Vale indenizará após demitir motorista com surdez sem adaptação à condição
Juíza reconheceu dispensa discriminatória e determinou reintegração e reparação por danos morais.
Da Redação
segunda-feira, 19 de maio de 2025
Atualizado às 14:57
Vale deverá indenizar em R$ 2 mil por danos morais a motorista de caminhão com surdez unilateral que foi dispensada após relatar dificuldades para operar veículo incompatível com sua condição.
A juíza do Trabalho Pricila Apicelo, da 1ª vara de Parauapebas/PA, concluiu que houve discriminação e falta de adaptação razoável por parte da empresa.
O caso
A trabalhadora alegou que possui surdez unilateral irreversível e que, ao ser contratada, a empresa tinha ciência de sua condição. Após treinamento com um modelo de caminhão, foi designada para operar outro equipamento incompatível com sua limitação, o que dificultou sua adaptação e causou sofrimento emocional.
Relatou que houve recomendação médica para sua realocação, mas os gestores não providenciaram a mudança, insistindo para que ela retornasse à operação do veículo. Afirmou que, diante das dificuldades, foi desligada da empresa em julho de 2024, ainda durante o contrato de experiência.
A Vale sustentou que a dispensa decorreu de baixa performance, negando que a empregada tivesse sido contratada como PcD. Alegou que a deficiência só foi constatada no exame admissional, mas que a trabalhadora foi considerada apta para a função. Afirmou ainda que não havia vaga disponível para sua realocação e que todos os postos destinados a pessoas com deficiência já estavam ocupados.
Decisão
A juíza destacou que, mesmo reconhecendo a condição de PcD da trabalhadora, a empresa insistiu que ela se adaptasse ao ambiente sem oferecer condições mínimas para isso.
"Verifica-se, com isso, pela própria tese defensiva, que a ré afirma que seria reclamante que deveria se adaptar às condições em que o trabalho é realizado de qualquer maneira, mesmo a empresa estando ciente das limitações da sua funcionária."
Apontou a existência de "múltiplas vulnerabilidades" da empregada, ressaltando que ela é mulher, separada, mãe de uma adolescente e pessoa com deficiência.
Com base nesse contexto, aplicou o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva da Justiça do Trabalho, destacando que a proteção à pessoa com deficiência não está condicionada à ocupação de vagas reservadas, mas decorre de sua dignidade enquanto ser humano.
A julgadora também destacou que a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, com status de emenda constitucional, define a discriminação não apenas pelo dolo, mas também pelo resultado de atos que inviabilizam o acesso a direitos.
Acrescentou que a lei brasileira de inclusão (lei 13.146/15) impõe o dever de eliminar barreiras atitudinais, como as reveladas pela conduta da empresa no caso.
"Infelizmente, a postura da empresa, no caso, viola a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, fundamentos da própria República brasileira", registrou a magistrada.
A magistrada concluiu que a empresa agiu de forma velada ao demitir a trabalhadora por não atender às exigências do cargo sem promover adaptações razoáveis, caracterizando ato discriminatório vedado pela lei 9.029/95.
Com base nisso, a juíza julgou procedente o pedido de reintegração, com pagamento dos salários do período entre 17 de julho e 8 de outubro de 2024. Também reconheceu o direito à indenização por danos morais, arbitrada em R$ 2 mil, com base no dano in re ipsa, dada a ofensa aos direitos da personalidade da trabalhadora.
A decisão reconheceu ainda o direito ao adicional de insalubridade em grau médio (20%) por cinco dias de exposição a ruído contínuo e intermitente acima dos limites legais, durante a operação do caminhão sem uso obrigatório de protetor auricular.
- Processo: 0001076-24.2024.5.08.0114
Leia a decisão.