Procuradoria do Cade busca influenciar STJ em caso do setor cítrico
Órgão pretendia pautar a interpretação de prazo prescricional aos julgadores, mas ingresso em feito foi vetado. Caso está na pauta de terça-feira, 18, na 3ª Turma.
Da Redação
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025
Atualizado às 08:46
Na segunda-feira, 3, a procuradoria do Cade - Conselho Administrativo de Defesa Econômica - solicitou ingresso como amicus curiae em um recurso no STJ. O pedido, por si só, já chama atenção, pois o órgão não havia sido provocado a se manifestar. Ou seja, resolveu entrar no processo por iniciativa própria.
O que torna a situação ainda mais inusitada é o fato de que o julgamento já estava em andamento - com o voto da relatora, inclusive, já proferido. E é de conhecimento elementar, especialmente para os doutos procuradores do Cade, que não se pode ingressar em um feito após o início do julgamento. Tanto assim que a ministra relatora negou o pedido de forma categórica.
A surpresa aumenta quando se considera que o próprio Cade, em 2016, homologou TCCs (Termos de Compromisso de Cessação de Conduta), mecanismo que permite encerrar investigações sem reconhecimento de culpa. No entanto, ao tentar intervir no processo, a procuradoria do órgão adotou um entendimento diferente, pretendendo não apenas influenciar na aplicação da lei acerca do prazo prescricional, mas também reinterpretar a natureza jurídica do TCC.
Além de contraditória, essa postura é prejudicial ao próprio órgão: se um TCC passasse a ser visto como confissão de culpa, nenhuma empresa se disporia a firmá-lo.
Produtor x empresas
Empresas do setor citrícola foram investigadas na Operação Fanta, deflagrada em 2006, sob suspeita de cartel. Para encerrar as investigações, algumas firmaram TCCs, homologados pelo Cade em 2016, com cumprimento integral reconhecido em 2018.
No ano seguinte, um produtor de laranjas processou as empresas, alegando prejuízos pelo suposto cartel.
Em primeira instância, a justiça declarou o pedido prescrito, aplicando o prazo de três anos a partir de 2006, data da operação policial.
O TJ/SP reformou a decisão, entendendo que o prazo começou apenas em 2018, com a homologação final do Cade.
Levados ao STJ, o Tribunal da Cidadania vem, reiteradamente, entendendo que os casos estão prescritos. Já há oito decisões neste sentido, uníssonas.
E foi justamente num destes casos, agora na 3ª Turma, cujo julgamento se iniciou em outubro de 2024, que a procuradoria do Cade surgiu.
No STJ
No mencionado caso da 3a turma, a relatora, ministra Nancy Andrighi, classificou a ação do produtor como stand-alone, pois o Cade não reconheceu explicitamente a infração.
S.Exa. concluiu que o prazo prescricional teve início em 2006, com a divulgação da Operação Fanta, o que tornaria a ação, ajuizada em 2019, prescrita.
Votou, portanto, pelo provimento do recurso da fabricante de suco, restabelecendo a sentença e extinguindo o processo por prescrição, seguindo a jurisprudência do Tribunal que, como dito, já analisou oito casos semelhantes, decidindo todos de forma idêntica.
O julgamento final deste caso, todavia, foi suspenso por pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Posteriormente, o processo voltou à pauta, mas foi retirado em razão do pedido de ingresso do Cade como amicus curiae.
A procuradoria do Conselho alegou, com uma dose de jactância, que sua participação contribuiria para "a correta interpretação do prazo prescricional", alinhando-se à tese do produtor. Na quinta-feira, 6, a ministra Nancy indeferiu o pedido, fundamentando a decisão na intempestividade do requerimento.
O caso voltará a julgamento na próxima terça-feira, 18.
- Veja a decisão.
Laranja madura, na beira da estrada...
O que motivaria esse súbito voluntarismo da procuradoria do Cade? Difícil saber. Supõe-se, claro, a boa-fé e a preocupação com os interesses nacionais.
Mas, como diz o ditado, "de boas intenções o inferno está cheio". E não é que, coincidentemente, surge a informação de que a petição da procuradoria do Cade (rejeitada peremptoriamente) - juntamente com outra protocolada em caso semelhante - aportou além-mar. Mais precisamente, na Corte de Londres, onde um fundo abutre tenta uma aventura jurídica contra as empresas brasileiras de suco de laranja.
O episódio insere-se num contexto maior: a crescente tentativa de usurpar a jurisdição dos tribunais brasileiros e minar a soberania nacional em disputas comerciais.
Líder de mercado
O Brasil é líder mundial na produção de laranja, impulsionado pelo trabalho árduo dos produtores e pelo empreendedorismo da indústria.
Nos últimos tempos, essa commodity tem se valorizado, atraindo o apetite de fundos abutres, que recorrem a litígios em foros estrangeiros como estratégia para pressionar empresas nacionais.
Parte desse modus operandi inclui tentativas de desmoralizar o Judiciário brasileiro - expediente já visto em outros setores. O fato de o pedido da procuradoria do Cade ter sido reproduzido no processo londrino, por intermédio de terceiros, sugere uma possível instrumentalização.
Diante desse cenário, o país precisa permanecer vigilante para conter investidas que fragilizam nossa soberania, especialmente em um momento de crescente protecionismo global.
Mais do que nunca, é fundamental reafirmar a solidez e resiliência das instituições brasileiras.
- Processo: REsp 2.133.992