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REARP e a atualização patrimonial no Imposto de Renda: Notas críticas sobre a lei 15.265/25

A norma cria o regime, permitindo atualizar bens e regularizar ativos com alíquotas reduzidas, corrigindo distorções inflacionárias e ampliando a arrecadação.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Atualizado em 19 de dezembro de 2025 14:23

A lei 15.265/25 instituiu o REARP - Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial, inserindo no sistema tributário brasileiro uma alternativa excepcional para a atualização de bens e regularização voluntária de ativos não declarados. A criação do regime responde a uma disfunção estrutural do IR - Imposto de Renda: a ausência de atualização monetária dos custos de aquisição de imóveis e outros bens duráveis ao longo do tempo, o que implica, na prática, tributação de ganhos nominais fortemente impactados pela inflação, em detrimento da tributação sobre ganhos reais.

A proposta legislativa, embora revestida de caráter arrecadatório, evidencia a tentativa do fisco de alinhar a base patrimonial declarada com a realidade econômica atual, ao mesmo tempo em que antecipa receita e estimula a conformidade fiscal.

A adesão ao REARP abre a possibilidade para atualização do valor de bens móveis automotores terrestres, aquáticos e aéreos sujeitos a registro público e imóveis localizados no território nacional e no exterior, adquiridos até 31 de dezembro de 2024 e para a regularização de bens ou direitos que não tenham sido declarados ou tenham sido declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais.

O objetivo deste artigo é analisar o REARP sob três perspectivas:

(i) a distorção inflacionária e a possibilidade de atualização; (ii) a lógica econômico-tributária da alíquota reduzida de 4%; e (iii) os impactos jurídicos e institucionais da regularização de bens não declarados.

O ordenamento tributário brasileiro, desde a década de 1990, não autoriza a correção monetária dos custos de aquisição de bens para fins de apuração de ganho de capital. Essa ausência de indexação afasta o imposto de renda do seu fundamento constitucional: tributar a renda e os ganhos reais, não a mera recomposição inflacionária. Essa situação evidencia que, sem atualização monetária, o ganho de capital apurado na alienação de bens incorpora variações puramente inflacionárias, configurando tributação sobre aumento nominal de valor e infringindo o princípio da capacidade contributiva.

Nesse cenário, a instituição do REARP revela-se uma política de correção pontual, ainda que limitada no tempo (prazo para adesão de 90 dias a contar da publicação da lei) e voluntária. A possibilidade de atualizar o custo de aquisição de imóveis e bens móveis registrados para o valor de mercado vigente procura eliminar, para o futuro, a distorção acumulada. Isto porque o contribuinte que fizer a adesão passa a reconstituir sua base econômico- patrimonial de forma alinhada à realidade, reduzindo significativamente o ganho de capital futuro e, portanto, o ônus tributário associado a eventual alienação.

Embora a solução seja excepcional e não corrija estruturalmente o problema, ela cria um mecanismo de aproximação entre o valor declarado e o valor econômico.

Para as pessoas físicas, a escolha legislativa por uma alíquota única de 4% sobre a diferença entre o custo histórico e o valor de mercado dos bens atualizados revela uma lógica dual: de um lado, representa um incentivo significativo ao contribuinte; de outro, constitui uma estratégia de antecipação de receita pela União.

Do ponto de vista do contribuinte, a comparação é direta: a regra geral prevista no art. 21 da lei 8.981/1995 prevê alíquotas progressivas entre 15% e 22,5% sobre o ganho de capital na alienação de bens e direitos de qualquer natureza. A possibilidade de pagar 4% sobre uma valorização acumulada ao longo de anos, cria um benefício economicamente expressivo, especialmente para imóveis de longa data e bens com grande apreciação nominal.

Para as pessoas jurídicas, a legislação prevê a possibilidade de atualização dos bens móveis e imóveis adquiridos até 31/12/2024 com alíquotas superiores: 4,8% de IRPJ e 3,2% de CSLL.

Sob a perspectiva do Fisco, a medida permite internalizar antecipadamente receitas que, no regime normal, somente seriam percebidas em eventos futuros e incertos, quando da venda do bem. Além disso, o programa visa estimular o dinamismo do mercado imobiliário no médio prazo, ao reduzir o "efeito lock-in", fenômeno em que contribuintes deixam de alienar bens apenas para evitar a tributação elevada sobre um ganho de capital artificialmente inflado pela inflação.

A alienação dos bens sujeitos ao regime especial nos próximos 5 anos (caso dos imóveis) e 2 anos (veículos), a contar da data da adesão ao programa, acarretará a desconsideração de todos os efeitos do REARP, permitida a dedução do que houver sido pago anteriormente. Com essa medida o legislador pretendeu coibir adesões destinadas exclusivamente a reduzir a tributação de alienações imediatas.

A segunda vertente do REARP permite a regularização de bens de origem lícita, mantidos no Brasil ou no exterior, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção até 31 de dezembro de 2024, mediante o pagamento de IR de 15% acrescido de multa de igual percentual. A lógica aqui é distinta: trata-se de incentivo à incorporação de patrimônio oculto ao sistema declaratório.

O programa para regularização de bens foi estipulado com um custo elevado, mas inferior às consequências de uma eventual autuação: multas de ofício que podem atingir 150% (nos casos de reincidência), juros e, em certas situações, responsabilização criminal. Além disso, a lei expressamente prevê a extinção da punibilidade dos crimes tributários relacionados aos bens regularizados.

A opção pelo novo regime, destarte, não se revela economicamente eficiente em todas as situações. Ele não beneficia os contribuintes que planejam a alienação do imóvel no curto prazo, especialmente antes de decorrido o período de carência de cinco ou dois anos, a depender do bem sujeito ao regramento excepcional. Do mesmo modo, não se mostra vantajosa a adesão quando a alienação já se encontraria amparada por hipóteses legais de isenção do Imposto de Renda, como a venda de único imóvel até o limite legal de R$ 440.000,00 ou desde que o produto da venda seja reinvestido em outro imóvel residencial no prazo de 180 dias, situações em que o recolhimento antecipado de 4% resultaria um ônus tributário desnecessário.

Também é preciso cautela em relação a imóveis muito antigos, especialmente aqueles adquiridos antes de 1988, que já se beneficiam de fatores de redução significativos na apuração do ganho de capital, podendo conduzir a uma carga tributária efetiva inferior àquela prevista no regime especial.

Com relação à regularização de bens omitidos, a impossibilidade de demonstrar a origem lícita dos recursos inviabiliza a adesão ao programa e expõe o contribuinte a riscos fiscais e penais relevantes, tornando o REARP inadequado para situações patrimoniais sem lastro documental mínimo.

O regime, ademais, não está isento de críticas: trata-se de um programa excepcional que não substitui a necessidade de repensar estruturalmente o tratamento inflacionário no sistema do Imposto de Renda. Além disso, a anistia na regularização de bens omitidos levanta questionamentos sobre justiça fiscal e respeito aos contribuintes que sempre cumpriram suas obrigações.

Ainda assim, o REARP se insere em um contexto no qual se observa uma movimentação estatal voltada à antecipação de arrecadação e ao aumento da transparência patrimonial. A adesão ao programa, contudo, exige análise cuidadosa e individualizada, considerando as características de cada patrimônio e a perspectiva de alienação futura.

Ana Paula Palácios Pereira

Ana Paula Palácios Pereira

Advogada tributarista associada ao escritório Pereira Gionédis Advogados.

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