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"Ainda Estou Aqui"

Quem foi Lino Machado, advogado de Rubens Paiva que lutou por respostas

Causídico foi responsável por impetrar habeas corpus questionando prisão do ex-deputado e de sua esposa, Eunice Paiva.

Da Redação

quarta-feira, 5 de março de 2025

Atualizado às 16:17

"O desaparecimento é um episódio dantesco e sinistro, e a prisão, irregular e injustificável, pois não foi comunicada à autoridade judiciária, como determina a lei."

Lino Machado Filho

Lino Machado Filho foi o advogado responsável por lutar pela liberdade de Rubens Beyrodt Paiva. Posteriormente, lutou também por respostas acerca da morte de seu cliente.

O ex-deputado Rubens Paiva foi levado de casa por oficiais da ditadura militar, em 20 de janeiro de 1971, e nunca mais apareceu.

Quem foi Lino Machado Filho?

Formado no curso de Direito da Universidade Nacional de Direito no RJ, Lino Machado exerceu as carreiras de professor, advogado e jornalista. Ex-ministro da Fazenda e das Relações Exteriores, viveu uma parte de sua vida no Maranhão, onde se elegeu vereador e deputado Federal pelo Partido Republicano.

Na década de 60, com o golpe militar, deixou o partido e se transferiu para o MDB. Nos anos 70, com o endurecimento do regime militar, teve atuação destacada na defesa de presos políticos. O desaparecimento de Rubens Paiva tornou-se um de seus casos mais notórios.

 (Imagem: Reprodução/STM)

Lino Machado Filho foi advogado de Rubens Paiva e lutou por respostas.(Imagem: Reprodução/STM)

Ainda Estou Aqui

A busca por respostas na história de Rubens Paiva, que se iniciou na década de 70, ganhou novo capítulo com o filme "Ainda Estou Aqui", lançado em novembro de 2024. O filme conta a história do desaparecimento de Rubens, e a tentativa de Eunice Paiva em reestruturar sua vida com os cinco filhos.

A atuação do advogado Lino Machado Filho aparece no filme. O advogado e amigo da família Paiva é interpretado pelo ator Thelmo Fernandes.

 (Imagem: Reprodução)

Ator Thelmo Fernandes interpreta advogado Lino Machado Filho em "Ainda Estou Aqui".(Imagem: Reprodução)

O longa foi premiado no Oscar 2025 na categoria Melhor Filme Estrangeiro, e colocou holofotes sobre a obscura história do desaparecimento do ex-deputado.

O desaparecimento de Rubens Paiva

O drama da família Paiva teve início há 54 anos, em uma tarde ensolarada na Cidade Maravilhosa. A data era 20 de janeiro, feriado municipal, dia de São Sebastião.

Rubens Paiva é levado da própria casa por militares. A esposa e a filha do ex-deputado também seriam levadas um dia depois. Elas foram liberadas. Rubens, por sua vez, nunca mais voltou.

O motivo da prisão

"O desaparecimento de Rubens Paiva está ligado ao primeiro voo Santiago - Rio logo após a chegada ao Chile de 70 presos políticos trocados pelo embaixador suiço Enrico Bucher, sequestrado no Rio. Entre os passageiros [do avião que retornava ao Brasil], Cecília Viveiros de Castro e Marilena Corona, que voltavam de uma visita ao filho e irmã, ambos exilados naquele país. Há várias cartas e dois remetentes já conhecidos, o ex-deputado Almino Afonso, amigo pessoal de Rubens, e Helena Bocaiuva, que ele ajudara a sair do Brasil."

Assim narrava a reportagem premiada do Jornal do Brasil "Quem matou Rubens Paiva", assinada por Fritz Utzeri e Heraldo Dias, em 22 de outubro de 1978, com as diversas circunstâncias da morte do ex-deputado.

Segundo o texto, o que se deu foi que Cecília e Marilena foram detidas por agentes de segurança da Aeronáutica que descobriram as cartas remetidas a Rubem Paiva.

 (Imagem: Reprodução)

Na manhã do dia 20 de janeiro de 1971, Paiva atendeu ao telefonema de uma voz feminina que lhe pedia o endereço para entregar as cartas que trazia do Chile, que nada suspeitou.

"Meia hora depois do telefonema - por volta do meio-dia - seis homens chegavam à casa de Rubens, que ficou ocupada durante as 24 horas seguintes. Dali, saiu preso e no dia seguinte a mulher e filha (Eunice e Eliana, então com 15 anos), também seriam detidas."

Mãe e filha retornaram para casa. A família viu Rubens pela última vez no dia em que foi preso.

Os primeiros habeas corpus

No mesmo dia da prisão de Paiva, o advogado Lino tomou conhecimento do fato, às 23h, ao entrar em contato com Eunice, por telefone.

Notando o nervosismo da mulher do ex-deputado, pediu-lhe para desligar dizendo que se comunicaria com ela no dia seguinte. Pela manhã, o advogado voltou a ligar e descobriu que Eunice e Eliana também haviam sido presas.

O advogado daria início, assim, à saga para localizar e identificar a autoridade que deteve Rubens Paiva.

Entre as provas que ajudariam Lino, um recibo em papel timbrado do I Exército, assinado por Renée Paiva Guimarães, irmã do ex-deputado. O papel foi entregue à Renée no momento da devolução do carro de Rubens, um Opel Kadet, que ele dirigiu até a prisão, acompanhado pelos agentes.

O excesso de zelo do oficial responsável pela guarda do veículo se tornou peça básica dos três pedidos de habeas corpus impetrados por Lino Machado.

O advogado teve como ponto chave o fato de a prisão de Rubens não ter sido comunicada.

O que diziam os jornais

Em 26 de janeiro de 1971, o Jornal do Brasil noticiava que chegou ao STM o primeiro HC em favor de Rubens Paiva. A notícia diz que a prisão foi feita por agentes não identificados que invadiram a casa do ex-deputado, e que lá permaneceram até o dia seguinte, quando levaam também Eunice e sua filha, Eliana, "deixando na residência os outros filhos do casal, menores, à sua sorte".

 (Imagem: Reprodução)

Em 28 de janeiro, uma entrevista com o defensor mostrava que suas esperanças recaíam na atuação da Justiça. Lino Machado Filho defendia que "a não comunicação da prisão pelos coatores fere a lei de responsabilidade editada pela Revolução em 9 de dezembro de 1965."

O jornal o Estado de SP, em nota intitulada "STM indaga sobre prisão", também narrava que o então ministro Armando Perdigão, presidente do Tribunal, encaminhou ofício às autoridades militares pedindo a confirmação ou não da prisão do ex-deputado Rubens Paiva e sua esposa, Eunice.

"Lino Machado Filho está convencido de que o ministro, 'sempre fiel ao cumprimento da lei, não deixará de fazer com que se restabeleça o império da própria lei'. Determinará, pelo menos, a suspensão da incomunicabilidade, que já perdura além do prazo permitido."

 (Imagem: Reprodução)

Jornal noticia habeas corpus impetrado em favor de Rubens Paiva após desaparecimento.(Imagem: Reprodução)

No dia 29 daquele mesmo janeiro de 71, o jornal Diário de Natal noticiava que o presidente do STM, brigadeiro Armando Perdigão, "vai pedir informações ao 1º Exército sobre a prisão do ex-deputado Federal Rubens Beyrodt de Paiva. Sua Mulher, Maria Lucrécia de Paiva, também se encontra prêsa. Foram detidos desde o dia 20 do corrente por um grupo de homens armados que se diziam agentes de segurança. Uma filha do casal, menor de 15 anos, foi também presa e libertada 4 horas depois". (Imagem: Reprodução)

Em 4 de fevereiro, A Tribuna, de Santos, noticiava que Eunice Paiva foi posta em liberdade. "O advogado Lino Machado Filho, contratado imediatamente, não conseguira localizar o casal. Era informado tanto pelas autoridades do DOPs quanto as do Exército que o engenheiro e sua mulher não estavam detidos em seus serviços", diz a nota. O advogado informou ao jornal que impetrou HC ao STF, cujo pedido de informações ao I Exército não foi atendido, e nem comunicada a prisão. 

 (Imagem: Reprodução)

Um mês depois da prisão, em 20 de fevereiro de 71, a revista Manchete dizia que o brigadeiro Armando Perdigão tomou conhecimento de dois habeas corpus impetrados por Lino Machado Filho em favor de Eunice e Rubens, designando o brigadeiro Grum Moss e o Almirante Mário Cavalcânti para relatá-los.

"D. Eunice já foi sôlta. Quanto a seu marido, industrial e ex-deputado, o Comando do I Exército respondeu ao Brigadeiro Moss que o paciente não se encontra prêso em nenhuma de suas unidades."

A notícia relembra uma informação de que Rubens havia fugido com terroristas. Posteriormente, se veria que a informação era uma fake news criada pelos militares.

 (Imagem: Reprodução)

Em 24 de fevereiro do fatídico ano, o DOU registrou expediente do STM de 16/2 comunicando uma determinação do seu presidente, datada de 8/2, para que fosse juntado aos autos o ofício 110-CP de 3/2. No documento, uma citação de ofício do I Exército:

"Segundo informações de que dispõe este comando, o citado paciente quando era conduzido para ser inquirido sobre fatos que denunciavam atividade subversiva, teve seu veículo interceptado por elementos desconhecidos, possivelmente terroristas, empreendendo fuga para local ignorado."

Em 11 agosto de 71, o Diário do Paraná, de Curitiba, informava que o processo sobre o desaparecimento de Rubens Paiva foi arquivado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Relatório apontava que "não havia mais nada a apurar" após informação do Exército de que Rubens havia sido sequestrado por um grupo de terroristas.

 (Imagem: Reprodução)

Fake news do governo militar e HC negado

Como se viu acima, os jornais reproduziam a versão de que Rubens Paiva teria fugido.

Em 23 de janeiro, ou seja, três dias após a prisão, a notícia da "fuga" de Rubens Paiva começou a circular, tendo sido publicada no jornal Tribuna da Imprensa.

As informações levam a crer que, neste dia, o ex-deputado já estava morto.

Reportagem do Estadão de 3 de agosto de 1971 reproduz a versão dos militares: "STM reafirma sequestro de Rubens Paiva".

A matéria diz que o STM negou conhecimento ao pedido de HC impetrado pelo advogado Lino Machado visto que, segundo o relator, ministro Jurandir de Bizarria Mamede, informações prestadas pelo I Exército dão conta de que o ex-deputado não se encontrava preso em nenhuma unidade daquele comando, "o que torna prejudicado, na essência, o pedido de habeas corpus".

 (Imagem: Reprodução)

Jornal Estadão publica versão de que Rubens Paiva foi sequestrado por terroristas.(Imagem: Reprodução)

A verdade vem à luz

Passados mais de 40 anos, a família de Rubens Paiva assistiu ao desenrolar de mais um capítulo deste enredo "dantesco e sinistro", como disse Lino Machado.

Em 2013, a Comissão da Verdade concluiu, a partir de documento inédito, que o ex-deputado Rubens Paiva foi assassinado dentro das instalações do Exército no RJ por agentes da ditadura militar.

Claudio Fonteles, coordenador da Comissão da Verdade, cruzou informações de documentos do Arquivo Nacional com um entregue à polícia gaúcha pela família do coronel Júlio Miguel Molinas Dias - à época dos fatos comandante do DOI - Destacamento de Operações Internas do I Exército, assassinado em Porto Alegre/RS.

A folha preenchida por oficial de administração do DOI, aos 21 de janeiro de 1971, componente da Turma de Recebimento, registra ter sido encaminhado pelo QG-3, equipe CISAer, Rubens Beyrodt Paiva. Na folha descrevem-se documentos e pertences pessoais de Rubens Paiva, objetos e dinheiro.

O informe nº 70, de 25 de janeiro de 1971, redigido pela agência do RJ, do SNI, de caráter confidencial, apresenta os fatos subjacentes à prisão de Rubens Paiva.

No relatório de Claudio Fonteles consta: "Importante, e desde já, registrar que esse Informe, oficial e confidencial, datado de 25 de janeiro de 1971, tudo criteriosamente narrando, nada diz sobre 'a fuga' de Rubens Paiva que, na versão oficial dos agentes públicos do Estado Ditatorial militar, teria ocorrido aos 22 de janeiro, para justificar, até hoje, seu estado de foragido. Tivesse acontecido, de verdade, 'a fuga' e, por óbvio, esse evento constaria desse pormenorizado registro."

Desmentindo a versão de uma possível fuga de Rubens Paiva, ajudado por grupos terroristas, a Comissão da Verdade apontou as contradições nos depoimentos dos componentes do regime que acompanhavam Rubens.

Advogado da liberdade

Embora não tenha alcançado em vida as respostas pelas quais bravamente buscou no caso Rubens Paiva, tendo falecido em setembro de 2007, aos 85 anos, Lino Machado teve uma atuação ímpar na defesa de mais de 400 presos políticos nos tempos conturbados e de exceção do regime militar - ainda que, durante este período, o Estado agisse ignorando o Judiciário.

"É fora de qualquer dúvida que o Estado Ditatorial Militar, na proeminência de seus serviços especializados de informação e contrainformação, deliberadamente mentia sobre ações que realizava e que resultaram em mortes e prisões de seus opositores políticos, não se intimidando em fazê-lo ante o próprio Poder Judiciário, deste sonegando informações ou prestando-as falsamente."

A conclusão é de Fonteles ("O Estado Ditatorial Militar e o Poder Judiciário").

A história de Lino Machado Filho rendeu homenagem póstuma do STM, que lhe conferiu o título de "O Advogado da Liberdade", como reconhecimento por sua intrépida atuação naquela Corte.

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