MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. A vaca sagrada da livre iniciativa

A vaca sagrada da livre iniciativa

O Tema 1.389 parece ter a pretensão de elevar a livre iniciativa acima dos demais direitos fundamentais, causando insegurança jurídica e aumento de reclamações constitucionais.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Atualizado às 13:48

O reconhecimento da repercussão geral sobre o Tema 1.389, que trata da pejotização, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, reacendeu a discussão sobre o excessivo volume de reclamações constitucionais direcionadas ao STF. Composta por uma maioria de magistrados de perfil liberal, a Corte tem reconhecido a supremacia da livre iniciativa sobre outros princípios de igual valor, a despeito do reconhecimento, pelas instâncias ordinárias, da presença dos elementos do art. 3º da CLT.

Esta breve introdução traz algumas implicações de cunho político e jurídico. Um dos princípios mais caros ao Direito do Trabalho é o da primazia da realidade, em que a verdade dos fatos se sobrepõe à formalidade documental. Este princípio está amparado em uma série de mecanismos legais e constitucionais, como os princípios da equidade e isonomia. Uma vez reconhecida a fraude, é imperativo o reconhecimento da relação de emprego.

Esta é uma possibilidade que havia sido reconhecida no âmbito do Tema 725 da repercussão geral, no voto do ministro Alexandre de Moraes, admitindo que as hipóteses de contratações fraudulentas ficariam sob responsabilidade da Justiça do Trabalho. No entanto, a postura da Suprema Corte tem sido a de realizar uma espécie de microgerenciamento das decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem o vínculo de emprego de trabalhadores em situação de pejotização.

As funções do STF estão descritas no art. 102 da CF/88, mas atualmente parecem infladas por demandas políticas. A súmula 279 foi editada justamente para evitar a banalização das funções da Corte Constitucional, proibindo a revisão de fatos.

Neste aspecto, para priorizar a livre iniciativa, o Tribunal confunde sua função de guarda constitucional com a de juiz de fato. Portanto, tem sido o próprio STF quem tem estimulado o uso das reclamações constitucionais como sucedâneo recursal, ao revisitar decisões de mérito proferidas pela Justiça do Trabalho. Um Tribunal Constitucional não deve se expor a querelas de menor importância, como a apuração de fraude em contratos de mão-de-obra, sobretudo porque não há notícia de que, entre as reclamações constitucionais julgadas procedentes, os Tribunais Trabalhistas tenham negado vigência ao princípio da livre iniciativa.

O referido verbete tem o condão específico de delimitar a atuação da Suprema Corte a assuntos específicos.

Em verdade, o próprio CC contém mecanismos aptos a apurar a existência de irregularidades nas contratações, inclusive quando houver indícios de simulação, cuja apuração compete à primeira e segunda instâncias.

O STF apequena suas atribuições quando interfere, de maneira açodada, em questões de direito material sob a alçada dos juízes trabalhistas. O princípio da livre iniciativa não é absoluto, como nenhum outro princípio constitucional. O sistema de freios e contrapesos existe para evitar o uso desequilibrado dos mecanismos legais, como ocorre nas hipóteses de fraude trabalhista.

Da forma como a Suprema Corte vem atuando qualquer intervenção será insuficiente, no que diz respeito aos limites que pretende impor à Justiça do Trabalho. Um bom exemplo são as inovações jurídicas adotadas pela Corte, como a autorização de trabalho autônomo apenas para os profissionais que possuem curso superior. Esta distinção é ilegal e fere o art. 7º, XXXII, da CF/88, mas tem sido adotada como aceitável por diversos ministros.

A eventual criação de um precedente estranho aos princípios de Direito do Trabalho criará maior insegurança jurídica e tende a aumentar, em vez de reduzir, a litigiosidade. Portanto, é a própria atuação da Corte a responsável pelo elevado número de reclamações constitucionais.

A chamada "hipertrofia do Poder Judiciário" tem como um dos sintomas o excesso de intervenção em assuntos que, muitas vezes, não carecem de apontamentos tão minuciosos.

A prevalecer a flexibilização defendida pelo relator, princípios caros ao Direito do Trabalho serão esvaziados, como a primazia da realidade. A função de um Tribunal Constitucional é a guarda da Constituição, e não o desmantelamento de todo um ramo do direito.

A maneira como o Direito do Trabalho vem sendo tratado pela Suprema Corte reflete uma visão que busca importar certos conceitos do Direito estadunidense. Como resultado, produz sobrecarga à própria Corte e tensão institucional junto à Justiça do Trabalho, diante da sensação de desautorização frequentemente imposta aos juízes trabalhistas. É muito evidente que o caminho trilhado pelo Tribunal em matéria trabalhista não tem surtido o efeito pretendido. O volume cada vez maior de reclamações constitucionais é a prova.

É lícito que a Corte pretenda reafirmar sua autoridade quando desrespeitada a jurisprudência. Por outro lado, é um sinal de sabedoria perceber quando a intervenção se torna deletéria.

João Victor Bomfim Chaves

VIP João Victor Bomfim Chaves

Advogado, bacharel em direito pela Universidade Mackenzie, pós-graduado pela Fundação Armando Álvares Penteado.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca