STJ: Filhas de brasileira que fugiu da Irlanda retornarão ao Brasil
Caso envolve Raquel Cantarelli, brasileira acusada de "sequestro internacional" ao deixar a Irlanda com as filhas em 2019.
Da Redação
sexta-feira, 23 de maio de 2025
Atualizado às 17:26
A 1ª turma do STJ confirmou a ordem para retorno de duas crianças ao Brasil no caso que envolve Raquel Cantarelli, brasileira acusada de "sequestro internacional" ao deixar a Irlanda com as filhas em 2019. Ela afirma ter fugido do país para protegê-las de abusos cometidos pelo ex-marido.
A decisão foi proferida no julgamento dos embargos de declaração apresentados pela AGU - Advocacia-Geral da União, o qual foi parcialmente acolhido por unanimidade pelo colegiado, sob relatoria do ministro Gurgel de Faria.
O resultado não alterou o mérito do que já foi decidido, mas reconheceu a necessidade de maiores esclarecimentos a respeito dos caminhos legais disponíveis à União para viabilizar o retorno das crianças ao Brasil e de diretrizes para fazer atos internacionais necessários para dar efetividade à decisão.
Entenda
Segundo o processo, após notar comportamentos indicativos de abuso sexual contra a filha mais velha, então com dois anos, ela procurou autoridades locais, mas as investigações foram arquivadas sem apuração adequada.
Raquel relatou ter sido impedida de sair do país, sofrendo cerceamento de liberdade.
Com apoio da Embaixada do Brasil e da PF, ela conseguiu retornar ao país com as crianças, em uma ação descrita nos autos como "operação de resgate".
Convenção de Haia
Com base na Convenção de Haia de 1980, o pai ajuizou ação no Brasil, com o apoio da União, para exigir o retorno das menores, alegando subtração ilícita.
Em 1ª instância, a Justiça negou o pedido, reconhecendo a exceção do art. 13, "b" - risco grave à integridade física e psíquica das crianças.
Contudo, o TRF da 2ª região reformou a decisão e determinou o retorno imediato das meninas à Irlanda.
Em 14/6/23, as menores foram retiradas compulsoriamente da casa da mãe e entregues ao pai.
Desde então, Raquel está há quase dois anos sem qualquer contato com as filhas.
Vitória no STJ
O caso chegou ao STJ por meio de recursos do MPF e da DPU.
Em 17/12/2024, após devolução de pedido de vista da ministra Regina Helena Costa, a 1ª turma decidiu, por maioria, restabelecer a sentença de improcedência do pedido do genitor, reconhecendo risco concreto à integridade das crianças e determinando o retorno das meninas ao Brasil.
O relator, ministro Gurgel de Faria, afirmou que não se tratava de condenar o genitor, mas de preservar o melhor interesse das crianças. Para o ministro, os elementos constantes dos autos, como laudos da perícia social, relatos consulares e manifestações do MPF, sinalizavam risco real.
Destacam-se os seguintes dados citados no voto:
- Obtenção de medida protetiva por Raquel ainda em 2019, contra o pai das crianças;
- Comportamentos sugestivos de abuso relatados pela mãe e observados em vídeo periciado;
- Laudo psicológico apontando que o retorno "traria traumas e danos", devido ao tempo decorrido e à ruptura abrupta dos vínculos com a mãe;
- Ausência de conclusão judicial sobre os abusos, devido à tenra idade das crianças, o que, segundo o relator, exigia postura prudente e protetiva.
A decisão criticou duramente a omissão das autoridades, que não implementaram medidas mínimas para preservar o contato com a mãe.
"A Justiça sequer se preocupou com a necessidade de implementar medidas junto às autoridades irlandesas para que as crianças tivessem, pelo menos, acesso por videochamada."
Após a decisão da Corte, a AGU interpôs embargos de declaração, o qual foi parcialmente acolhido por unanimidade pela turma.
Na decisão, o colegiado reconheceu a necessidade de maiores esclarecimentos, destacando que a ordem judicial que impõe medidas executivas à União tem caráter abrangente, permitindo o uso de diversos meios jurídicos para garantir o retorno das crianças ao Brasil.
Entre esses meios, indicaram a cooperação jurídica internacional, a proteção diplomática ou quaisquer outros instrumentos adequados conforme as circunstâncias do momento da execução.
Nova etapa
Segundo o advogado de Raquel, Vinicius Melo, a expectativa agora é de que se inicie uma nova etapa da luta judicial para retorno das filhas.
Ele afirmou que a Defensoria Pública tem desempenhado papel essencial na reversão da decisão que havia separado mãe e filhas, e que sua atuação será igualmente importante na responsabilização pelas consequências do caso.
"A Defensoria Pública está fazendo esse ótimo trabalho para que, posteriormente, a gente consiga, com o trânsito em julgado dessa sentença, responsabilizar toda a cadeia de profissionais envolvidos numa decisão tão teratológica que foi essa relacionada ao caso de Raquel. Eu penso que, após a redemocratização, há aí um dos grandes erros do Judiciário que demanda não só a responsabilização de todo esse povo que foi envolvido nesse ato traumático, como também do próprio governo brasileiro perante alguns internacionais."
- Processo: AREsp 2.525.844
Leia a decisão.