Nubank e o debate sobre o home office: Por que a empresa age dentro de sua autonomia de gestão
Funcionários do Nubank pedem manutenção do home office e recontratações, mas a revisão de políticas é legal e reflete gestão estratégica e governança corporativa.
segunda-feira, 24 de novembro de 2025
Atualizado em 21 de novembro de 2025 12:58
A recente divulgação de um manifesto interno por parte de um grupo de funcionários do Nubank, defendendo a manutenção integral do home office e a recontratação de colaboradores desligados, reacendeu a discussão sobre os limites e responsabilidades das empresas na revisão de políticas de trabalho. No entanto, do ponto de vista jurídico e de governança corporativa, o movimento do banco digital encontra respaldo claro na autonomia de gestão empresarial, princípio central na administração de negócios de qualquer porte.
Ao longo dos últimos anos, o Nubank se consolidou como uma das organizações mais flexíveis do país, adotando modelos remotos e híbridos de forma abrangente. Entretanto, grandes empresas que escalam operações em ritmo acelerado costumam passar por ciclos periódicos de revisão de processos, modelos de trabalho, organogramas e rotinas. Essas reavaliações não apenas são legítimas como necessárias à continuidade do negócio, especialmente em setores dinâmicos como o de tecnologia.
A legitimidade da revisão do modelo de trabalho
Rever políticas internas, alterar rotinas de trabalho e até retomar atividades presenciais são decisões que integram a chamada governança legítima da empresa. No caso do Nubank, a revisão do home office ocorre dentro de um contexto de maturação organizacional e ajustes estratégicos esperados após anos de forte expansão.
Do ponto de vista jurídico, não há qualquer irregularidade no redirecionamento de equipes para modelos presenciais ou híbridos desde que respeitadas as normas legais relativas ao teletrabalho. A legislação brasileira, inclusive, estabelece como suficiente o aviso prévio de 15 dias para alteração da modalidade (art. 75-C da CLT). No caso do Nubank, o prazo informado aos colaboradores, com início apenas em julho de 2026, vai além do mínimo legal, evidenciando previsibilidade e planejamento.
Decisões desse tipo normalmente são precedidas de análises técnicas que envolvem desempenho de áreas, exigências regulatórias, impacto em resultados, comportamento do mercado e metas de longo prazo. São escolhas estratégicas que integram a gestão de riscos e a busca pela eficiência operacional.
Demissões e recontratações: Não há obrigação legal
O manifesto interno divulgado também solicita a recontratação de funcionários desligados recentemente. Embora seja possível reconhecer o valor simbólico e cultural desse pedido, não existe obrigação jurídica que imponha à empresa revisar desligamentos realizados dentro da legalidade.
Recontratação, quando ocorre, é sempre uma escolha de gestão, não uma imposição. Por sua vez, demissões estruturais quando feitas em escala moderada e dentro dos parâmetros normativos, não exigem formalidades adicionais e fazem parte da dinâmica natural de reorganização empresarial, especialmente em momentos de readequação de processos internos.
Home office como ferramenta - não como condição impositiva
O manifesto dos colaboradores defende que o trabalho remoto estimula diversidade, produtividade e retenção de talentos. E, de fato, o home office tem se mostrado uma ferramenta importante de adaptação corporativa, principalmente após a pandemia.
Contudo, o equilíbrio entre trabalho presencial e remoto deve ser definido pela empresa, que possui a visão ampla do negócio, das demandas operacionais e dos impactos estratégicos de cada modalidade. Quando o modelo presencial ou híbrido se mostra mais adequado para determinada fase operacional ou para áreas específicas, a organização tem o direito - e muitas vezes a necessidade de priorizá-lo.
Uma estrutura empresarial não pode ficar engessada por modelos que já não atendem à fase de negócio em que se encontra. A maturidade corporativa exige flexibilidade, análise de cenários e tomada de decisão baseada no que melhor sustenta sua competitividade.
Planejamento e transparência reduzem ruídos
Outro ponto fundamental é a forma como as mudanças são comunicadas. Reestruturações bem-sucedidas são aquelas que chegam aos colaboradores com antecedência, clareza e fundamentação concreta. No caso do Nubank, ao menos do que se sabe até aqui, a empresa seguiu o padrão adotado por diversas big techs nos últimos anos: mudança planejada, prazos alargados e alinhamento prévio, em vez de rupturas bruscas.
Esse modelo reduz a insegurança, preserva o ambiente interno e reforça a saúde institucional.
Um movimento comum em empresas que saem da fase de hiperexpansão
Nos últimos dois anos, empresas de tecnologia em todo o mundo vêm ajustando equipes, reposicionando áreas e reorganizando estruturas após períodos de crescimento explosivo. Esses movimentos são frequentes em ciclos corporativos mais maduros, nos quais eficiência e sustentabilidade passam a ganhar protagonismo em relação à expansão acelerada.
Deste modo, ainda que a mobilização dos funcionários faça parte de um diálogo saudável e legítimo, ela não invalida o direito da empresa de redesenhar seu próprio modelo de operação.
Até o momento, o Nubank não se manifestou publicamente sobre o manifesto. Mas, do ponto de vista jurídico, a decisão de revisar o formato de trabalho, reorganizar equipes e readequar estruturas está plenamente amparada pela legislação trabalhista e pela lógica de governança empresarial moderna.
Tatiana Sant'anna
Advogada com mais de 20 anos de experiência exclusiva na defesa de empresas, com especialização em Direito do Trabalho. Atua de forma consultiva, estratégica e contenciosa, com sólida presença em audiências de instrução, perícias técnicas, mediações, negociações sindicais, além de gerir passivos trabalhistas em larga escala e conduzir processos de alta complexidade. Atualmente, é coordenadora jurídica da BMD, onde lidera projetos voltados à assessoria jurídica empresarial, com foco em grandes redes de supermercados e empresas terceirizadas.


