STF: Dino suspende análise de legitimidade do MP em liquidação coletiva
Até o pedido de vista, julgamento contava com dois votos em sentidos divergentes.
Da Redação
sexta-feira, 16 de maio de 2025
Atualizado às 17:57
Nesta sexta-feira, 16, em plenário virtual, pedido de vista do ministro Flávio Dino suspendeu julgamento de recurso no qual a Corte analisa se o MP pode promover a liquidação coletiva de sentença sobre direitos individuais.
O caso teve origem em ação civil pública ajuizada em 1996 pelo MP/MS contra o Cesup - Centro de Ensino Superior de Campo Grande Ltda., que foi condenado a ressarcir alunos por cobranças abusivas baseadas em cláusulas contratuais consideradas inválidas.
Na fase de liquidação da sentença, o parquet entrou com um pedido coletivo, ou seja, tentou cobrar de uma só vez os valores devidos a todos os prejudicados. Isso gerou controvérsia: o MP teria ou não o direito de atuar nessa fase, tratando de valores que pertencem individualmente a cada pessoa.
O STJ entendeu que o MP não tem legitimidade para isso, por se tratar de direitos individuais disponíveis.
A decisão foi contestada no STF por meio de recurso extraordinário interposto pelo próprio MP/MS e pelo MP/MG de Minas Gerais. Este último, porém, foi admitido no processo apenas como amicus curiae, e não como parte com direito de recorrer.
A então presidente do STF, ministra Rosa Weber, atualmente aposentada, reconheceu a repercussão geral do caso - ou seja, sua relevância para outros processos semelhantes em todo o país (Tema 1.270).
Sem legitimidade
Ministro Dias Toffoli, relator do caso, votou contra a possibilidade de o MP atuar na fase de liquidação de sentença envolvendo direitos individuais disponíveis.
Para S. Exa., a atuação do MP deve se limitar à fase de conhecimento, quando se discute se existe ou não o direito em questão.
Para o ministro, depois que a sentença é dada, o processo entra em uma fase voltada para os interesses individuais (como quem deve receber e quanto), e o MP não pode substituir pessoas ou agir em nome delas, pois isso ultrapassa os limites constitucionais da atuação do órgão, previstos nos arts. 127 e 129 da CF.
O ministro também alertou para o risco de sobrecarregar o MP com função que foge de sua missão institucional, o que poderia prejudicar outras atribuições mais essenciais.
Para evitar insegurança jurídica e prejuízos a processos em andamento, Toffoli sugeriu que a decisão valha apenas para ações civis públicas cuja sentença ainda não tenha transitado em julgado até a data da publicação da ata do julgamento.
Além disso, o relator propôs a seguinte tese:
"1. Ressalvada a hipótese de reparação fluida prevista no art. 100 da Lei nº 8.078/1990, o Ministério Público não detém legitimidade para promover a liquidação e a execução de sentença proferida em ação civil coletiva sobre direitos individuais homogêneos disponíveis.
Nas ações civis coletivas ajuizadas pelo Ministério Público sobre tais direitos, devem os demais legitimados extraordinários do microssistema de tutela coletiva, se quiserem, promover a liquidação e execução da sentença, observadas suas finalidades institucionais e a compatibilidade com suas funções.
O juiz deve dar ampla publicidade à sentença genérica para permitir que outros entes eventualmente assumam sua continuidade, conforme o caso concreto."
- Leia o voto.
Com legitimidade
Embora ministro Flávio Dino tenha pedido vista dos autos, ministro Alexandre de Moraes adiantou o voto no plenário virtual.
Para Moraes, o MP tem legitimidade para promover a liquidação e execução coletiva de sentença genérica em ações civis públicas que envolvam direitos individuais homogêneos, desde que esteja presente o interesse social qualificado.
Assim, impedir que o parquet atue na fase de liquidação representa visão restritiva da função constitucional da instituição. Segundo Moraes, o STF já consolidou entendimento, em diversos precedentes, de que o MP pode tutelar direitos individuais disponíveis sempre que tais direitos afetem de forma ampla a coletividade.
"Se há legitimidade para propor a ação de conhecimento, porque o direito individual possui relevância social, há também legitimidade para sua liquidação e execução, como fases necessárias à solução integral do mérito", afirmou o ministro.
S. Exa. enfatizou que o critério central para essa atuação deve ser a presença de interesse social, e não a natureza patrimonial ou disponível do direito.
Destacou que a efetivação dos direitos reconhecidos em sentença é tão importante quanto sua declaração, citando exemplos emblemáticos como os desastres de Mariana e Brumadinho, onde a atuação do MP tem sido essencial para garantir reparações às vítimas.
Além disso, advertiu que a retirada da legitimidade do MP pode ter efeitos negativos, como a sobrecarga do Judiciário com milhares de ações individuais e o risco de enriquecimento sem causa por parte de empresas que causaram danos de pequena monta a muitas pessoas.
Ao final, Moraes propôs a seguinte tese alternativa para o Tema 1.270:
"O Ministério Público tem legitimidade para promover a liquidação e a execução coletiva da sentença genérica que versa sobre direitos individuais homogêneos em favor das vítimas e/ou seus sucessores quando presente o interesse social, à luz do art. 127, caput, da Constituição Federal."
Leia o voto.
- Processo: RE 1.449.302