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Georreferenciamento segue obrigatório com a suspensão da certificação do INCRA?

Prazo para certificação no INCRA foi prorrogado por 4 anos, passando a ser obrigatória somente em 2029. No entanto, exigência de georreferenciamento de imóveis rurais continua vigente.

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Atualizado às 14:29

O decreto 12.589, publicado no Diário Oficial da União em 21/10/25, suspendeu a obrigatoriedade para as certificações de inexistência de sobreposição de área no cadastro do SIGEF/INCRA em relação aos imóveis rurais. O prazo que se findaria no mês de novembro de 2025 e tornaria obrigatória a certificação para todos os imóveis rurais, foi prorrogado por 4 anos. Com o advento do decreto presencial, como regra, dispensou-se a certificação do georreferenciamento dos imóveis rurais perante o INCRA (independentemente do tamanho do imóvel). Assim, a certificação somente voltará a ser obrigatória a partir de 21/10/2029.

O decreto foi assinado pelo presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, vice-presidente do Brasil. "Assinei o decreto porque esta semana venceria o prazo para o georreferenciamento das propriedades rurais. Isso dá um prazo mais longo para que todos possam se adequar à lei e promover o georreferenciamento", explicou Alckmin.1

A fala do vice-presidente demonstra a confusão jurídica feita pelos políticos - e até mesmo entre alguns profissionais do Direito - diante dos conceitos de georreferenciamento (técnica que determina a localização, forma e dimensão de um imóvel com coordenadas geodésicas) e de certificação do georreferenciamento no INCRA (cadastro unilateral e autodeclaratório que atesta que os limites georreferenciados de um imóvel rural não se sobrepõem a outros previamente inscritos na mesma plataforma do governo). As duas coisas se relacionam, porém, não se confundem.2

Em outras palavras, é preciso discernir o que é o "georreferenciamento" e o que é a "certificação do georreferenciamento", visto que tão somente esta última que teve sua exigência prorrogada ou suspensa.3

Dito isso, precisamos relembrar brevemente o histórico de exigências da certificação da poligonal dos imóveis rurais georreferenciados no INCRA para refletir se, de fato, havia a necessidade de maior prazo para que os produtores rurais e os players do agronegócio pudessem "se adequar à lei". Em continuidade, poderemos analisar o que realmente mudou com a expedição deste decreto, a partir de uma leitura sistemática e teleológica da legislação.

A certificação do georreferenciamento de imóveis rurais perante o INCRA é obrigatória por força da lei 10.267, de 2001, que alterou lei 6.015/1973 (lei de registros públicos), estabelecendo que "nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais", ou, ainda, "em qualquer situação de transferência de imóvel rural" e, nas situações que decorram de "autos judiciais que versem sobre imóveis rurais", caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às respectivas exigências técnicas. Essa certificação da poligonal atualmente é realizada na plataforma eletrônica denominada SIGEF - Sistema de Gestão Fundiária, devendo observar "os prazos fixados em decreto presidencial" (art. 173, §§ 3º e 4º e art. 225, § 3º).

O decreto 4.449, de 2002, fixou de forma escalonada e cronológica os prazos para a certificação dos georreferenciamentos. As exigências para a certificação no INCRA levavam em conta o tamanho do imóvel rural em hectares, de modo que se iniciou exigindo a certificação para imóveis com área igual ou superior a 5.000 hectares, a partir de 2003, passando-se a exigir a certificação gradualmente, ao longo dos anos, para imóveis com 1.000, 500, 250, 100 e 25 hectares.

A partir do final deste ano de 2025, a exigência deveria ser generalizada, tornando obrigatória a certificação do georreferenciamento perante o INCRA para todos os imóveis rurais, independentemente do seu tamanho. Tal situação, em tese, não geraria maiores modificações para a grande maioria dos proprietários de imóveis rurais, visto que a obrigatoriedade de certificação do georreferenciamento no INCRA já era vigente desde 2023 para imóveis com área de apenas 25 hectares, o que demonstra que tanto os latifundiários como também os pequenos produtores vinham conseguindo cumprir a regra da certificação sem maiores dificuldades.

Ademais, importante destacar que o fato de o imóvel não estar certificado no INCRA mesmo estando dentro dos parâmetros exigidos para certificação não o tornaria irregular de forma automática. Tal situação apenas exigiria que, quando realizasse a transmissão da propriedade ou algum parcelamento do imóvel, o proprietário então fizesse o seu georreferenciamento e a sua certificação. Caso não alienasse, retificasse ou parcelasse o seu imóvel, não precisaria realizar o georreferenciamento nem tampouco a certificação perante o INCRA, visto que não se enquadraria nas hipóteses normativas de exigência.

Interessante notar que a necessidade de "um prazo mais longo para que todos possam se adequar à lei e promover o georreferenciamento", conforme expressado por Alckmin, é uma justificativa política (com um verniz jurídico) que não se sustenta sob o ponto de vista da lógica. O escalonamento lento e gradual operado pelo decreto presidencial original, cuja implementação foi se dando em mais de duas décadas, tinha justamente por finalidade permitir que todos (proprietários, profissionais técnicos, registradores de imóveis e o próprio INCRA) se adequassem à sistemática de certificação dos georreferenciamentos, não havendo motivos para novos prazos.

Vale frisar, ademais, que a ampliação de prazos para a certificação do georreferenciamento no INCRA não é nenhuma novidade, visto que já tivemos três outros precedentes, com as prorrogações determinadas pelos decretos 5.570/05, 7.620/11 e 9.311/18. Agora, no ano de 2025, o decreto 12.589 contempla uma quarta prorrogação. Esta última, porém, é diferente das demais, visto que mais do que apenas uma ampliação de prazos, é um verdadeiro adiamento ou suspensão das certificações, inclusive deixando de exigi-las para imóveis cuja obrigatoriedade de certificação da poligonal no INCRA já estava vigente há mais de duas décadas, desde a entrada em vigor do decreto 4.449.

Com efeito, por exemplo, diante da atual redação do decreto, a regra geral passou a ser de que um imóvel com 5, 10, 20 ou 50 mil hectares não precisa mais ter sua certificação no INCRA (pelo menos até 2029). A par disso, até alguns dias atrás essa exigência estava em plena vigência, inclusive, para imóveis com apenas 25 hectares, sendo o seu adiamento um verdadeiro retrocesso nas políticas de governança fundiária do país.

Sobre esse primeiro ponto, no entanto, podemos especular que pesou muito na decisão para a expedição do decreto presidencial o fato de existirem projetos de lei tramitando no Congresso Nacional estabelecendo uma prorrogação para a certificação do georreferenciamento. Os PLs 4.497/24, 1.294/25 e 1.664/25, todos da Câmara dos Deputados e alinhados aos interesses da bancada ruralista ou do agronegócio, buscavam prorrogar esses prazos por lei. Como eventual aprovação de lei stricto sensu impediria o Poder Executivo de doravante ter o controle sobre os prazos para a certificação dos imóveis rurais junto ao INCRA, ao que tudo indica, foi "conveniente e oportuna" a aprovação do decreto para amainar a vontade parlamentar de aprovação dos textos legislativos.

De outro lado, precisamos entender o alcance do decreto 12.689/25, o qual, regulando a fiel execução da lei, não pode inovar no mundo jurídico nem adentrar na esfera de competência de outras atividades, como é o caso dos registros de imóveis, regulados pelo CNJ.

Assim, observada a distinção entre "georreferenciamento" e "certificação do georreferenciamento" feita neste artigo, precisamos deixar claro que o decreto apenas atinge as normas aplicáveis a este último. Não há que se falar em uma dispensa, suspensão, prorrogação ou adiamento da obrigatoriedade da realização de levantamentos técnicos georreferenciados para a descrição de imóveis.

Aliás, ao contrário, a forma pela qual os trabalhos técnicos de levantamento descritivo de imóveis devem ser realizados está amplamente regulada em norma reguladora da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas. A NBR 17.047:2022 regulamenta as exigências referentes aos trabalhos técnicos para levantamento topográfico de imóveis e de suas parcelas, normatizando a compulsoriedade do georreferenciamento como técnica a ser observada pelos profissionais que levam as suas peças de topografia para inscrição no registro público, motivo pelo qual, desde a expedição dessa norma administrativa, mesmo os imóveis rurais dispensados da certificação da poligonal junto ao SIGEF/INCRA, devem ser georreferenciados.

Interessante notar que a NBR 17.047 regulamenta e exige o levantamento georreferenciado para todos os imóveis quando apresentado trabalho técnico perante o registro imobiliário.4 Outrossim, a obrigatoriedade de observância das normas da ABNT decorre expressamente da própria lei. Segundo o art. 39, inciso VIII, do CDC, quaisquer produtos ou serviços - incluindo-se, aqui, os serviços de geomensura de imóveis e os produtos decorrentes de plantas e memoriais - devem observar as normas específicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas para serem colocados no mercado.

Ademais, o recente provimento 195/25, do CNJ, foi expresso ao regulamentar o tema, deixando clara a necessidade de georreferenciamento dos imóveis, sobretudo os imóveis rurais, para o cumprimento da especialidade objetiva (correta descrição do imóvel na matrícula) perante o registro de imóveis.

Apenas para exemplificar, a ementa do provimento 195, em seus "Considerandos" preceitua que o registrador de imóveis deve fazer o controle da malha imobiliária, a qual "... depende da análise técnica dos polígonos dos imóveis descritos no fólio real com coordenadas geodésicas, mediante implementação de um Sistema de Informações Geográficas (SIG), permitindo que os oficiais de registro de imóveis verifiquem a exata localização e descrição dos imóveis georreferenciados, formando um mosaico dos imóveis registrados na serventia predial". De igual modo, outro "Considerando", inclusive, prevê expressamente a observância por parte dos registradores do "disposto na NBR ABNT 17.047:2022".

Diversos dispositivos do regulamento do CNJ, outrossim, vão ao encontro da exigência de georreferenciamento, a exemplo dos arts. 343-C (conferência do inventário registral dos imóveis georreferenciados), 343-F (alimentação do sistema de informações geográficas por meio dos imóveis com coordenadas geodésicas), 343-J (oferecimento de serviços de publicidade eletrônica, estruturada e georreferenciada), 440-AQ (exigência expressa de georreferenciamento para os imóveis rurais), 440-AX (retificação de área), 440-AY até 440-BA (análise de sobreposição de área entre imóveis georreferenciados), 440-BD (análise de erros na descrição georreferenciada), dentre outros, todos incluídos no CNN/CN/CNJ-Extra - Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial.

O principal dispositivo da norma do CNJ que deixa extremamente clara a necessidade de georreferenciamento para todos os imóveis rurais é o art. 440-AQ do Código Nacional de Normas. Seu texto determina expressamente que constitui informação obrigatória na matrícula imobiliária a descrição perimetral mediante georreferenciamento para "os imóveis rurais, com obrigatoriedade de prévia certificação da poligonal no INCRA", bem como para "os demais imóveis rurais, caso em que a certificação da poligonal no INCRA é facultativa, a critério do interessado" (art. 440-AQ, III, a e b).5

Embora a "certificação do georreferenciamento no INCRA" tenha passado a ser facultativa na maioria dos casos, compete ao registrador de imóveis exigir o "georreferenciamento" dos imóveis rurais, ficando a critério do proprietário do imóvel rural, até 2029, optar por certificar ou não esse georreferenciamento no Sistema de Gestão Fundiário da autarquia Federal.

Em outras palavras, conquanto a exigência de certificação do georreferenciamento no INCRA, como regra, esteja suspensa, a exigência de georreferenciamento rural continua vigente e plenamente aplicável. No caso dos procedimentos realizados perante o registro imobiliário, outrossim, compete aos profissionais responsáveis pelo georreferenciamento incluírem os trabalhos técnicos no SIG-RI - Sistema de Informações Geográficas do Registro de Imóveis, conhecido como MAPA.

Certo é, pois, que não podemos confundir alhos com bugalhos. Se, por um lado a certificação da poligonal no INCRA se tornou facultativa até 2029, por outro, a exigência de georreferenciamento para a realização de transferências, desmembramentos, parcelamentos, unificações etc. continua válida e deve ser objeto de qualificação registral em todos os cartórios de registro de imóveis brasileiros.

________________

1 https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2025/10/presidente-em-exercicio-amplia-em-quatro-anos-a-obrigacao-de-georreferenciamento-em-propriedades-rurais

2 Sobre a diferença entre georreferenciamento e certificação no INCRA, ver nosso artigo. https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/438388/georreferenciamento-certificacao-no-incra-e-retificacao-de-area

3 Vale frisar que a certificação do georreferenciamento no INCRA deve continuar sendo exigida em ao menos dois casos: (a) identificação de imóveis rurais decorrentes de processos judiciais, na forma do art. 2º, do Decreto nº 5.570, de 2005 (por exemplo, usucapião, demarcatória, divisão, discriminatória etc.); e (b) em relação aos imóveis rurais já certificados e levados a registro, caso em que novas retificações de área, desmembramentos, unificações ou outras formas de parcelamento devem ser feitas mediante a apresentação de novo georreferenciamento e certificação.

4 Sobre a exigência de georreferenciamento tanto para imóveis rurais como para imóveis urbanos, ver nosso artigo. https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/390431/lei-de-georreferenciamento-urbano

5 Eventuais entendimentos administrativos das Corregedorias Gerais de Justiça, no sentido de somente exigir georreferenciamento em casos de certificação perante o INCRA, encontram-se superados diante da norma administrativa do CNJ. Conforme art. 6º do Prov. 195/2025: "As corregedorias-gerais de Justiça dos estados e do Distrito Federal deverão promover a revogação ou a adaptação das normas locais que contrariarem as regras e diretrizes constantes no presente provimento".

Jean Mallmann

VIP Jean Mallmann

Tabelião e Registrador do 1º Tabelionato de Notas e Registro de Imóveis de Posse/GO. Mestre em Direito (UNIFG), Mestre em Direito das Relações Internacionais (UDE, Uruguai) e Mestre em Políticas Sociais e Cidadania (UcSal). Doutorando em Direito (IDP) e Doutorando em Território, Ambiente e Sociedade (UcSal). Especialista em Direito Notarial e Registral, Constitucional, Tributário e Processual Civil.

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