MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. Novos medicamentos aprovados pela Anvisa e o dever de cobertura pelos planos de saúde

Novos medicamentos aprovados pela Anvisa e o dever de cobertura pelos planos de saúde

Os avanços da Anvisa em novos registros e indicações trazem esperança a pacientes com doenças graves. Entenda os impactos jurídicos e o dever de cobertura dos planos de saúde.

domingo, 26 de outubro de 2025

Atualizado em 24 de outubro de 2025 14:33

O cenário da saúde suplementar e da assistência farmacêutica está em constante evolução. A cada mês, a Anvisa aprova novos medicamentos e ampliações de indicação terapêutica que trazem esperança a pacientes com doenças graves ou até pouco-tratamente-exploradas.

Essa ocorrência reforça não só avanços médicos, mas também a necessidade de os beneficiários de planos de saúde estarem informados sobre quando têm direito a essas novas terapias - especialmente quando o plano de saúde recusa cobertura alegando "medicamento não previsto" ou "fora do rol da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar".

Neste artigo, vamos abordar o que são "novos medicamentos e indicações" conforme publicação da Anvisa e de que modo essa atualização importa para sua saúde do paciente usuário de plano de saúde.

1. A inovação farmacêutica e o papel da Anvisa

O procedimento de registro de novos medicamentos constitui etapa essencial para a disponibilização de terapias inovadoras no mercado brasileiro.

A aprovação pela Anvisa pressupõe avaliação técnica quanto à segurança, eficácia e qualidade, com base em estudos clínicos nacionais e internacionais, conforme disposto nos arts. 12 e 50 da lei 6.360/1976.

Assim, a fim de dar publicidade aos atos, a Anvisa, mantém a seção oficial intitulada "Novos Medicamentos e Indicações", dentro do portal gov.br.

Trata-se de um serviço público que divulga, de forma sistematizada, os registros sanitários de novos produtos farmacêuticos e as ampliações de uso terapêutico de medicamentos já comercializados, que receberam aprovação nos últimos meses.

O objetivo é garantir transparência regulatória e atualização contínua de profissionais de saúde, pacientes e operadores do Direito quanto às terapias que passam a integrar o mercado nacional com respaldo científico.

Esses registros representam a etapa final do processo regulatório sanitário e habilitam o uso clínico e a comercialização do medicamento no Brasil, legitimando a sua prescrição pelos médicos e, consequentemente, a obrigação de cobertura pelos planos de saúde.

Entre as aprovações mais recentes destacam-se:

  • Elahere® (Mirvetuximabe soravtansina) - indicado para câncer de ovário resistente à platina;
  • Lazcluze® (Lazertinibe) - inibidor de tirosina quinase para câncer de pulmão com mutação EGFR;
  • Enhertu® (Trastuzumabe deruxtecana) - anticorpo conjugado para câncer de mama HER2+;
  • Keytruda® (Pembrolizumabe) - novas indicações para tumores de cabeça e pescoço;
  • Trikafta® (Elexacaftor/Tezacaftor/Ivacaftor) - terapia tripla inovadora para fibrose cística.

Esses fármacos, uma vez registrados pela Anvisa, tornam-se legalmente disponíveis para prescrição e comercialização no território nacional, configurando a chamada "autorização sanitária plena".

2. Registro sanitário e o dever de cobertura pelas operadoras

O registro sanitário concedido pela Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária representa o reconhecimento formal de que determinado medicamento atende aos requisitos de segurança, eficácia e qualidade exigidos pela legislação sanitária brasileira.

Trata-se de um ato administrativo complexo que confere ao produto autorização de comercialização e uso terapêutico em território nacional.

Sob a ótica jurídica, esse registro é condição suficiente e necessária para a prescrição e a cobertura contratual de medicamentos no âmbito da saúde suplementar.

Uma vez reconhecido pela autoridade sanitária, o medicamento deixa de ser experimental e passa a integrar o conjunto de tecnologias disponíveis para o tratamento de doenças no país.

O STJ e diversos tribunais estaduais têm reiterado que o registro na Anvisa é o marco delimitador da obrigatoriedade de cobertura, afastando a possibilidade de negativa fundada apenas na ausência do medicamento no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.

O rol, de natureza administrativa e atualizada periodicamente pela resolução normativa 465/21, tem caráter exemplificativo e não exaustivo, servindo apenas como referência mínima de cobertura.

Em síntese, o registro sanitário na Anvisa cria presunção absoluta de eficácia e segurança, sendo suficiente para obrigar o plano de saúde ao custeio do tratamento prescrito, desde que haja indicação médica formal.

Embora o registro sanitário na Anvisa seja requisito indispensável para a comercialização e o uso terapêutico de um medicamento, ele não obriga, por si só, o custeio automático pelo plano de saúde.

A saúde suplementar é regida por legislação própria (lei 9.656/1998) e fiscalizada pela ANS, que define um rol de cobertura mínima obrigatória.

Diante de litígios sobre tratamentos fora desse rol, o STF reconheceu que o rol tem caráter exemplificativo, mas que a cobertura de terapias não listadas depende da análise de critérios técnicos complementares, como:

  • registro vigente na Anvisa;
  • comprovação científica de eficácia;
  • indicação médica fundamentada;
  • inexistência de alternativa terapêutica equivalente no rol;
  • e ausência de vedação expressa pela CONITEC ou pela própria ANS.

Em síntese, o registro sanitário é condição necessária, mas não exclusiva, funcionando como porta de entrada regulatória. Já os critérios definidos pelo STF operam como balizas de razoabilidade, equilibrando o direito individual à saúde com a sustentabilidade do sistema suplementar.

3. O impacto das novas terapias na saúde dos pacientes

A incorporação de novas terapias ao arsenal farmacológico brasileiro representa, antes de tudo, um marco civilizatório na efetivação do direito fundamental à saúde.

A cada novo registro concedido pela Anvisa, pacientes com doenças graves - muitas vezes sem alternativas terapêuticas eficazes - passam a ter uma nova perspectiva de vida, controle da doença e qualidade de sobrevida, valores que transcendem a dimensão técnica da medicina e alcançam o próprio núcleo da dignidade humana.

Sob o ponto de vista científico, as novas tecnologias terapêuticas (anticorpos conjugados, inibidores de tirosina quinase, terapias gênicas, imunoterapias personalizadas, entre outras) materializam o conceito de medicina de precisão.

Elas permitem tratar o paciente conforme o perfil molecular e genético do tumor ou da doença, rompendo com o modelo tradicional de terapias de efeito generalizado e toxicidade elevada.

O impacto clínico é mensurável: maior resposta tumoral, menor recorrência e significativa ampliação da sobrevida livre de progressão.

Mas o impacto jurídico e social dessas terapias é igualmente profundo. O registro sanitário concedido pela Anvisa, ato que atesta a eficácia e a segurança da nova tecnologia, transforma uma descoberta científica em um direito de acesso. A partir desse momento, o medicamento passa a integrar o sistema terapêutico nacional, e o paciente, enquanto consumidor e sujeito de direitos, adquire legitimamente a expectativa de recebê-lo de seu plano de saúde, sempre que houver indicação médica fundamentada.

Assim, a inovação científica não é apenas um avanço biomédico, mas um dever de efetividade do Estado e das operadoras privadas, que participam da engrenagem constitucional de promoção da saúde.

Nesse contexto, negar cobertura a terapias registradas na Anvisa é retroceder do ponto de vista jurídico, ético e científico. Significa transformar o contrato de assistência em instrumento de exclusão, e não de proteção.

O art. 35-F da lei 9.656/1998 impõe às operadoras a obrigação de garantir cobertura de todas as doenças listadas pela Organização Mundial da Saúde, cabendo apenas à Anvisa avaliar a segurança dos tratamentos disponíveis - não à operadora ou a comitês internos de auditoria médica.

Além disso, o CDC, ao estabelecer a responsabilidade objetiva do fornecedor (art. 14) e a nulidade de cláusulas que restrinjam direitos essenciais (art. 51, IV e §1º), reafirma o caráter protetivo da regulação.

O paciente, parte vulnerável na relação contratual, confia na operadora como parceira terapêutica - e essa confiança deve ser tutelada pelo Direito.

O impacto dessas novas terapias também deve ser analisado à luz da temporalidade da vida humana.

Enquanto o processo administrativo de atualização do rol da ANS ocorre em ciclos anuais ou semestrais, a evolução de um câncer metastático se mede em semanas.

A lentidão burocrática não pode ser argumento para negar acesso a uma tecnologia já reconhecida pela autoridade sanitária.

Por fim, o impacto das novas terapias transcende o indivíduo e alcança a coletividade.

O acesso efetivo às inovações médicas reduz internações prolongadas, evita tratamentos paliativos de alto custo e gera economia global ao sistema de saúde - público e privado , reafirmando que garantir o direito à medicação moderna não é custo, mas investimento em saúde pública.

4. Conclusão: inovação, regulação e a efetividade do direito à saúde

O registro de novos medicamentos pela Anvisa não é apenas um ato administrativo; trata-se de marco jurídico-regulatório que confere legitimidade à prescrição médica e cria deveres vinculantes às operadoras de planos de saúde.

Ignorar tais registros é negar o avanço científico e fragilizar o direito à saúde, transformando o contrato de assistência médica em instrumento de restrição, e não de proteção.

A integração entre o direito regulatório sanitário e o direito do consumidor é, portanto, indispensável para a efetivação do acesso às terapias inovadoras.

Cabe à advocacia especializada atuar como vetor dessa ponte - garantindo que o paciente tenha acesso à medicação que o Estado já reconheceu como segura, eficaz e necessária.

Como já se disse, o tempo é fator de cura, e o direito à saúde é incompatível com a espera.

Aline Vasconcelos

VIP Aline Vasconcelos

Advogada especialista em Direito da Saúde, com 15 anos de experiência na defesa de pacientes contra planos de saúde e na garantia de acesso a tratamentos e direitos essenciais.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca