarial
O compliance no varejo alimentício se consolida como ferramenta indispensável, com políticas de verificação de cadeia de suprimentos, treinamentos em detecção de fraudes e canais de alerta.
domingo, 12 de outubro de 2025
Atualizado em 10 de outubro de 2025 14:27
Com o recente episódio de intoxicações por metanol em bebidas falsificadas em São Paulo, resultando em diversos outros casos em várias regiões do país, o setor alimentício volta a debater a responsabilidade de empresários que comercializam produtos sem conhecimento de sua adulteração.
Sobre o assunto, o CDC, em seu art. 18, impõe ao fornecedor a obrigação de zelar pela qualidade dos itens expostos à venda, presumindo responsabilidade objetiva por defeitos que os tornem impróprios ao consumo.
Não há, portanto, isenção automática pela boa-fé: o empresário assume os riscos inerentes à atividade, devendo empregar cuidados necessários, como verificação de fornecedores e selos de autenticidade, para evitar danos à saúde pública.
Nessa linha, a conduta pode configurar crime contra as relações de consumo, previsto no art. 7º, inciso IX, da lei 8.137/1990, que pune a venda de mercadoria imprópria com detenção de dois a cinco anos ou multa, mesmo sem dolo direto, bastando a negligência.
Noutras palavras, tratar-se-ia de omissão imprópria, hipótese em que o sujeito, por ter dever legal de agir como garantidor da segurança dos produtos, responde pelo resultado danoso como se o tivesse causado ativamente.
Na prática, isso significa que um comerciante que adquire bebidas de fontes duvidosas, sem a diligência adequada, e as vende, pode ser responsabilizado criminalmente por condutas graves, como a exposição da vida ou saúde de outrem a perigo, delito previsto no art. 132 do CP - um tipo subsidiário que só é aplicado quando não tipificar crime mais grave.
Do mesmo modo, se a ingestão resultar em dano concreto, como lesões em órgãos vitais, pode-se cogitar a prática do crime de lesão corporal culposa - art. 129, §6º do CP -, com pena de detenção de dois meses a um ano, ampliando a accountability do empresário.
Nota-se, portanto, que a posição de garantidor decorre diretamente da sensibilidade da posição de gestor empresarial, sobretudo no setor alimentício, no qual o dever de cuidado é latente, exigindo vigilância constante a fim de proteger consumidores de riscos de danos irreparáveis, como a contaminação por substâncias controladas.
Contudo, não se pode ignorar a imprevisibilidade de adulterações sofisticadas, como o caso do metanol, substância de rigoroso controle pela ANP - Agência Nacional do Petróleo, cujo tratamento é extremamente regulado, o que pode não demandar, de modo absoluto, que o empresário anteveja fraudes criminosas.
Além disso, sanções administrativas do CDC, como multas por violação de normas de qualidade, reforçam a necessidade de equilíbrio, atenuando penas em casos de boa-fé comprovada por meio de auditorias e certificações.
Diante de cenários como esse, o compliance no varejo alimentício se consolida como ferramenta indispensável, com políticas de verificação de cadeia de suprimentos, treinamentos em detecção de fraudes e canais de alerta, prevenindo desvios e reduzindo a exposição a responsabilidade criminal.
Contudo, é igualmente importante preservar a viabilidade operacional da atividade, de forma que mecanismos de controle não se confundam com burocracia excessiva, mas auxiliem na tomada de decisão responsável.
Diante do exposto, considera-se que, em tempos de maior escrutínio regulatório, a responsabilidade penal por omissão se torna risco concreto para quem lida com bebidas e alimentos, de maneira que a dupla vigilância - sobre o que se faz e o que se deveria fazer - aliada a estruturas sólidas de compliance, são essenciais para mitigar riscos e fortalecer a confiança no setor.