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Penhora de imóvel e a aplicação relativizada do princípio da continuidade registral

Como compatibilizar a efetividade da execução com a continuidade registral? Precedente do TJ/SP admite penhora integral de imóvel em cotas condominiais com intimação dos coproprietários.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Atualizado às 09:34

A relação entre o processo executivo e o sistema registral tem sido objeto de constantes debates na doutrina e na jurisprudência, especialmente quando envolve a constrição de bens imóveis. O desafio consiste em harmonizar a efetividade da execução com os limites impostos pela técnica registral, cuja função primordial é garantir segurança e estabilidade às relações jurídicas. Nesse contexto, o Conselho Superior da Magistratura do TJ/SP, ao julgar a apelação 0019910-77.2012.8.26.0071, proferiu decisão de grande relevância prática, ao admitir a possibilidade de penhora integral de imóvel, ainda que nem todos os coproprietários figurem no polo passivo da execução, desde que observada a intimação formal dos titulares registrais.

O princípio da continuidade registral, pilar do Direito Registral brasileiro, estabelece que nenhum ato pode ingressar no fólio real sem que haja correspondência com o registro anterior. Em outras palavras, o encadeamento dos atos deve ser lógico e ininterrupto, de modo que apenas quem consta como proprietário possa transferir, onerar ou sofrer constrição em relação ao imóvel. Todavia, o Conselho Superior da Magistratura reconheceu que esse princípio, embora essencial, não é absoluto e deve ser aplicado de forma compatível com a natureza da obrigação executada e com a finalidade do processo.

A controvérsia analisada envolvia execução de cotas condominiais, cujo crédito possui natureza propter rem, ou seja, está vinculado diretamente ao bem, e não à pessoa do devedor. O art. 1.345 do CC consagra expressamente essa característica ao dispor que "o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios". Trata-se de obrigação que acompanha o imóvel, independentemente da titularidade ou da existência de copropriedade, o que confere legitimidade à penhora da totalidade do bem.

O Conselho destacou que o respeito ao princípio da continuidade se satisfaz mediante a intimação prévia e formal de todos os coproprietários e promitentes doadores, conforme o art. 799, inciso IV, do CPC, que prevê a necessidade de cientificar terceiros juridicamente interessados quando houver risco de atingimento de seus direitos. Essa providência, de caráter processual e registral, assegura a ampla defesa, previne nulidades e preserva a regularidade do ato, sem comprometer a efetividade da execução.

Essa releitura revela uma evolução interpretativa do sistema registral. A continuidade não deve ser vista como obstáculo formal à satisfação do crédito, mas como instrumento de coerência e transparência, desde que garantida a ciência dos titulares tabulares. O que se busca é a compatibilização entre a segurança jurídica do registro e a finalidade executiva do processo. Negar a possibilidade de penhora integral, nessas hipóteses, equivaleria a esvaziar a própria natureza da obrigação condominial, que tem como sujeito passivo o bem, e não apenas a pessoa física do devedor.

Importa distinguir, ainda, os atos voluntários dos atos judiciais. Enquanto a aquisição ou a alienação voluntária de imóvel depende da manifestação de vontade dos proprietários e da formalização adequada perante o registro de imóveis, a penhora judicial decorre de determinação jurisdicional vinculada à satisfação de obrigação legalmente exigível. A exigência de unanimidade ou anuência de todos os coproprietários, nesses casos, seria incompatível com o princípio da efetividade processual e com a própria lógica das obrigações propter rem.

Sob o ponto de vista prático, o precedente fornece orientação segura à advocacia especializada em demandas condominiais. Recomenda-se que, em toda execução dessa natureza, seja requerido expressamente o cumprimento do art. 799, IV, do CPC, com a intimação dos coproprietários e promitentes doadores antes da efetivação da penhora. Essa providência, além de reforçar a legalidade do ato, antecipa eventual exigência do registro imobiliário e previne discussões sobre nulidades processuais. Trata-se de medida que alinha a atuação advocatícia às exigências formais e garante maior estabilidade jurídica à execução.

Em conclusão, o entendimento firmado pelo Conselho Superior da Magistratura do TJ/SP consolida importante avanço na aplicação conjunta do Direito Registral e do Processo Civil. Ao reconhecer que o princípio da continuidade pode conviver com a efetividade executiva, o Tribunal reafirma que a segurança jurídica não se confunde com formalismo excessivo. A decisão projeta uma visão moderna do sistema registral, em que a técnica se coloca a serviço da finalidade, e não o contrário. Assim, a penhora integral do imóvel, devidamente precedida da intimação dos titulares tabulares, traduz uma aplicação equilibrada dos princípios da legalidade, da efetividade e da função social do processo.

Thyago Garcia

VIP Thyago Garcia

Advogado, Sócio-Fundador do escritório "Garcia Advogados", Diretor da OAB/PG, pós-graduado em Direito do Trabalho e em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/UniSantos.

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