Risco de violência impede retorno de criança ao exterior, vota Barroso
Ministro relator propôs ampliar exceção da Convenção da Haia para incluir casos de violência contra a mãe, mesmo sem a criança ser vítima direta.
Da Redação
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
Atualizado às 19:02
Nesta quarta-feira, 13, STF voltou a analisar duas ações envolvendo sequestro internacional de crianças.
Durante a sessão plenária, o relator, ministro Luís Roberto Barroso proferiu voto pela compatibilidade da Convenção da Haia com a CF, mas defendeu interpretação que amplia a exceção ao retorno imediato do menor quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica contra a mãe, ainda que a criança não seja vítima direta.
Devido ao adiantado da hora, o julgamento foi suspenso e será retomado na sessão de quinta-feira, 14.
Casos
Na ADIn 7.686, o PSOL questiona a regra que obriga o retorno ao exterior de crianças trazidas ao Brasil por um dos pais, sem autorização do outro, mesmo havendo fundadas suspeitas de violência doméstica no estrangeiro, ainda que a criança não seja vítima direta.
Já a ADIn 4.245, ajuizada pelo DEM, impugna dispositivos da Convenção sob o argumento de que ela tem sido aplicada de forma automática, sem considerar peculiaridades dos casos, resultando em violações a princípios constitucionais como dignidade humana e proteção integral.
Voto do relator
Ao votar, Barroso destacou que a Convenção da Haia, ratificada por 103 países, é um instrumento central do Direito Internacional Privado, voltado a evitar que um genitor, sem consentimento do outro, transfira ilicitamente a criança para outro país.
O tratado estabelece, como regra, o retorno imediato ao país de residência habitual, para que as questões de guarda sejam decididas pelas autoridades locais, com base na urgência e na celeridade.
O ministro frisou que a Convenção possui status supralegal no Brasil, por tratar da proteção de Direitos humanos da criança, e que sua aplicação busca promover valores como dignidade da pessoa humana, convivência familiar e proteção integral da infância.
No entanto, ao analisar artigo 13.1.b da Convenção, que prevê exceção ao retorno imediato em caso de risco grave de a criança sofrer danos físicos ou psíquicos, ou de ser colocada em situação intolerável, Barroso considerou que o dispositivo deve ser interpretado à luz do princípio do melhor interesse da criança e com perspectiva de gênero, de forma a abranger também situações de violência doméstica contra a mãe, ainda que a criança não seja vítima direta.
Segundo o relator, a realidade atual mostra que muitos dos chamados 'genitores subtratores" são mulheres, cuidadoras primárias e, frequentemente, migrantes, que retornam ao país de origem para escapar de contextos de abandono, abuso ou violência doméstica.
O retorno automático nesses casos, advertiu, pode perpetuar o ciclo de violência e expor mãe e filho a novos riscos.
Barroso ponderou que a exigência de prova cabal e irrefutável é incompatível com a celeridade exigida pela Convenção. Por outro lado, alegações genéricas não são suficientes.
A aplicação da exceção deve se apoiar em indícios objetivos e concretos, capazes de conferir plausibilidade à alegação de risco, permitindo a formação de um juízo fundamentado em procedimento sumário. Assim, não se exige o conjunto probatório de um processo de conhecimento, mas também não se admite a simples narrativa sem elementos mínimos de comprovação.
Veja trecho do voto:
O ministro ressaltou que o Brasil tem sido percebido internacionalmente como cumpridor deficitário da Convenção, em razão da morosidade processual que compromete a efetividade do tratado e favorece a criação de novos vínculos no país de acolhimento. Citou o prazo de seis semanas para decisão em 1º grau (artigo 11) e de até um ano para decisão definitiva (artigo 12), como metas a serem observadas internamente.
Para enfrentar esse problema, propôs medidas como:
- criação de grupo de trabalho no CNJ, em 60 dias, para elaborar proposta de resolução que assegure tramitação célere e decisão final em até um ano;
- concentração da competência em varas federais das capitais e turmas especializadas nos TRFs;
- instituição de núcleos de apoio especializado para conciliação, perícias psicossociais e apoio técnico aos magistrados;
- inclusão de selo de tramitação preferencial ("TAG") nos processos sobre a Convenção;
- fortalecimento da Autoridade Central Administrativa Federal (AGU) e avaliação da adesão do Brasil à Convenção da Haia de 1996.
Ao final, Barroso julgou parcialmente procedentes os pedidos para conferir interpretação conforme ao artigo 13.1.b da Convenção, reconhecendo que a exceção ao retorno imediato por risco grave se aplica também a casos de violência doméstica contra a mãe, comprovados por indícios objetivos e concretos, ainda que a criança não seja vítima direta. E para determinar a adoção das providências estruturais e procedimentais para garantir tramitação célere e eficaz dos processos.
Ainda, propôs a seguinte tese:
"1. A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspectos civis da subtração internacional de crianças é compatível com a Constituição Federal, possuindo status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro por sua natureza de Tratado Internacional de Proteção de Direitos Humanos, como são os direitos das crianças.
2. A aplicação da Convenção no Brasil, à luz do princípio do melhor interesse da criança, exige a adoção de medidas estruturais e procedimentais para garantir a tramitação célere e eficaz das ações sobre restituição internacional de crianças.
3. A exceção de risco grave à criança, prevista no artigo 13.1.B da Convenção da Haia, de 1980, deve ser interpretada de forma compatível com o princípio do melhor interesse da criança e com perspectiva de gênero, de modo a admitir sua aplicação da exceção, quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica contra a genitora acusada da subtração, ainda que a criança não seja a vítima direta."
- Processos: ADIn 7.686 e ADIn 4.245