Pensão especial para órfãos do feminicídio é regulamentada
Decreto 12.636/25 detalha critérios e procedimentos para concessão de pensão a menores órfãos em razão de feminicídio, com foco na proteção social.
domingo, 26 de outubro de 2025
Atualizado em 24 de outubro de 2025 14:33
A promulgação do decreto 12.636/25, que regulamenta a lei 14.717/23, representa um importante avanço no reconhecimento e na proteção de crianças e adolescentes órfãos em decorrência de feminicídio. A norma detalha os procedimentos, critérios e documentos necessários para a concessão da pensão especial a esses dependentes, consolidando um marco de justiça social e reparação simbólica.
O feminicídio, tipificado no ordenamento jurídico brasileiro pelo art. 121, §2º, VI, do CP, é reconhecido como a forma mais extrema de violência de gênero. As consequências desse crime extrapolam a vítima direta, atingindo de forma devastadora seus filhos e dependentes, muitas vezes privados de amparo material e emocional.
Atento a essa realidade, o legislador instituiu a lei 14.717/23, criando a pensão especial para órfãos do feminicídio. O decreto 12.636/25, publicado em setembro de 2025, veio regulamentar a matéria, detalhando a operacionalização do benefício, os critérios de renda e a documentação exigida.
A medida está em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e da proteção integral da criança e do adolescente (art. 227, CF/88), bem como com as diretrizes do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/1990).
De acordo com o decreto 12.636/25, o benefício é destinado a filhos ou dependentes menores de 18 anos cujas mães tenham sido vítimas de feminicídio. O texto também reconhece o direito de crianças e adolescentes órfãos de mulheres transgênero, reafirmando o caráter inclusivo e antidiscriminatório da norma.
Um dos principais critérios para concessão é a renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, parâmetro alinhado à política de benefícios assistenciais. O benefício é intransferível, não vitalício e não acumulável com outras pensões de natureza previdenciária, sendo facultado ao beneficiário optar pelo mais vantajoso.
O valor fixado é de um salário mínimo mensal, e, havendo mais de um beneficiário, o montante será dividido em partes iguais entre os dependentes habilitados.
A autarquia responsável pela análise e concessão é o INSS - Instituto Nacional do Seguro Social. O requerimento deve ser feito pelo representante legal do menor, mediante apresentação dos seguintes documentos:
- Comprovação da condição de dependente, por certidão de nascimento ou documento equivalente;
- Inscrição atualizada no CadÚnico, a ser renovada a cada 24 meses;
- Documentos judiciais ou administrativos que atestem o feminicídio, como auto de prisão em flagrante, denúncia do Ministério Público ou sentença condenatória transitada em julgado.
O decreto ainda veda expressamente que o autor, coautor ou partícipe do feminicídio atue como representante legal do menor para fins de requerimento ou administração do benefício, medida essencial para garantir a integridade e o interesse superior da criança.
A pensão especial perdura até que o beneficiário complete 18 anos de idade, sendo extinta também em casos de falecimento ou perda dos requisitos socioeconômicos. O INSS realizará revisões periódicas, especialmente quanto à atualização do CadÚnico e à manutenção dos critérios de renda.
Além disso, caso decisão judicial definitiva descaracterize o crime como feminicídio, o benefício poderá ser cessado, resguardando-se o devido processo legal e o contraditório.
A criação da pensão especial para órfãos do feminicídio reflete um avanço significativo na agenda de direitos humanos, reconhecendo a responsabilidade do Estado em mitigar as consequências sociais da violência de gênero. Trata-se de uma política pública de natureza reparatória e protetiva, que busca assegurar o mínimo existencial às crianças e adolescentes atingidos por esse tipo de crime.
Contudo, sua efetividade dependerá de ampla divulgação, capacitação dos agentes públicos e agilidade nos trâmites administrativos, de modo a garantir que o benefício chegue de forma célere e desburocratizada às famílias vulneráveis.
Também é fundamental a articulação entre órgãos de assistência social, justiça e segurança pública, assegurando a correta identificação dos casos e o acompanhamento psicológico e social dos beneficiários.
O decreto 12.636/25 consolida um importante instrumento jurídico de reparação social e proteção integral, oferecendo uma resposta concreta às vítimas indiretas do feminicídio. Mais do que um benefício financeiro, a pensão especial representa o reconhecimento estatal da gravidade do crime e de seus efeitos intergeracionais, reafirmando o compromisso constitucional com a dignidade, a igualdade e a justiça social.
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Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 16 jul. 1990.
BRASIL. Lei nº 14.717, de 31 de outubro de 2023. Institui pensão especial para filhos e dependentes menores de idade de vítimas de feminicídio. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 1 nov. 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14717.htm. Acesso em: 3 out. 2025.
BRASIL. Decreto nº 12.636, de 24 de setembro de 2025. Regulamenta a Lei nº 14.717/2023, que institui pensão especial para filhos e dependentes menores de idade de vítimas de feminicídio. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 25 set. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2025/Decreto/D12636.htm. Acesso em: 3 out. 2025.
BRASIL. Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 3 out. 2025.
GOVERNO DO BRASIL. Governo regulamenta pensão especial para órfãos do feminicídio. Brasília, 25 set. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2025/09/governo-do-brasil-regulamenta-pensao-especial-para-orfaos-do-feminicidio. Acesso em: 3 out. 2025.
AGÊNCIA GOV. Regulamentação da pensão especial reforça proteção a órfãos do feminicídio. Brasília, 25 set. 2025. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202509/governo-do-brasil-regulamenta-pensao-especial-para-orfaos-do-feminicidio. Acesso em: 3 out. 2025.


