STJ discute validade de sentença arbitral em contrato de energia
O relator João Otávio de Noronha votou por negar o pedido, enfatizando a escolha das partes pelo regulamento da câmara de arbitragem e a falta de vícios processuais.
Da Redação
quarta-feira, 21 de maio de 2025
Atualizado em 23 de maio de 2025 15:18
A 4ª turma do STJ iniciou, nesta terça-feira, 21, o julgamento de recurso de comercializadora de energia que busca anular sentença arbitral envolvendo contratos de compra e venda no setor elétrico.
Além do mérito, os ministros também debatem questão preliminar levantada pelo ministro Raul Araújo, que defende a remessa do caso à 1ª seção, especializada em Direito Público, por entender que a controvérsia envolve normas de regulação do mercado de energia.
O julgamento foi pausado após pedido de vista do ministro Marco Buzzi para apreciar ambas as questões.
O caso
No recurso analisado, a parte autora pleiteia a anulação de sentença arbitral sob a alegação de vícios na composição do tribunal arbitral, no procedimento e na própria decisão. Sustenta, entre outros pontos, que dois dos árbitros possuíam vínculos com agentes da CCEE - Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, circunstância que, em seu entendimento, configuraria impedimento para atuação no caso.
O pedido de anulação se fundamenta no suposto descumprimento do dever de revelação previsto no art. 14 da lei 9.307/96, que obriga os árbitros a informar qualquer fato capaz de suscitar dúvidas justificáveis sobre sua imparcialidade e independência.
Sustentação oral
Durante sustentação oral no STJ, o ministro aposentado Francisco Rezek defendeu a anulação de sentença arbitral por suposto impedimento objetivo de dois árbitros que compuseram o tribunal. Segundo ele, à época, as normas aplicáveis vedavam a atuação de árbitros que tivessem prestado serviços recentes a agentes do setor elétrico, o que teria sido desrespeitado no caso.
Rezek destacou que a parte impugnou a idoneidade dos árbitros desde o início do procedimento, e não apenas após decisão desfavorável, e criticou a permanência dos julgadores mesmo após a contestação, contrariando, segundo ele, práticas de câmaras arbitrais nacionais e internacionais.
Ainda apontou que o Judiciário paulista teria convalidado a situação, ainda que por maioria, e pediu que o STJ não ratificasse o que classificou como um desvio prejudicial à credibilidade da arbitragem.
Dando seguimento, o advogado Felipe Monnerat Solon de Pontes Rodrigues, do escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, apontou que a convenção - com força vinculante por delegação da lei 10.848/04 - deveria prevalecer sobre o regulamento da câmara arbitral, e criticou o acórdão do TJ/SP por ignorar essa hierarquia.
Destacou ainda que os árbitros foram impugnados já no início da arbitragem, afastando tese de "choro de perdedor". Ao final, pediu o provimento do recurso e a anulação da sentença arbitral.
Pela recorrida, a advogada Ana Frazão defendeu a validade da sentença arbitral e afastou a tese de impedimento dos árbitros. Segundo ela, não houve quebra de imparcialidade, já que as supostas relações anteriores eram públicas, constavam dos currículos dos árbitros e não tinham relação com o litígio.
Afirmou que a interpretação das regras não permite a anulação da sentença e que aceitar essa tese tornaria inviável a arbitragem no setor elétrico. Sustentou, ainda, que o recurso não poderia ser conhecido, por exigir reanálise de fatos e normas infralegais, o que esbarra nas Súmulas 5 e 7 do STJ.
Voto do relator
Ao analisar o caso, o ministro João Otávio de Noronha, votou por negar provimento ao agravo. Destacou que, embora a convenção de arbitragem do setor elétrico estabeleça regras específicas, as partes, de forma livre e consciente, optaram por submeter a controvérsia ao regulamento da Câmara de Arbitragem da FGV.
Segundo o relator, esse regulamento não prevê impedimento de árbitros em razão de atuação como advogado para outros agentes econômicos integrantes da CCER.
O relator também afastou a alegação de que houve extrapolação dos limites da jurisdição arbitral, uma vez que as próprias partes conferiram poderes ao tribunal arbitral para a concessão de tutela de urgência.
Noronha destacou que, durante todo o procedimento, não houve qualquer insurgência da parte quanto à competência dos árbitros para decidir questões dessa natureza.
Em relação ao cerceamento de defesa, o ministro afirmou que as instâncias de origem reconheceram que foram oportunizadas todas as provas requeridas, não se verificando qualquer vício processual.
O ministro ressaltou, ainda, que rever o entendimento das instâncias ordinárias exigiria reexame de cláusulas contratuais e do conjunto probatório, o que é vedado pela Súmula 5 e 7 do STJ.
Por fim, concluiu que não há qualquer omissão, obscuridade ou contradição no acórdão recorrido, nem violação de dispositivos legais, motivo pelo qual votou por negar provimento ao agravo interno, mantendo a sentença que validou a sentença arbitral.
Direito Público...
Durante o julgamento, o ministro Raul Araújo levantou questão de ordem para destacar que, em sua visão, o caso deveria ser analisado pela 1ª seção do STJ, responsável por matérias de Direito Público, e não pela 2ª seção, que trata de Direito Privado.
O ministro argumentou que a controvérsia envolve diretamente a exploração de serviços públicos de energia elétrica, matéria que, segundo ele, está sujeita às regras constitucionais e administrativas.
Citou, especificamente, o art. 175 da CF, que trata do monopólio dos poderes públicos na prestação de serviços públicos, e o art. 21, inciso XII, alínea "b", que atribui competência privativa à União para explorar, direta ou indiretamente, os serviços e instalações de energia elétrica.
Na avaliação do ministro, a discussão não envolve normas do CC ou do CDC, mas sim normas de Direito Público, como a lei 10.848/04, que regula o setor elétrico.
Raul Araújo também ressaltou que, diferentemente da arbitragem no Direito Privado, a arbitragem no setor elétrico é obrigatória por força de lei, o que reforçaria, segundo ele, a natureza pública do tema.
Diante disso, defendeu que o processo fosse remetido ao órgão competente, ou seja, à 1ª seção do STJ, por entender que o tema escapa da competência da 2ª seção.
A ministra Maria Isabell Gallotti acompanhou o entendimento.
...Direito Privado
Em resposta, o ministro João Otávio de Noronha discordou da manifestação do ministro Raul Araújo sobre a competência. Para Noronha, não se tratava de uma discussão envolvendo concessão de serviço público nem de conflito com o Poder Público.
Ele destacou que o objeto da controvérsia era um contrato de compra e venda de energia entre duas empresas privadas, portanto, matéria típica do Direito Privado.
O ministro reforçou que não estava em debate se a comercialização de energia dependia de autorização da agência reguladora, nem se havia violação de normas públicas. A discussão, segundo ele, limitava-se aos interesses privados das empresas, dentro da livre iniciativa.
Noronha também rebateu a lógica de que a presença de um agente público no contrato transformaria a matéria em questão pública. Para ele, a natureza da relação jurídica - no caso, um contrato comercial privado submetido à cláusula de arbitragem - é que define a competência, e não o status das partes envolvidas.
Por isso, defendeu a manutenção da competência da 4ª turma, que julga matéria de Direito Privado.
O ministro Antonio Carlos Ferreira acompanhou o entendimento do relator sobre a questão.
Para resolver as divergências, o colegiado submeteu a questão de ordem à votação. Diante do empate, o ministro Marco Buzzi pediu vista para analisar tanto a competência quanto o mérito do caso.
- Processo: REsp 1.854.678