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Manifesto pela sustentabilidade do mercado regulado de apostas com uma tributação ponderada

A proposta da CIDE-Bets ameaça o mercado de apostas regulado, podendo estimular a ilegalidade, reduzir investimentos e comprometer a proteção ao consumidor.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Atualizado em 31 de outubro de 2025 07:47

Este artigo tem como objetivo analisar a proposta de emenda ao PL 1.087/25 que busca instituir a CIDE-Bets. Sua reflexão, contudo, vai além. Servirá como alerta para quaisquer situações nas quais o Estado pretenda criar ou ampliar tributos de forma precipitada, sem compreender a dinâmica do mercado objeto de tributação.

Resumidamente, a emenda propõe uma CIDE-Bets de 15% sobre os aportes realizados por quaisquer meios para as contas dos apostadores em plataformas de apostas virtuais de quota fixa. A análise do projeto, entretanto, implica potenciais problemas técnicos, jurídicos, econômicos e sociais, além de representar uma ameaça concreta ao ambiente de jogo responsável.

Do ponto de vista técnico, o texto traz imprecisões importantes. A base de cálculo da nova contribuição corresponderia a "aportes realizados por quaisquer meios para as contas dos apostadores em plataformas de apostas virtuais de quota fixa", enquanto a Constituição Federal determina que as contribuições de intervenção no domínio econômico incidam sobre o "faturamento", a "receita bruta" ou o "valor da operação".

Pergunta-se: o que seriam os tais dos "aportes" tributáveis pela CIDE-Bets? Seriam os prêmios pagos aos apostadores? O pagamento de prêmio seria a "operação" tributada? As imprecisões trazidas no texto necessariamente gerarão relevantes e nunca desejados contenciosos. De um ponto de vista técnico, muito haveria de se repensar no desenho deste novo tributo.

Ademais, para além da perspectiva técnico-jurídica, a proposta da CIDE-Bets surge em momento absolutamente inoportuno. O mercado brasileiro de apostas, recém-regulamentado, começa a dar sinais de amadurecimento, atraindo investimentos, gerando empregos e ampliando sua contribuição fiscal. Até junho de 2025, foram arrecadados R$ 3,8 bilhões em tributos e R$ 2,14 bilhões em destinações legais. Qualquer tributação adicional pode comprometer a consolidação e a sustentabilidade de um ecossistema que só se formou a partir de janeiro de 2025.

Vale lembrar que, desde 2018, quando a legislação autorizou as apostas de quota fixa1, até 2023, com a publicação da lei 14.7902, o Brasil viveu um período de "terra de ninguém". Um mercado legalizado, porém não regulamentado, que cresceu sem as garantias necessárias aos consumidores brasileiros, vez que ausentes os necessários freios e contrapesos regulamentares.

Ao longo de mais de 5 anos, o Estado Brasileiro deixou de arrecadar bilhões de reais em tributos que contribuiriam não apenas para o equilíbrio fiscal do país, mas também na promoção de salvaguardas aos apostadores. No mesmo período, observou-se grande investimento em campanhas publicitárias envolvendo ídolos do esporte nacional3 e uma significativa proporção de clubes de futebol das séries A e B, fato que consolidou o Brasil, em 2021, como o terceiro maior mercado mundial de apostas online, atrás apenas do Reino Unido e dos Estados Unidos4.

A partir de 2024, iniciou-se a fase de transição, com a criação de uma secretaria específica (SPA - Secretaria de Premios e Apostas), a edição de mais de 50 normas (portarias, decretos e instruções normativas)5. Foram criados deveres e direitos claros com fins a garantir (i) investimento no país, (ii) geração de empregos em diferentes níveis, (iii) combate à lavagem de dinheiro, (iv) implementação de mecanismos de jogo responsável, e, (v) proteção ao apostador e monitoramento para coibir manipulação de resultados. A integridade dos jogos, aliás, foi tema discutido amplamente em CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados, com contundente conclusão: o controle estatal é fundamental para assegurar lisura, segurança e correta arrecadação tributária6.

Desde 1º de janeiro de 2025, o setor opera sob uma carga tributária elevada, quando comparada a outros prestadores de serviços. Além do pagamento de licença de R$ 30 milhões (por 5 anos) e da tributação corporativa sobre os lucros (34% de IRPJ/CSLL), as empresas estão sujeitas ao PIS/COFINS (de 9,25% na sistemática não-cumulativa) e ISS (de 2% a 5%), além das destinações legais (12%), totalizando, somente sobre a receita bruta, uma carga nominal aproximada de 26,25%, antes mesmo da obtenção de qualquer lucro líquido para os Operadores. Este cenário representa um salto significativo em relação a 2024, quando a arrecadação era inexistente (0%).

Recentemente, uma MP7 foi editada para propor o aumento das destinações legais em 50%, de 12% para 18%. Perdeu sua eficácia por falta de apreciação pelo Congresso no prazo constitucional e, infelizmente, já se tem notícias de novas investidas tributárias ainda mais escandalosas, que desconsideram o oneroso cenário tributário acima descrito.

As projeções mostram então que a carga poderá chegar a 40% em 2033 (12% de destinações e 28% de IBS/CBS), ao final da transição da reforma tributária, sem considerar a tributação corporativa (IRPJ e CSLL, de 34%) e o futuro Imposto Seletivo, cuja alíquota ainda não foi definida.

Nesse ambiente, afigura-se perigoso (e quiçá desnecessário e inútil) discutir a inclusão da CIDE-Bets ou de tributo similar, cujo resultado, ao invés de se consolidar um setor crescente, será o de sufocá-lo antes mesmo de atingir sua maturidade, fomentando o crescimento da ainda significativa parcela do mercado ilegal de apostas online.

Importante aprendermos com os acertos e, principalmente, erros do mercado internacional.

Após quase uma década de mercado regulado, a Colômbia introduziu uma alíquota de 19% sobre depósitos de jogadores. Em apenas dois meses, tal medida provocou uma queda de aproximadamente 30% no volume de apostas legais8, com a consequente migração de jogadores para o mercado ilegal, esvaziando a finalidade da regulação do mercado e incentivando o modelo "terra de ninguém".

No Brasil, estima-se que mais de 40% do mercado de apostas ainda seja dominado por operadores ilegais9. Assim, tomando como base a experiência colombiana, com a CIDE-Bets arrisca-se jogar o mercado brasileiro, mais uma vez, na mão de operadores ilegais. Vejam as projeções abaixo:

Gráfico, Gráfico de barras

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.Gráfico, Gráfico de barras

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

O cenário de excesso tributário não apenas quebrará o virtuoso ciclo de implementação de freios e contrapesos regulamentares como também, não servirá de garantia de aumento de arrecadação, como se verifica em outros países, como já citado. Sem falar que ao incentivar a desregulação, afastam o tão almejado objetivo de promover o jogo responsável e oferecer todas as salvaguardas necessárias para os consumidores brasileiros.

Como lembra David Weisbach, "para que a tributação alcance seus objetivos sociais, é necessário primeiro perguntar por que tributar determinada atividade, antes de definir como fazê-lo"10. No caso, a tributação excessiva definitivamente não terá o efeito indutor de eliminar a prática do jogo.

No caso da proposta de CIDE-Bets, o que se verifica é que sequer há tempo útil de mercado que possibilite uma análise concreta da sua real necessidade (e, de novo, utilidade para o fim que se propõe), sendo certo que a experiência internacional demonstra que medidas semelhantes (e desconectadas da realidade do setor) devem levar o país ao vácuo regulatório do período "terra de ninguém".

Quando um setor recém-estruturado é surpreendido por carga tributária inesperada, a sensação de insegurança jurídica e de ambiente de negócios é motivo de afastamento dos investidores nacionais e internacionais que tenham objetivos sérios e estejam comprometidos com seus consumidores.

Operadores legalizados instalados no Brasil (.bet.br) terão de rever seus planos de expansão, suspendendo investimentos em marketing, patrocínios esportivos e, quem sabe, suas operações locais. No curto prazo, os jogadores migrarão para operadoras ilegais. No médio e longo prazos, o mercado regulado encolherá, e consequentemente (i) serão majorados os riscos de ludopatia, (ii) se verificará o fim (ou drástica redução) de importantes investimentos que têm sido feitos por meio de patrocínio do esporte, (iii) haverá redução de controles e fiscalização contra a manipulação de resultados esportivos e, (iv) finalmente, ocorrerá indesejada redução da arrecadação (por esvaziamento da atividade regular e sonegação dos ilegais) de tributos. Quem pagará essa conta será sempre a sociedade brasileira.

Arrecadar não pode ser o único objetivo do Estado, principalmente por meio da instituição de uma CIDE, cujo objetivo é (ou deveria ser) parafiscal, não fazendo sentido que seja utilizada como meio de desestímulo à regulação do setor.

Tributar por tributar, sem clara definição do que se busca e dos reais impactos do aumento da tributação, implica corrosão de credibilidade de todo o regime regulatório. O exemplo da Colômbia é emblemático: estímulo ao mercado ilegal e enfraquecimento do setor formal. Repetir esse erro no Brasil seria imprudente e um evidente retrocesso.

Insistir no aumento da carga tributária, sem qualquer ponderação, afeta a sustentabilidade do setor e atrai o retorno do cenário passado de "terra de ninguém", justamente quando o Brasil é exemplo na implementação, regulamentação e tributação de serviços online dos mais variados.

O vácuo regulatório que a SPA pôs fim não pode ser ameaçada por uma medida meramente arrecadatória de curto prazo, punindo o mercado regulado, jogando milhões de jogadores no colo da ilegalidade, sem quaisquer controles e totalmente fora do alcance de qualquer incidência tributária.

O momento é de lutar para defender o mercado regulado, dificultar o acesso dos ilegais, reduzindo a exposição dos consumidores ao risco da falta de regras e ampliando a arrecadação, sim, com base no aumento do setor que assegura o jogo responsável e é pagador de tributos. Seguimos com a fé de que os brasileiros poderão fazer sua "fezinha", que já faz parte da cultura brasileira, com segurança e garantias.

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Artigo escrito em parceria com: Anna Carolina Ribeiro, Alexandre Araújo, Anderson Caresma, Daniel Eskinazi, Fernanda Faria, Gabriel Romão, João Vitor Alves, José Francisco Manssur, Juliana Gavineli, Kessya Curvo, Leonardo Venancio, Lourenço Mesquita, Luiz Moraes, Manuela Picabea, Maurício Farias, Tagiane Gomide Guimaraes, Tatiane Silva, Victor Reis, Victor Targino e Ygor Myrrha, todos integrantes do BetTax Brasil.

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1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13756.htm

2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm

3 https://igamingbrazil.com/aposta-esportiva/2024/08/08/influencia-celebridades-apostas-online/

4 https://istoedinheiro.com.br/brasil-e-o-terceiro-pais-que-mais-consome-sites-de-apostas

5 https://www.gov.br/fazenda/pt-br/composicao/orgaos/secretaria-de-premios-e-apostas/apostas-de-quota-fixa/legislacao

6 Parte III - Conclusões, Pag 228, disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2330350

7 Art 61 da MP 1,303/2025, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/mpv/mpv1303.htm

8 https://igamingbusiness.com/legal-compliance/regulation/online-ggr-fecoljuegos-vat-introduction/

9 https://static.poder360.com.br/2025/06/LCA_IBJR_Dimensionamento_Mercado_ilegal.pdf

10 David A. Weisbach, "The (Non)Taxation of Risk" (John M. Olin Program in Law and Economics Working Paper No. 203, 2004)

Ana Carolina Monguilod

Ana Carolina Monguilod

Sócia do escritório CSMV Advogados

Anna Carolina Ribeiro

Anna Carolina Ribeiro

Contadora especializada pela Advanced Diploma of International Taxation (ADIT).

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