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Além da superlotação

Justiça obriga Estado de SP a criar comitês contra tortura em prisões

Magistrada afirmou que governo estadual tem a obrigação de agir segundo normas nacionais e internacionais de direitos humanos.

Da Redação

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Atualizado às 16:52

Estado de São Paulo deve implementar o MEPCT/SP, mecanismo estadual de prevenção e combate à tortura, órgão responsável por inspecionar locais de privação de liberdade e prevenir violações de direitos fundamentais.

Sentença é da juíza de Direito Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni, da 8ª vara Cível Federal de São Paulo/SP que acolheu pedido do MPF e da DPE/SP em ação civil pública.

A decisão também impôs à União a obrigação de cooperar tecnicamente com o Estado bandeirante no processo de implementação, embora tenha reconhecido que a responsabilidade operacional é estadual.

O MEPCT/SP deverá ser implantado com estrutura, orçamento e pessoal suficientes para permitir visitas periódicas a todos os estabelecimentos de privação de liberdade do Estado - presídios, unidades da Fundação Casa, hospitais psiquiátricos, entre outros.

O prazo para apresentação do plano de ação é de 180 dias, contados a partir do trânsito em julgado da decisão.

Para a magistrada, a implantação do MEPCT é um dever do Estado brasileiro decorrente de compromissos internacionais, não podendo ser tratada como política pública discricionária.

Ela reforçou que o sistema carcerário paulista - alvo de reiteradas inspeções com relatos de tortura, maus-tratos e violações à dignidade humana - exige respostas institucionais imediatas.

A juíza também reconheceu que o processo judicial em questão tem natureza estruturante, e que a intervenção do Judiciário é legítima e necessária diante da omissão do Executivo.

Veja a sentença.

Superlotação é só a ponta do iceberg

O IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa atuou na ação como amicus curiae, apresentando manifestações técnicas que reforçaram o caráter urgente e inadiável da medida judicial.

Na petição, o institudo ressaltou que a superlotação é apenas a face mais visível de um sistema estruturalmente degradado, marcado por:

  • falta de ventilação e iluminação adequadas;
  • alimentação e acesso à saúde precários;
  • restrições ao banho de sol e imposição de banho gelado;
  • violações sistemáticas da integridade física, em especial durante ações do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) da Polícia Penal.

"O Estado de São Paulo possui a maior parcela da população do sistema carcerário do país. No entanto, não apenas não aderiu ao pacto como não fez qualquer esforço para criar o Comitê e instituir o Mecanismo. Essa resistência é escandalosa", afirmou Guilherme Carnelós, presidente do IDDD.

Ele destacou o paralelo com a ADPF 347, do STF, que reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, e classificou as atuais condições como formas de tortura institucionalizada.

Na ação, a Corte reconheceu que o sistema prisional brasileiro está em colapso, exigindo uma resposta estrutural e federativa.

Segundo o instituto, desde a decisão, pouco foi feito para reverter o cenário de violação, especialmente em São Paulo, que concentra mais de 30% da população carcerária nacional e opera com superlotação de 156,33%.

"O governo do Estado se preocupa em prender. Todas as propagandas que se veem são das prisões feitas. E o que acontece depois da prisão?", questionou o presidente do instituto.

Para o IDDD, a sentença da Justiça Federal é um marco na responsabilização do Estado.

"A importância da procedência dessa Ação Civil Pública é o Poder Judiciário reconhecer que esse quadro sistemático de violação de direitos não pode ser ignorado. Estamos muito satisfeitos com a sensibilidade do Judiciário em reconhecer a gravidade da situação."

 (Imagem: Reprodução/DPE-SP)

Documento da DPE/SP mostra marcas de agressões sofridas por detentos na Penitenciária de Martinópolis/SP.(Imagem: Reprodução/DPE-SP)

Torturas

Relatórios do Nesc - núcleo especializado de situação carcerária da DPE/SP evidenciam a realidade degradante das prisões paulistas: jejum forçado por até 15 horas, fornecimento de água por apenas 1 hora ao dia, celas escuras e sem ventilação, e violência sistemática promovida por grupos como o GIR - grupo de intervenção rápida.

Resistência histórica

A omissão de São Paulo não é recente. Desde 2015, o MNPCT e o Subcomitê da ONU para Prevenção da Tortura recomendam a criação do mecanismo.

Em 2018, a Assembleia Legislativa aprovou o PL 464, que foi vetado integralmente em 2019 pelo então governador João Doria, sob justificativas institucionais contestadas por mais de 40 organizações da sociedade civil.

A não adesão ao Pacto Federativo para Prevenção e Combate à Tortura, instituído pela portaria 346/17 do ministério dos Direitos Humanos, reforça o desinteresse do Estado pela construção de uma rede preventiva robusta.

Na última visita ao Brasil, o Comitê da ONU contra a Tortura destacou a ausência de mecanismos preventivos eficazes em todas as jurisdições e instou o Brasil a agir com urgência.

Dignidade e o mínimo existencial

Como bem destaca o IDDD, o que está em jogo é o respeito à dignidade da pessoa humana.

A ideia de que presos devem ser tratados de forma degradante é contrária à ordem jurídica brasileira, que reconhece a dignidade como fundamento da República e impõe a todos os poderes o dever de proteção dos direitos fundamentais - mesmo de quem está sob custódia do Estado.

Regras internacionais como as regras de Mandela, o protocolo de Istambul, as regras de Havana e as regras de Bangkok complementam esse arcabouço normativo, que é constantemente violado na prática. A decisão judicial é, portanto, um passo fundamental para corrigir essa distorção e garantir, minimamente, o respeito à condição humana no cárcere.

Problema nacional

A omissão paulista se insere em um cenário nacional de violações sistemáticas de direitos humanos no cárcere.

Em 2023, o Migalhas noticiou as denúncias de tortura no presídio Elias Alves de Souza, em Itatinga/CE.

Técnicas como a "posição taturana", o "amassamento de testículos" e espancamentos generalizados foram documentadas, levando ao afastamento da direção da unidade e à instauração de investigações.

Os métodos de tortura, longe de serem isolados, foram identificados em diversos Estados, como Ceará, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Pará, conforme apontado por inspeções do MNPCT desses locais.

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