TJ/DF condena DF por maus-tratos a aluno autista em escola pública
Diante de mudanças abruptas no comportamento do menor, como crises de pânico e automutilação, a família gravou o ambiente escolar e flagrou gritos, ameaças e humilhações por parte das professoras.
Da Redação
sábado, 10 de maio de 2025
Atualizado às 13:44
A 7ª Turma Cível do TJ/DF manteve, por unanimidade, a condenação do Distrito Federal ao pagamento de indenização por danos morais e materiais no valor total de R$ 52 mil em razão de maus-tratos sofridos por aluno com TEA - Transtorno do Espectro Autista em escola pública de Guará/DF.
Segundo os autos, os maus-tratos foram revelados por meio de gravações feitas pela família da vítima, que revelaram humilhações, gritos, ameaças, castigos e linguagem ofensiva por parte das professoras.
"No caso específico, a responsabilidade civil do Estado se constata pela omissão. Embora o Distrito Federal não incentive ou ordene a prática de maus-tratos, deve ser responsabilizado por não adotar medidas adequadas para prevenir ou cessar tais práticas. A omissão se manifestou na falta de fiscalização, na ausência de políticas de treinamento e capacitação adequadas para os professores, além da falha em responder adequadamente a denúncias que lhe chegaram ao conhecimento."
Entenda o caso
A ação foi ajuizada pela mãe e avó do aluno diagnosticado com TEA grau 2 e não verbal, matriculado em turma especial da rede pública do DF. De acordo com os autos, o estudante, que apresentava bom desempenho e vínculo afetivo com professores e colegas, começou a apresentar sinais de regressão e sofrimento psicológico após passar a ser assistido por novas educadoras.
Os familiares notaram mudanças abruptas de comportamento, como recusa em ir à escola, crises de pânico, distúrbios no sono e automutilação. Diante da situação, decidiram colocar um dispositivo de gravação na mochila do aluno, que captou áudios contendo gritos, xingamentos, humilhações e ameaças por parte das docentes.
As gravações também revelaram condutas vexatórias e comentários de cunho agressivo e sexual dirigidas às crianças sob os cuidados das educadoras. As denúncias foram formalizadas por boletim de ocorrência e comunicadas à direção da escola, que, ao invés de apurar os fatos, sugeriu a transferência do aluno para uma unidade distante.
Consta ainda que a direção escolar não adotou providências efetivas, mesmo após ser cientificada do conteúdo das gravações. O comportamento do aluno continuou a se deteriorar após a mudança no corpo docente.
A apuração dos fatos envolveu boletim de ocorrência, laudos médicos e perícia psiquiátrica oficial. Esta última confirmou a existência de sofrimento psíquico relacionado à conduta das educadoras, fato corroborado pelos demais documentos anexados ao processo.
Falha estatal
Em defesa, o DF alegou a ausência de nexo causal entre os fatos relatados e os danos sofridos, sustentando também que alternativas haviam sido oferecidas via Conselho Tutelar.
A sentença de 1º grau julgou procedentes os pedidos, reconhecendo que o Estado falhou em seu dever de guarda e vigilância ao permitir a permanência das práticas abusivas sem intervenção.
O juiz fixou indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil para o menor e R$ 10 mil para cada uma das responsáveis legais. Também foi reconhecido o direito à reparação por danos materiais, no valor de R$ 2 mil, em razão de tratamento médico custeado pela família após negativa de vaga na rede pública.
O DF então apelou ao TJ/DF, pedindo a exclusão do dano material e a redução dos valores indenizatórios.
Responsabilidade objetiva
O relator, desembargador Getúlio Moraes Oliveira, destacou a gravidade dos fatos e a documentação robusta reunida nos autos: laudo psiquiátrico oficial, relatórios médicos, boletins de ocorrência e gravações.
Segundo o magistrado, ficou evidente a inércia do Estado, demonstrada na falta de fiscalização das atividades pedagógicas, na deficiência na capacitação dos docentes e na ausência de resposta efetiva às denúncias da família.
"Especialmente diante do laudo de exame psiquiátrico produzido, não resta qualquer dúvida de que a criança enfrentou sofrimento psíquico em razão conduta praticada pelas professoras. No caso dos autos, a responsabilidade civil do Estado se constata pela sua evidente omissão. Embora o Distrito Federal não tenha incentivado ou ordenado a prática de maus-tratos, deve ser responsabilizado por não adotar medidas adequadas para prevenir ou cessar tais práticas."
O relator frisou que, em casos como este, em que há omissão específica do Estado no dever de proteção de pessoas vulneráveis, como alunos da rede pública, há responsabilidade objetiva.
"Pode se concluir que a omissão no caso dos autos se manifestou na falta fiscalização, na ausência de políticas de treinamento e capacitação adequadas das professoras, a da falha em responder adequadamente a denúncias que lhe chegaram ao conhecimento."
Para o desembargador, os valores das indenizações respeitam os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, diante da gravidade dos fatos e do impacto gerado na vida do estudante e de sua rede de apoio.
A Turma acompanhou por unanimidade o voto do relator, mantendo integralmente a condenação do DF.
- Processo: 0700289-26.2024.8.07.0018
Leia o acórdão.