Advogada alerta para critérios penais rígidos em vistos de Portugal
Segundo a criminalista Cecilia Mello, legislação portuguesa impede concessão de visto de residência a estrangeiros com condenações penais superiores a um ano, mesmo que fora do país.
Da Redação
quinta-feira, 8 de maio de 2025
Atualizado às 17:07
O governo de Portugal anunciou no dia 3/5, que notificará 18 mil imigrantes em situação irregular para que deixem o país em até 20 dias. Eles tiveram indeferidos os pedidos de autorização de residência analisados pela AIMA - Agência para a Integração, Migrações e Asilo. A decisão reacendeu o debate sobre os critérios de concessão e renovação de vistos no país.
Segundo análise da advogada Cecilia Mello, desembargadora federal aposentada e sócia do escritório Cecilia Mello Advogados, a medida pode atingir brasileiros que vivem irregularmente no país, inclusive os que estão em processo de obtenção de residência permanente.
De acordo com Cecilia, a legislação portuguesa prevê critérios objetivos e bastante restritivos para concessão de residência a estrangeiros. "Existem duas categorias principais de vistos: os de curta permanência - como os de turismo e trânsito - e os de residência, que podem ser temporários ou permanentes. Em ambos os casos, a legislação impõe barreiras severas relacionadas a antecedentes criminais", explica.
No caso dos vistos de residência temporária, não é permitida a concessão a estrangeiros que tenham sido condenados, mesmo fora de Portugal, por crime que, segundo a legislação portuguesa, tenha pena superior a um ano de prisão.
Já para a residência permanente, é exigido que o requerente não tenha sido condenado em Portugal, nos últimos cinco anos, há penas privativas de liberdade superiores a um ano, ainda que de forma cumulativa.
O critério de condenação até um ano, aparentemente severo, está ancorado no próprio sistema penal português. "Penas superiores a um ano, pela legislação penal portuguesa, não podem ser substituídas, ainda que haja a possibilidade legal de suspensão da execução para penas maiores".
"É um parâmetro jurídico que acaba tendo reflexos diretos na política migratória, tal como acontece no Brasil que obsta a concessão de visto de residência nos casos de crimes que não sejam de menor potencial ofensivo. Em outros termos, no Brasil o limite é de 2 anos de detenção", pontua a advogada.
Para Cecilia, ainda que a legislação esteja formalmente em vigor, a preocupação está na eventual aplicação automática ou em massa das medidas, sem análise individualizada.
"É fundamental observar o devido processo legal. Não se pode simplesmente negar ou revogar autorizações com base em dados genéricos ou antecedentes ainda não transitados em julgado", alerta.
A especialista chama atenção também para o fato de que tratados internacionais de direitos humanos e acordos de cooperação entre Brasil e Portugal preveem proteções adicionais a imigrantes, o que reforça a necessidade de atuação jurídica técnica em favor de brasileiros que possam ser impactados pela medida.
A advogada também chama atenção para o risco de desproporcionalidade entre o crime eventualmente cometido e as severas consequências administrativas previstas na legislação portuguesa - e também na brasileira - de imigração. Na prática, a simples existência de uma condenação penal - mesmo por crimes de menor gravidade e ainda que a pena tenha sido cumprida ou esteja em vias de prescrição - pode resultar na negativa de autorização de residência ou até na expulsão do território português.
"Há uma possível e preocupante desconexão entre a natureza da infração e a sanção aplicada ao imigrante, especialmente quando falamos de pessoas que já estão inseridas social e economicamente no país", afirma.
"Estamos diante de um cenário que exige cautela jurídica e atenção aos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana", conclui Cecilia.